Sempre estamos aprendendo um pouquinho mais, aqui e ali. Aceitei o Amor Incondicional como paradigma de minha vida, tenho uma compreensão do seu conceito que me satisfaz. Porém, ao assistir a história dramatizada do profeta Oseias, cuja esposa ordenada por Deus era uma prostituta, ouvi uma pequena frase sobre o amor de Deus por nós que me fez aprofundar ainda mais no conceito do Amor Incondicional.
Oseias perguntava a Deus como Ele podia amar tanto o Seu povo se esse o traia ao adorar outros deuses, comparando com a dor que ele sentia de se saber traído por sua esposa. Então veio um raio de compreensão na mente de Oseias, que seria o entendimento do porque Deus ama tanto dessa forma: “Porque não depende de nós!”
Deus nos ama independente do que façamos. Este é o Amor Incondicional.
Oseias resgatou sua mulher, prostituta declarada, depois que caíra na desgraça, não fez os desejos do seu amante. Foi levada a leilão e ninguém dava o mínimo que o leiloeiro exigia, com os argumentos de que ela ainda podia trabalhar nos campos, que ainda poderia gerar filhos. Oseias cobriu todos os lances humilhantes que foram dados e ainda pagou 15 vezes mais o que o leiloeiro pedia, não quis pechinchar, ele sabia no seu coração o valor que ela tinha, e mostrou sem vergonha a todos que estavam na praça, que ela era sua companheira, mesmo que tivesse caído em desgraça, mas seu amor por ela permanecia.
Chegou perto dela, que ferida e envergonhada se encolhera nos seus trajes andrajosos. Pegou-a nos braços e a conduziu aconchegada no peito para sua casa. Não deu ouvido a ironias, a críticas, a zombarias... O que ele fazia era a vontade de Deus e Deus encontrou o homem que podia expressar o seu Amor Incondicional, independente das críticas que pudesse sofrer.
Quando essa história é citada num grupo, sempre ouço de todos a opinião de que não fariam o que Oseias fez, não dariam guarida, amor e respeito a uma mulher tão falsa e frívola. Consideram Oseias um bobo, um chifrudo, cornudo. Não percebem a dimensão do Amor que Deus colocou à prova através de Oseias.
Sinto-me solidário a Oseias. Eu acredito que faria o que ele fez, tendo ouvido a vontade de Deus na consciência como aconteceu com ele. Agora fico a meditar: será que essa história não está se repetindo com pinturas de modernidade? Do mesmo modo que Oseias fora convocado para dar demonstração ao Amor Incondicional no seu comportamento com Gumar, sua mulher escolhida por Deus, eu também estou sendo convocado para dar demonstração de Amor Incondicional a tantas mulheres também escolhidas por Ele que se envolvem comigo com a Sua permissão e que Ele promove a sintonia espiritual e afetiva? De também rejeitar o sentimento machista ou exclusivista, em função do Amor Incondicional? Daquela vez para corrigir o sentido de adoração do povo, e desta vez para implementar a construção do Reino de Deus?
Nós os seguidores de Jesus podemos dizer que estamos seguros em relação a verdade do Evangelho e particularmente a sua prática? Como distinguir o verdadeiro do falso? Robert Law fez um comentário sobre I João, em 1885, intitulado Tests of Life (Testes da vida), em que estabeleceu três testes fundamentais, ou três critérios, para discernir entre verdadeiros e falsos cristãos.
Assim, é incoerente declarar amor a Deus enquanto se odeia o irmão. A aplicação desses três testes serve para desmascarar a falsa identidade de ditos cristãos, enquanto reforça a firmeza correta dos cristãos genuínos. Nós, cristãos, somos marcados pela fé verdadeira, pela obediência piedosa e pelo amor fraternal. Os que nascem de Deus (o nascer de novo citado por Jesus) creem, obedecem e amam.
Eu considero que passo nos três testes. Pode existir alguma dúvida com relação ao segundo, pois podem contra argumentar que eu não obedeço a Lei de Deus onde se inclui o decálogo de Moisés e que defende a monogamia, a fidelidade entre esposos. Mas acontece que eu resolvi seguir o principal artigo da Lei como Jesus ensinou, amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. No desdobramento do seguimento desse artigo preferencial, eu termino por ultrapassar os limites impostos pela monogamia, pela fidelidade conjugal para aplicar o amor incondicional. Na minha forma de pensar, eu cumpro integralmente também o segundo teste, mesmo sabendo que persistem críticas e que eu não vejo argumentos lógicos para me demover da atual posição. Mas sei que se eu tiver errado, Deus se encarregará de colocar à minha frente os argumentos que poderão reformular os meus pensamentos e paradigmas de vida.
Quando decidi pautar minha vida pelo amor incondicional eu sabia que teria que viver dentro de certos limites, que não poderia ter um comportamento que não fosse coerente com os princípios desse amor. Conhecendo os princípios eu posso estabelecer os limites e metas para a minha conduta. Davi já tinha demonstrado essa preocupação há milênios, quando ele escreveu “O modelo do justo”, no Salmo 14, encontrado na Bíblia Sagrada:
2 O que vive na inocência e pratica a justiça, o que pensa o que é reto no seu coração, 3 cuja língua não calunia; o que não faz mal a seu próximo, e não ultraja seu semelhante. 4 O que tem por desprezível o malvado, mas sabe honrar os que temem a Deus; e que não retrata juramento mesmo com dano seu, 5 não empresta dinheiro com usura, nem recebe presente para condenar o inocente.
Com essas observações e esse modelo, eu posso fazer algumas perguntas básicas:
Assim eu posso concluir que, apesar de existir alguns deslizes no meu comportamento, posso me considerar dentro de uma vida correta.
Sempre me incomoda esse termo quando é aplicado para distinguir alguns grupos de outros. Na minha concepção Deus é o Criador de toda a Natureza, inclusive nós e dessa forma todos somos, independente da pátria, da raça, do credo ou da posição social, financeira ou política, filhos do Pai, o povo de Deus.
Essa, no entanto, é a posição intelectual de quem se coloca do ponto de vista de Deus, que acredita que “Ele” tenha uma existência real e, portanto, que Ele considera a todos como filhos, independente da forma de pensar de cada um. Agora temos o pensamento livre dos filhos de Deus que usa do seu livre arbítrio para direcionar a sua vontade para onde o seu raciocínio lógico levar. Pode muito bem não acreditar que Esse Deus que seus sentidos não percebem, também não existir. Então essas pessoas não se consideram povo de Deus. E quem acredita em Deus também pode os considerar que não são eles o povo de Deus. Então, do ponto de vista humano podemos fazer essa distinção e que com a evolução no tempo vamos aperfeiçoando a compreensão.
Na cultura ocidental aceitamos majoritariamente a concepção do Deus único representado por uma força prevalente na Natureza, capaz de intervir em favor dos seus favorecidos. Começou na eleição de um povo, os israelitas, para serem distinguidos de todos os outros e dessa forma serem favorecidos em detrimentos dos outros, pagãos, ateus ou crentes de outros deuses. É registrado no livro sagrado desse povo, a Bíblia, toda uma epopeia nesse sentido e que chega até os dias atuais reformulado pelos ensinamentos de Jesus Cristo. Houve assim um progresso, pois deixou de ser considerado o povo de Deus apenas os integrantes de um grupamento racial, agora passaram a ser todos aqueles que aceitam os ensinamentos do Cristo e que compõem a sua igreja.
Ainda dentro desse conceito humano de povo de Deus, acredito que ainda seja necessário mais um ponto evolutivo, a consciência. Não é necessário que seja obrigatório permanecer dentro dessa instituição chamada igreja cristã, para sermos considerados filhos de Deus. Basta aceitar essas informações preciosas que Jesus nos ensinou, sobre Deus, o Pai, e sobre o Reino de Deus, a família universal, procurar as colocar em prática com boas intenções o amor incondicional, para já estar dentro do conceito do povo de Deus. Pode nunca ter ido a qualquer igreja, de qualquer denominação, e até participar de igrejas com outras orientações não cristãs, mas que todas sejam baseadas no princípio divino do amor incondicional e seus desdobramentos, verdade, justiça, liberdade, fraternidade, solidariedade, etc.
Desde que eu descobri a existência de Deus e que Ele se manifesta através de toda a Natureza e em nós principalmente pela capacidade de amar, passei a expressar essa forma de amor incondicional, sinônimo de Deus. Quer dizer, tento fazer isso, pois estou ainda muito ligado à carne e aos seus instintos, chego a me comportar com perversidade a tal ponto que só depois do ato realizado é que vou perceber a dimensão do bem que não fiz, do amor incondicional não expresso.
Ontem foi mais um dia que isso aconteceu, e o fato se desenvolve dentro de um padrão que eu não consigo quebrar e só consigo perceber a besteira que fiz, do bem não realizado, quando o ato é concretizado. Uma senhora me procura no hospital para lhe dar uma receita de medicamento para o seu filho que não quer vir a consulta. Como ele esteve internado sob meus cuidados, ela recorre a mim. Eu sigo a burocracia do não permitido, que o meu trabalho se restringe à enfermaria e não manter a medicação de um paciente que não quer vir nem para a urgência, nem para o ambulatório. Não tratei essa senhora e o seu filho ausente como irmãos, nem como o próximo que devo amar como a mim mesmo. Acaso se eu tivesse necessitando dessa receita eu não iria fazer para mim mesmo atropelando toda e qualquer burocracia? É um fato visível de falta de caridade, de não cumprimento da lei maior. Portanto, por mais que eu diga e me esforce para cumprir a lei do amor incondicional, falhas existem no meu caráter e personalidade que deixam que isso aconteça. Mas aqui estou usando a espada afiadíssima da verdade. Verdade que neste caso se volta contra mim mesmo e mostra as minhas fraquezas, escancara as minhas fragilidades, da minha incompetência de me comportar próximo ao exemplo do Mestre.
Mas permaneço com a espada afiadíssima da verdade, mesmo ela cortando a minha carne. É o meu suplício e ao mesmo tempo a minha esperança. Não posso deixar escondido, acobertado pela mentira os males que vicejam na minha alma. Cada vez mais eles se fortaleceriam se isso acontecesse. Posso sofrer a vergonha de mim e o desprezo que os outros possam ter, mas a verdade irá mostrar o que eu pretendo ser e o que estou conseguindo ser. Ninguém será enganado.
O mais complicado é que essa espada afiadíssima em minhas mãos ainda inábeis podem fazer estragos na vida dos outros. Posso despertar raiva, sentimentos de rejeição, de vingança, por eu pretender ser uma pessoa que vai de encontro aos interesses e convicções de tantos outros. Mas eu sinto que esse amor incondicional exige que eu use essa espada afiadíssima, tudo bem devo ter cuidado com o seu manejo para não ferir tão profundamente almas que ainda estão imersas em plena ignorância do que Deus deseja para nossa comunidade, para alcançarmos o nível de Reino de Deus.
E para terminar, devo colocar bem claro que tudo que expressei aqui é fruto de minhas profundas convicções e que posso estar profundamente enganado. Mas enquanto estiver com a espada da Verdade tenho esperança de me livrar de todos os erros inconscientes que eu cometo, ao agir com tanto vigor na aplicação do Amor Incondicional da forma que eu o entendo.