Temos diversas formas de comunicação. Uma das mais diretas e tradicionais é o livro. Sempre sabemos o nome do seu autor, e mesmo quando não o sabemos, nossa razão não coloca dúvida sobre a autoria de alguém. O livro é composto por sinais que variam, de cultura, de povos; varia com o material com o qual é feito o livro e o material com o qual é escrito os caracteres. Enfim, existe uma grande variedade dentro dessa conceituação de “livro”.
A minha mente pode contribuir com esse paradigma, diversos tipos de livros e caracteres, mesmo que não sejam apresentados na forma tradicional dos livros, mas que conduza em seu bojo uma mensagem.
Assim interpreto a Natureza da qual faço parte. É o livro por excelência, e tudo que existe dentro dele são seus caracteres. O espaço é a infra-estrutura deste livro e as criações os caracteres. E o autor? Ninguém?
Mais uma vez minha razão interpreta que isso é uma incoerência. Como é que todos os livros menores têm um autor, minha razão disso não tem dúvidas, e o livro maior, o livro da Natureza, não tenha autor? Claro que tem um, basta se descobrir.
Como faço com um livro que não tem autor? Eu já o adquiro com essa informação: autor desconhecido. Claro que se eu tiver interesse, posso usar meu tempo e recursos para ir em busca do nome desse autor, e posso até ser bem sucedido, mas nada garante esse sucesso.
Agora, com o livro da Natureza não tem jeito. Eu não tenho tempo ou recursos suficientes para achar o nome desse autor. Mas sei que tem um autor: autor desconhecido.
Porém como eu, nenhum dos seres humanos sobre a Terra sabe o nome desse autor, assinado por ele como é de praxe. Por uma questão de cortesia, ou melhor, de reverência, afinal ele é o responsável por minha existência também. Eu devo encontrar um nome para identificá-lo e deixar de usar apenas o sinal de minha ignorância: autor desconhecido.
Dessa forma, em todas as culturas, primitivas ou civilizadas, houve esse esforço de procura na identificação do nome do autor da Natureza. Temos como resultado disso diversas forma de pensar e de identificar. Alguns preferem não ir atrás dessa identificação e simplesmente dão a ele o nome de acaso. Pretendem assim não adentrar onde os seus sentidos materiais não permitem. Outros querem ir mais à fundo e extrapolam com a razão e coerência o mundo material, adentram o mundo espiritual e mesmo sem que seus sentidos sejam impressionados por este mundo, a razão acata os relatos de quem o percebe, e passa a considerá-lo real do mesmo jeito. É o meu caso.
Nesse novo contexto um nome para esse criador anônimo é aceito e varia de acordo com o povo em questão: Tupã, Jeová, Alá, Krishna, Deus, etc. As vezes um nome é usado para o criador, mas é incoerente as suas ações. Por exemplo, Jeová, o senhor dos exércitos. Este é o criador que se envolve e protege apenas um povo, e que orienta o assassinato em massa dos outros povos. Não “bate” com o que deveria ser o criador de tudo e que deve ter amor por suas criaturas, assim como Jesus ensinou.
Observo assim uma evolução dentro da própria conceituação. O conceito de criador como pai bondoso e misericordioso com todos, assim como Jesus ensinou, é o que mais se aproxima da coerência com o autor do Livro da Natureza.
Acompanhado esses estudos e procurando pela coerência, acato o que não agride a minha razão. Aceito a conceituação ensinada por Jesus, pois dentro dela eu posso incluir toda a humanidade, toda a criação, num projeto único de Deus, de evolução dentro de um processo harmônico.
Agora eu escrevo Deus e tudo que se refere a Ele com inicial maiúscula, querendo mostrar a Sua superioridade ampla frente a tudo, o que caracteriza a divindade. Também faço isso com Jesus, pois de todos os seres humanos que conheço, Ele foi quem mais se aproximou do Pai, do Criador, a quem dizia a todo instante que era Seu filho e que todos nós também o éramos., só que num estado menos evoluído e que para melhorar o nível dessa evolução para nós, foi porque Ele veio. Para nos ensinar o Amor Incondicional, e que isso, essa energia imponderável, era a essência do Pai: Deus é Amor!
Assim, hoje eu faço minha oração ao Pai olhando para o infinito céu azul, as estrelas, o vento, o mar, o barulho das ondas, de tudo e me sinto acolhido em Seus braços. Falo com Ele através da oração e escuto o que Ele tem a dizer através da meditação.
Continuo a ler no Seu imenso livro da Natureza. Aprofundei meus estudos a nível acadêmico, fiz doutorado, entrei nos caminhos do pensamento, da filosofia, e terminei “batendo a porta” dos desígnios de Deus para a Sua criação, inclusive nós humanos, principalmente eu como responsável (livre arbítrio) pelo meu comportamento de acordo com minha intenções e com o que adquiri.
O Livro da Natureza tem para mim, hoje, uma autoria certa, bem definida, e que é dentro dele que vou encontrar muitos segredos da criação e que tem implicação na vida de todos nós. Principalmente na minha vida, pois quanto mais sabemos, mais responsabilidades adquirimos e que exige uma ação prática, pois essa é a vontade de Deus.
Foi perguntado em “O Livro dos Espíritos” questão 967, em que consiste a felicidade dos bons Espíritos. Os próprios Espíritos responderam:
“Conhecer todas as coisas, não ter nem ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que fazem a infelicidade dos homens. O amor que os une é para eles a fonte de uma suprema felicidade. Eles não experimentam nem as necessidades, nem os sofrimentos, nem as angústias da vida material. São felizes do bem que fazem. De resto, a felicidade dos Espíritos é sempre proporcional à sua elevação. Só os Espíritos puros gozam, é verdade, uma felicidade suprema, mas todos os outros não são infelizes. Entre os maus e os perfeitos há uma infinidade de graus em que os gozos são relativos ao estado moral. Os que estão bastante avançados compreendem a felicidade dos que chegaram antes deles: a ela aspiram. Mas é para eles objeto de emulação e não de ciúme. Sabem que deles depende alcançá-la e trabalham para esse fim, mas com a calma da boa consciência, e são felizes por não terem que sofrer o que sofrem os maus.”
Esta é uma boa explicação do Amor Incondicional na prática. Conhecer todas as coisas, mesmo assim não ter ódio apesar do egoísmo que grassa no mundo. Desses quatro itens citados pelos espíritos, eu acredito que já dominei muito bem todos eles. Não sinto ódio, ciúme, inveja ou ambição por nada ou ninguém. As vezes uma ação que considero muito injusta e que me atinge frontalmente, desperta a raiva, mas consigo a controlar e em vez dela crescer em direção ao ódio, ela retorna e faz com que minha relação com essa pessoa, que de alguma forma me contrariou ou foi de encontro aos meus princípios, querendo me obrigar aos princípios dela, faça com que eu reestruture minha forma de agir com ela. Mantenho certo afastamento para evitar que novo conflito se instale entre nós. Se mesmo assim ainda existem conflitos apesar do afastamento, isso provoca mais um afastamento. Até o ponto onde a distância não possa mais gerar conflito entre nós, e se adquira o relacionamento harmônico, mantendo a amizade e o amor, mas também mantendo a distância necessária para não ter mais desarmonia.
Sei que o meu comportamento que segue paradigmas muito diferentes do que são defendidos por nossa cultura gera em minhas companheiras muitas frustrações, apesar de toda explicação que dou ao meu respeito. Isso pode ser fonte de conflitos e, portanto, de afastamento. Significa que posso ficar longe de todas que se aproximam de mim, por esse motivo, e apesar de ter uma capacidade tão grande de amar, terminar por viver sozinho.
Então eu poderia perguntar a mim mesmo, como algumas pessoas já fazem, se eu sou feliz vivendo dessa forma. Talvez eu não tenha a felicidade espiritual que os Espíritos informaram acima. Mas não tendo nenhum daqueles quatro aspectos que foram citados, já me considero com um bom nível de felicidade, mesmo vivendo só, mesmo sabendo que tenho uma missão que talvez não possa concluir por não ser ainda tão perfeito.
“O amor deve ser um diálogo que liberta o outro para os outros. Liberta para amar mais. Quando o outro fica preso, não é amor. Ele deve permanecer fiel porque quer, não porque o impedem ou não tem outro jeito.” (Frei José Carlos, OFMCap)
Interessante como as lições do Mestre Jesus podem ser ampliadas e espalhadas pelo mundo todo por seus discípulos, das mais diversas feições que possam ter.
Esse texto do Frei José Carlos exemplifica bem isso, o confronto do Amor Incondicional com o amor romântico.
O Amor Incondicional é sempre um diálogo aberto cheio de liberdade de uns para com os outros. Quanto mais liberdade, mais capacidade de amar. Quanto mais alguém ama outro alguém, mais esse alguém se sente livre para amar outros... Essência da família universal que um dia construiremos. As famílias que acolhem, amam e incluem o próximo de acordo com suas tendências e afetividades, sem preconceitos ou intolerâncias.
Quando o outro fica preso ao outro, como é a tendência do amor romântico, e que exige reciprocidade, isso não é Amor Incondicional. O amor romântico tende a ser exclusivista, ciumento, intolerante com o partilhar do afeto. É cheio de carga afetiva associado ao prazer dos sentidos, dos impulsos corporais, dos instintos. Capaz de provocar uma paixão cega que só ver os seus interesses, que a mínima discordância do outro já gera ciúme e intolerância que facilmente entra no caminho da raiva, do ódio, da violência, até mesmo do crime.
O Amor Incondicional é fiel aos compromissos que assume, porque quer, não porque exista um controle externo sobre ele. A fidelidade do Amor Incondicional parece infidelidade ao amor romântico, e vice-versa. Quando eu digo que sou fiel à liberdade do Amor Incondicional, e que posso amar também a terceiros, quando isso acontece parece infidelidade a quem ama de forma romântica.
Portanto as duas formas de amar podem coexistir, pois estão dentro do livro da Natureza, mas devem ser devidamente conhecidas e deve ser obedecida a hierarquia superior do Amor Incondicional. O amor romântico pode mesmo existir, é belo, gratificante e prazerosa a sua existência, mas que saibamos controlar os seus arroubos, até mesmo se for desenvolvida uma paixão. Todos os sentimentos e desejos que aflorarem na consciência, não podem obnubilar os princípios do Amor Incondicional.
Dessa forma poderá ser construída uma família ampliada que se aproximará cada vez mais da família universal que será a base do Reino de Deus, como o Mestre Jesus já nos ensinou. Está chegada a hora do Reino de Deus, anunciava Jesus, a partir das transformações do nosso coração. Agora podemos dizer que é chegada a hora de construirmos a família universal, a partir da transformação das nossas família nucleares, entendendo que nossos corações já estejam transformados e cheios do Amor Incondicional. É hora de avançarmos nas lições do Mestre; que os mais atrasados purifiquem seus corações, façam a faxina do egoísmo. Nós que já entendemos o que seja Amor Incondicional não podemos continuar a construir famílias egoístas e exclusivistas, então façamos as famílias ampliadas com a liberdade, fraternidade e inclusividade, necessárias na formação do Reino de Deus.
As pérolas de sabedoria da Fé Bahá’í traz uma lição interessante com relação a fé:
... Digo-vos que qualquer um que se levante na causa de Deus, nesta época, será pleno será pleno com o espírito de Deus, e que Ele enviará Suas hostes do céu para ajudá-los, e que nada será impossível para vós se tiverdes fé. E agora lhes darei um mandamento que será um convênio entre vós e Mim – que tenhais fé; que vossa fé seja firme como uma rocha que nenhuma tempestade pode mover, que nada pode perturbar, e que perdure através de todas as coisas até o fim; mesmo se ouvirdes que vosso Senhor foi crucificado, não sede abalados em vossa fé; pois estarei convosco até o fim. Assim como a vossa fé, assim serão vossos poderes e bênçãos. Isto é o equilíbrio – isto é o equilíbrio – isto é o equilíbrio.
Então, a fé é a forma de ligação mais eficiente entre a criatura e o Criador. Como estamos na experiência de um mundo material, sem a lembrança de nossa origem espiritual, a mente fica muito ligada a esses aspectos materiais e termina por desconsiderar qualquer coisa que não impressione os sentidos.
Lembro quando eu vivia a duvidar da existência do Criador e formulava diversas hipóteses para justificar minha existência, origem e porvir. Confesso que em nenhuma delas eu me sentia tão confortável como quando decidi num esforço racional acreditar no mundo transcendental. A partir daí o meu raciocínio lógico fluiu com mais profundidade em campos nos quais os meus sentidos materiais não alcançam. Porém só consigo navegar por esses horizontes tão amplos se eu estiver revestido de fé. Caso entre a menor dúvida tudo desaba nas incerteza e todo o meu construto racional racha no meio. Não posso deixar entrar em mim a descrença em algo que já considerei e que avaliei ser o mais importante na vida, o mundo material.
Assim, a conceituação da fé como um convênio entre a criatura e o Criador é muito pertinente. Mesmo eu sendo tão displicente no ato de orar com regularidade e freqüência, tendo a consciência desse convenio entre mim e Deus, passa a ser mais uma motivação para a nossa comunicação, pois isso implica na formação de um ele entre nós. Fico agora mais confiante, pois sei que o Pai estar sempre ao meu redor, que organizou a Natureza para que tudo pudesse fluir com harmonia; a única criação que não obedece automaticamente as Suas ordens, somos nós, humanos, pois Ele nos dotou com o livre arbítrio. Assim eu posso decidir contra a Sua vontade, contra a harmonia da Natureza, devido a minha ignorância, mas aprenderei que pararei por esses erros.
Hoje tenho uma boa compreensão do que Ele quer que eu faça, recebo instruções sobre isso e orientações sobre o caminho a seguir. Sei das dificuldades que irei encontrar e peço forças para resistir as intempéries.
Lembro que ontem fiz uma indagação a Deus: QUE FAÇO, DEUS, AGORA? Logo em seguida, quase de imediato, por um instante que fiquei à espera e peguei num livro, e encontro a Liturgia do dia:
Depois que João foi preso, Jesus dirigiu-se para a Galiléia. Pregava o Evangelho de Deus, e dizia: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho”. Passando ao longo do mar da Galiléia, viu Simão e André, seu irmão, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Jesus disse-lhes: “Vinde após mim; eu vos farei pescadores de homens”. Eles, no mesmo instante, deixaram as redes e seguiram-no. Uns poucos passos mais adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam numa barca, consertando as redes. E chamou-os logo. Eles deixaram na barca seu pai Zebedeu com os empregados e o seguiram.
Nessa lição Jesus reforça a preparação para a vinda do Reino de Deus que está próxima. Explica às pessoas que ele convida que serão a partir daquele momento pescadores de homens.
Logo a minha mente faz as devidas conexões com o que eu acabara de pedir ao Pai: um caminho a seguir. Jesus fez há dois mil anos um convite para que seus discípulos se tornassem “pescadores de homens”. Hoje temos espalhados pelo planeta milhares de “pescadores de homens” instruídos por Jesus e Seus discípulos. Mesmo assim o mundo se debate nas fogueiras do egoísmo, com todo tipo de crime e miséria florescendo em toda comunidade humana, seja bruta ou civilizada. Os atuais cristãos não conseguem construir esse Reino de Deus como o propósito ideal. Os relacionamentos que levam a formação da família estão cheios de egoísmo na sua base e que impede a expressão do Amor Incondicional; o que observamos é a simples execução do amor condicional... eu amo fulano porque ele está na condição de ser meu filho, meu marido, minha esposa, meu tio, e assim por diante. As vezes até esse modelo está contaminado e o egoísmo fomenta o ódio até mesmo dentro das famílias.
Enfim, esse chamado de Jesus para ser pescador de homens não se aplica mais a mim, pois Deus já viu que isso não irá modificar o modelo que já está instalado, da família nuclear fundamentado no egoísmo. Deus sutilmente colocou na minha consciência ao longo do tempo e alicerçado pelas leis da Natureza e pela ética evangélica, a formatação de uma nova família, a família ampliada como protótipo da família universal. Nesta família prevalece o Amor Incondicional e não o amor romântico; prevalece a fraternidade, a justiça, a tolerância, o amor inclusivo. Então entendi onde Deus queria que eu chegasse na minha compreensão: ele não quer que eu seja pescador de homens, e sim pescador de famílias.
Está aí o grande passo que Ele quer que eu realize. Que assuma essa nova compreensão, de corrigir a pureza da família, tirando do seu interior o egoísmo e colocando a fraternidade; respeitar o amor romântico, mas obedecer ao Amor Incondicional. Não quer dizer com isso que seja um objetivo a destruição da família tradicional, mas que seja destruída a hipocrisia em que muitas se sustentam. Se os membros decidem viver num regime fechado de amor exclusivo, que façam isso respeitando todas as conseqüências, e não o forte humilhar o fraco em função dos desejos instintivos, tanto dentro como fora dos limites familiares.