Ontem fiz uma reflexão sobre os sofrimentos de Jesus, por ocasião da Sexta-Feira da paixão. Ao falar do sofrimento de Cristo, lembrei das marcas que ficaram em seu corpo, das chagas. Essas marcas podem até ser reproduzidas pela força da fé na forma de estigmas, como aconteceu com São Francisco.
Foi aí que passei a considerar com mais profundidade o porque do meu nome ter essa partícula: das Chagas. Não poderia ser a partícula “de Assis” que indicava com maior precisão quem era o santo que minha mãe se valeu para salvar a minha vida através de um milagre? Pois na condição de primeiro filho, minha cabeça ficou presa no canal de parto e como tudo era feito na residência, sem um conhecimento técnico aprofundado, as forças espirituais eram quem podiam nos socorrer. Como era o mês de outubro e a lembrança do Santo mais importante na cabeça das pessoas era São Francisco da cidade de Assis, daí a promessa e a oferta da minha vida se eu alcançasse a salvação. Trato feito, trato cumprido! Fui batizado como Francisco, mas acho que a espiritualidade que me assistiu no parto, nessa hora do registro interferiu. Ao invés de colocar “de Assis” que fazia referência apenas a uma cidade do interior da Itália, preferiu que me colocasse a partícula “das Chagas” que faz referência a identidade universal dos filhos de Deus, que passam pelo sofrimento em Seu nome e carregam no seu corpo e alma as chagas dos padecimentos, com tolerância e resignação.
Caiu a ficha! De repente todo o meu nome adquiriu o significado amplo da existência, do apelo dramático e emocional dos meus pais, à resposta compassiva e inteligente do mundo espiritual. Olhei para meu corpo para ver essas chagas que tão visíveis eram em São Francisco e das quais ele procurava sempre ocultar dos olhares curiosos. Mas não vi nada de significativo. Apenas um corte na superfície dorsal do meu pé direito, em decorrência de ter sido arrastado por uma cabra por cima de cacos de vidro; também na perna direita uma cicatriz na altura do joelho como marca de uma queda que sofri em sala de aula quando na infância corria sobre carteiras e devido a falta de luz do momento, era madrugada, eu estava na educação física, meu pé não encontrou a cadeira seguinte, mas minha perna encontro a quina da cadeira causando profundo corte. Não, no meu corpo não tem nenhuma chaga significativa ou emblemática da espiritualidade, apenas peraltices de criança.
Agora, ao examinar a alma, sim! Encontrei chagas, muitas chagas, e de forte conteúdo espiritual. Chagas pelo sofrimento que passei por ter a determinação de cumprir a vontade de Deus. Chagas que, apesar do tempo que possam ter sido criadas, ainda hoje estão abertas. De pessoas que amo profundamente e por não poder dar o meu amor com exclusividade a elas, chego a ser expulso, esbofeteado, enxotado de suas casas e de suas vidas de forma inclemente, radical. Todo o meu amor que eu demonstrava e que ainda sinto, e que jamais irá morrer, não é considerado, pelas forças do egoísmo, da ignorância da Lei de Deus.
São essas chagas que ninguém ver, mas que eu sinto espalhadas por minha alma. O único reflexo delas para o mundo material seriam as minhas lágrimas, mas assim como São Francisco procurava ocultar suas chagas com sua roupa comprida, procuro ocultar as minhas com o sorriso largo. Mas quando estou só eu deixo as lágrimas lavarem essas feridas, feridas que se renovam cada vez que vejo um filho que caminha sob o sol inclemente ou sob a chuva, mas recusa entrar no meu carro e pegar uma carona; de uma ex-companheira que não quer mais que eu vá a sua casa e não quer ouvir a minha voz; de uma mãe que teme por sua filha e desenvolve extrema agressividade; de tantas pessoas que por não me verem seguir a ordem cultural que o homem criou e também não percebem a Lei de Deus que meus passos acompanham, desenvolvem raivas, ódios e resistências que dentro de mim abrem as chagas, mas eles não percebem.
Sim, sou o Francisco das Chagas, tenho agora essa consciência mais lúcida, estou disposto a carregar minha cruz. A cruz que Deus me determinou dentro do cumprimento da missão que Ele colocou em minha consciência: aplicar o Amor Incondicional de forma ampla, geral e irrestrita, sem ter como obstáculo o padecimento dos outros, pelos preconceitos e pela ignorância da Lei, mesmo que isso me cause as chagas do sofrimento pessoal.
Hoje é um dia especial para o mundo cristão. Lembra o momento máximo dos sofrimentos de Cristo, o embaixador do amor que em nome do Pai veio para nos ensinar. E esta foi a sua lição mais dura, pra todos nós que beneficiados por suas lições e ações, julgamos, decidimos e protagonizamos essa barbárie contra Ele. Mas foi a força dessa lição que dividiu o mundo em antes e depois de Cristo; que nos deu o Evangelho, as Boas Novas, que até hoje cresce em importância e tende a cobrir todo o mundo com sua orientação; que nos deu a inspiração de sermos ao mesmo tempo ovelhas e pastores, discípulos e professores, sempre com a obrigação de aprender e ensinar sobre a importância do mundo espiritual e que Deus deixa cada um de nós com uma missão, por mais simples e insignificante que possa parecer.
Não me canso de assistir a dramatização da vida de Jesus, e não canso de derramar lágrimas nesse momento mais crítico de sua paixão, do seu julgamento, açoites, até o ápice da brutalidade da crucificação. E a Sua paciência, compreensão, tolerância, resignação, ternura... e AMOR por todos aqueles que faziam aquilo! Todas essas informações chegam ao cerne da minha alma, fazem uma revolução nos conhecimentos acadêmicos, religiosos e pressionam para um aperfeiçoamento da minha compreensão.
O que motivava a Cristo passar por tudo isso? Cumprir a vontade do Pai, na condição de filho muito amado, isto é, que o reconhece como Pai e tem condições morais de fazer a Sua vontade com o mínimo de interferência dos apelos da carne. Mesmo que Ele tenha passado por momentos difíceis, por saber com antecedência o que iria sofrer, que chegou a pedir o afastamento do cálice de tanto padecimento, mas logo recuperou a firmeza e disse com segurança: “mas que seja feita a Vossa vontade!”
Os sofrimentos identificam Jesus como o verdadeiro Messias. Ele havia ensinado de maneira clara que o Filho de Deus deveria sofrer muitas coisas e entrar na glória através do sofrimento. O Evangelho de Mateus chama bem a atenção para esse fato na história da paixão, de retratar Jesus como o cumprimento do Antigo Testamento:
- Jesus foi traído por seus amigos? Trata-se do cumprimento do Salmo 41.9: “Até o meu melhor amigo, em quem eu confiava e partilhava do meu pão, voltou-se contra mim.”
- Ele foi dolorosamente repudiado e oprimido? Trata-se do cumprimento de Isaias 53.3: “Foi desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de dores e experimentado no sofrimento.”
- Ele manteve um silêncio nobre diante de seus juízes? Foi em cumprimento de Isaías 53.7: “Como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como uma ovelha que diante de seus tosquiadores fica calada, ele não abriu a sua boca.”
- Ele foi esmurrado, açoitado, esbofeteado e cuspido? Foi em cumprimento de Isaías 50.6: “Ofereci minhas costas àqueles que me batiam, meu rosto àqueles que arrancavam minha barba; não escondi a face da zombaria e dos cuspes.”
Essas informações tão claras e verdadeiras impõem ao nosso raciocínio mecanicista e endurecido, a importância do mundo transcendental, de uma hierarquia de vida superior e eterna, mas enquadrada nas gradações de conhecimento e evolução moral que cada um possui. Mostra que quem sabe pode muito, mas quem ama pode mais; que o conhecimento e o sentimento devem andar de mãos dadas, orientados sempre pelo Amor; que o sofrimento é a carteira de identidade do Filho de Deus que cumpre a Sua vontade, pois neste mundo onde o mal ainda predomina, o mal que o egoísmo e ignorância patrocinam, só encontram resistência no amor incondicional, e em consequência passamos a ser alvo do sofrimento.
Temos a obrigação de seguir a principal Lei de Deus, amar ao próximo como a si mesmo, principalmente o próximo que está mais próximo, filhos, pais, companheiros, irmãos, amigos... mais ou menos nessa ordem.
Tive agora a percepção dessa obrigação com mais agudeza. O hábito que estou forçando em desenvolver e apresentar Deus para o próximo que está um pouco mais distante de mim, termina por deixar os parentes em segundo plano. Devo corrigir isso, pois os filhos, principalmente, são de minha obrigação direta, que Deus colocou sob minha responsabilidade. Então, mais do que a qualquer outro próximo, são a eles que devo apresentar Deus e a obrigação que tenho em segui-Lo como Criador e a Jesus como um de seus filhos muito amado, enviado para nos ensinar.
Não posso esquecer que meus filhos estão sempre em extremos perigos neste mundo que ainda é preponderantemente do maligno, do egoísmo que brota dos nossos corações. Posso chorar e lamentar quando perceber a mente e o coração de meus filhos sendo atacados, e isso me deixará mais culpado se eu negligenciar a responsabilidade que tenho como pai de preservá-los e libertá-los do mal. Não posso deixar meus filhos sem defesa! Não os gerei para o mundo onde o mal predomina para que Eles o enfrentem sem Deus. Vejo que se deixar isso acontecer, posso estar causando a cova espiritual deles.
Percebo agora com mais lucidez que o meu objetivo enquanto pai crente na paternidade de Deus para com toda a humanidade, como discípulo do Mestre Jesus, que é meu dever levar cada filho a conhecer, amar e ter um relacionamento profundo com o Mestre Jesus. Dessa maneira eles terão mais e melhor chance de serem discípulos do Mestre e assim conhecer e obedecer a Deus em profundidade.
Faço uma reflexão e vejo que tive até hoje a preocupação de matricular meus filhos nos melhores colégios que minhas posses permitiram, para que tivessem uma cultura e conhecimentos adequados. Desejo que eles tenham um lugar de proeminência neste mundo e não poupo nem esforço nem dinheiro para isto. Mas o que irão ganhar? Tudo neste mundo material é efêmero, tudo passa. Mas o nosso mundo espiritual é eterno e sempre obscurecerá o mundo material. Então, por que ser tão negligente nesse aspecto fundamental, eu que já tenho este conhecimento? E por ter o conhecimento aumenta minha responsabilidade frente aos filhos?
Não! Devo me levantar e tomar posição para batalhar por meus filhos e conquistá-los para o Cristo! O que eles conseguirão se juntarem riquezas, desfrutarem dos aplausos inconstantes das multidões, se forem honrados em suas habilidades, mas sacrificando um relacionamento verdadeiro com Deus? Conquistando coisas que se perdem com o vento ao custo de preciosidades eternas? Uma vida com Deus tem consequências tanto aqui neste mundo quanto na eternidade.
Recebi um e-mail hoje com esse título e como vivi 40 dias com essa filosofia na cabeça, inclusive tendo penetrado na imaginação em um deserto para ficar mais próximo das condições que Jesus enfrentou e que caracterizou o período. Interessante que fiz isso num momento crítico em que a desarmonia chegou ao meu lar através de pessoas que amo. Vi que a coisa estava tomando um caminho estranho e aproveitei que estava no tempo da Quaresma, para intuitivamente penetrar dentro dele sem saber tanto de seu significado. Portanto, considerei esse e-mail como mais uma mensagem que o Pai enviou para mim para que eu tivesse uma consciência mais profunda do que eu acabara de fazer.
“Quaresma é um tempo de oração, jejum e caridade; tempo forte de atenção aos necessitados, de fazer um sério discernimento da própria vida, confrontando-se de maneira especial com a palavra de Deus, que ilumina o itinerário cotidiano dos fiéis.”
Perfeito! Tudo que está descrito nesse trecho, eu cumpri, senti e segui fielmente, parece até que eu tinha lido antecipadamente o texto que estava tentando seguir os conselhos.
“É o tempo de arrependimento dos pecados, de mudar algo de nós para sermos melhores e poder viver mais próximos do Cristo; de fazer um esforço para recuperar o ritmo e estilo de verdadeiros filhos de Deus, como devemos viver. É o tempo de ajustar a vida, escutando e seguindo a vontade de Deus, orando, compartilhando com o próximo e praticando boas obras. É o tempo do perdão, da reconciliação fraterna, de retirar do coração o ódio, o rancor, a inveja, os preconceitos que se opõem ao amor a Deus e aos irmãos. É o tempo de aprender a conhecer e apreciar a cruz de Jesus, e com isto aprender também a tomar a nossa com alegria. É o tempo que Jesus passou no deserto antes de começar sua vida pública. É o tempo de se observar um espírito penitencial e de conversão. Tempo de abstinência daquilo que gostamos de fazer.”
Vejo que em âmbito geral, cumpri a maior parte dos princípios que norteiam a quaresma sem ter conhecimento de seu significado com uma maior profundidade. Isso me deixa gratificado por uma parte, por saber que eu tenho um nível satisfatório de espiritualidade. Mas por outro lado, isso coloca em meus ombros uma grande responsabilidade, pois os erros que eu antes cometia e era justificado pela ignorância, agora não tenho mais esse atenuante. Descobri que a origem do pecado que me atinge vem de dentro de mim mesmo que deverei estar sempre vigilante para aplicar os meus atos e os corrigir de imediato quando for necessário.
Enfim, fora do deserto! Não que tenha sido uma experiência torturante, pelo contrário. Foi uma experiência maravilhosa na qual consegui ter mais clareza no que Deus quer para mim. Foram 40 dias surpreendentes na minha vida, senti a presença de deus mais próxima de mim, sentimentos, emoções e pensamentos, surgiam em quantidade e intensidade como jamais. Reconheci em definitivo minha condição de criatura de Deus e como tal capacitado a ser nesta dimensão material, um dos instrumentos de Sua vontade.
Mas, apesar desses eventos surpreendentes e maravilhosos, devo viver em obediência humilde e completa à Sua vontade. Devo estar sempre atento à Sua Lei escrita na minha consciência, ter o cuidado de caminhar sempre orientado pela Ética e pela moral superior, dentro da principal regra do Amor Incondicional, amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a mim mesmo.
Também de alguns pecados fui advertido durante a estada no deserto, como deixar de expressar a vontade de Deus, os ensinos de Jesus, no meio onde me encontrava, simplesmente por motivos materiais, profanos. Foi um tipo de negação a Deus, como aquele que Pedro fez a Jesus. Recebi o perdão, pois Deus é magnânimo, tem a essência pura do Amor, mas recebi também uma severa advertência: “A negligência do dever é forte desvio da vontade do Criador, é suficiente para a perda da meta do caminhar. Deves ter muito cuidado!”
Entendi assim que o meu caminho não implica em ter a aprovação de todos ao redor, de ter prazer e risos de forma constante entre os presentes e participantes. Entendi que devo ser a testemunha e o instrumento da vontade de Deus, e assim, mesmo sendo veículo do amor, da tolerância e da compaixão, ainda despertarei raiva e até ódio em muitas pessoas que tiverem os seus interesses materiais contrariados. Essas pessoas e as suas cargas de ódio/raiva e as ações conseqüentes, serão a minha cruz.
Mas isso não deve ser motivo de desânimo e sim de motivação, pois me colocará num nível parecido com o de Jesus, que sendo o legítimo representante da vontade do Pai, como foi reconhecido por ser o Seu filho muito amado Ele tinha a capacidade de ensinar e aplicar o Amor em toda profundidade necessária ao nosso entendimento, mesmo assim despertou tanto ódio ao seu redor que o levou a crucificação de forma tão bárbara, sob os apupos daqueles que há poucos dias o havia aclamado como Rei e filho de Deus.
Não, não deverei temer a minha cruz, e sim pedir orientação e auxílio ao Mestre, a cada momento que minhas forças fracassarem e me façam cair ao longo da caminhada, que eu tenha energia para me levantar e com obediência e humildade continuar seguindo a vontade de Deus.