Sióstio de Lapa
Pensamentos e Sentimentos
Meu Diário
24/09/2014 05h00
AH, SE EU FOSSE MULHER!

            Aproveito hoje o desejo que expressei ontem, de ter a oportunidade enquanto mulher de apresentar como seria um comportamento como companheira do homem dentro das perspectivas exigidas pela lei do Amor na construção do Reino de Deus.

            Se eu fosse mulher iria ser a companheira do homem que fizesse vibrar com intensidade as fibras do meu coração, que eu sentisse o fogo intenso da paixão e depois a serenidade da luz plena e eterna do amor. Iríamos conviver enquanto quiséssemos.

            Se eu fosse mulher iria amar ao meu companheiro assim como eu amo a mim mesmo, e quando ele se envolvesse afetivamente com outras mulheres, pois assim pediu o seu coração em comum sintonia com a outra pessoa, eu iria sentir felicidade com a felicidade que o meu companheiro iria expressar, pois assim eu desejaria que acontecesse comigo. Também iria considerar a outra pessoa que fez disparar com afeto o coração do meu companheiro, como uma irmã muito mais próxima de mim do que minhas irmãs biológicas. Iria ensiná-las a resistir as pressões preconceituosas do meio externo e a entender as pressões instintivas do meio interno, das pulsões biológicas de natureza egoísta.

            Se eu fosse mulher iria receber o meu amado companheiro sempre com um riso no rosto e o amor expresso no olhar, mesmo sabendo que ele estava vindo dos braços de outra pessoa, homem ou mulher, que Deus permitiu que agissem como amantes, que tivessem os prazeres biológicos que os corpos de ambos pudessem patrocinar. Se por acaso o cansaço físico ou descargas fisiológicas impedissem que ele proporcionasse o mesmo prazer para mim, iria entender o seu grau de desgaste e o acolher dentro do meu regaço sem nenhum tipo de cobrança.

            Se eu fosse mulher iria amar os filhos do meu companheiro com outras mulheres, quer fossem voluntária ou involuntariamente gerados, com o mesmo carinho que amaria os meus próprios filhos. Com quantas mulheres ele se envolvesse, com quantas eu teria esse mesmo carinho que tenho por ele, pois entenderia que assim pediria o seu coração. Eu seria a ponte de união dele com todas. Eu seria de todas a irmã mais fraterna, a conselheira, a acolhedora, a compreensiva e até a tolerante para aquela que por ignorância quisesse me atingir ou desequilibrar.

            Se eu fosse mulher eu saberia tolerar as ausências do meu amado companheiro, por quantos dias fossem necessários para ele, mesmo que estivesse envolvido nos braços afetuosos de outras mulheres (ou homens se assim fosse sua preferência). Saberia que esse envolvimento obedecia a lei do Amor Incondicional, que mesmo sendo tocado em algum momento pela força do amor romântico, carregado de egoísmo, jamais irá deixar de ser a prioridade dentro do campo afetivo; saberia que até mesmo o apelo sexual estaria subordinado ao Amor Incondicional, que só poderia ser realizado se fosse conveniente e construtivo para ambos os envolvidos e atendesse a lei do Amor; saberia que terceiros, como eu, não teria o direito de impedir tão divino relacionamento, pelo contrário, deveria ser a guardiã para que esse relacionamento se desenvolvesse dentro da mais perfeita harmonia no seio da comunidade.   

            Se eu fosse mulher e tivesse a necessidade fisiológica e emocional de afetos que o meu companheiro por qualquer motivo não pudesse me oferecer, saberia me envolver com outros homens que tivessem as características também de obedecer ao Amor Incondicional. Saberia aprofundar esse relacionamento até onde fosse necessário e conveniente, inclusive com a intimidade sexual, inclusive com a possibilidade de também gerar filhos, sem qualquer culpa ou mentira, pois saberia que o meu companheiro tudo aprovaria.

            Ah, se eu fosse mulher! Acredito que construiria com muito maior eficácia que o meu companheiro, homem, essa família universal que será necessária para a formação do Reino de Deus que o Cristo nos ensinou como fazer e que já está próximo.

Publicado por Sióstio de Lapa
em 24/09/2014 às 05h00
 
23/09/2014 23h59
APOSTOLADO FEMININO

            Quando ficamos à serviço do Pai não cabe em nossas ações preconceitos de qualquer tipo. Devemos seguir a vontade de Deus respeitando a condição de ente da Natureza na qual Ele nos colocou. E dentro da Natureza, cada ser vivo, especialmente os humanos, têm um papel individual, único, que não deve ser manietado por quaisquer conveniências externas, de terceiros que também têm seus deveres, sem por isso ter o direito de atrapalhar o dever ou missão de ninguém para implementar o seu.

            No contexto humano, as mulheres por ser o lado físico mais fraco, sofreram e ainda sofrem uma série de restrições às suas liberdades, na forma de preconceitos, leis e normas culturais. No tempo de Jesus isso era mais pronunciado. No próprio campo religioso as mulheres não podiam se manifestar e muito menos se destacar. Jesus foi o primeiro a quebrar correntes culturais que aprisionavam as mulheres. Permitiu que caminhassem com Ele ou que o ajudassem dentro de suas possibilidades, inclusive a financeira. Podemos listar algumas dessas mulheres como Maria chamada Madalena da qual saíra sete demônios; Joana mulher de Cuza, procurador de Herodes; Marta e Maria, irmãs de Lázaro; Suzana e muitas outras. Todas tiveram um papel importante na divulgação do Reino de Deus e nos ensinamentos do Amor Incondicional.

            Hoje, 2000 anos depois desses ensinamentos, eu estou aqui na condição de Seu discípulo. E querendo seguir os seus passos. É desejo de todo Mestre que o discípulo atinja a competência máxima de suas lições, e até chegue a superá-lo. Sei que não tenho a bagagem espiritual para superar o Mestre, pois isso depende de séculos de evolução que o Cristo já percorreu na minha frente, mas posso me esforçar para chegar perto dEle, indo até o limite das minhas forças.

            A minha missão agora é de tentar fazer a construção do Reino de Deus, agir focado nesse objetivo que já está devidamente ensinado. Também desta vez as mulheres têm um papel importante na construção da família ampliada como protótipo da família universal. Também desta vez os preconceitos impedem a liberdade das mulheres como seres ativos, protagonistas da construção da sociedade solidária, fraterna, mas que se contrapõe à cultura estabelecida, onde a mulher continua a ser vista como um objeto de prazer ou um ser subserviente. Além dos instintos biológicos que privilegiam atitudes egoístas, existem os preconceitos incorporados como valores invariáveis, que até mesmo agridem aqueles que têm vontade de se contrapor a essas barreiras, reconhecendo a verdade que existe na construção desse Reino de Deus.

            Mas sigo os passos do Mestre, acolho dentro do meu projeto de vida todas as mulheres que o Pai envia para mim, com suas mais diversas características. A senha para reconhecer que esse envio foi feito, que essa pessoa pode construir também nesse projeto, é quando o coração dispara uma onda de afeto que extrapola o simples dever de agir como um irmão para com o próximo.

Vejo que nesse novo apostolado feminino as mulheres continuam sendo as mais atingidas, tanto pelos preconceitos externos quanto pelos instintos internos. Toda essa pressão exerce um efeito considerável sobre a intenção de ser uma das construtoras desse reino de solidariedade, longe do egoísmo animal, perto da fraternidade angelical. Até hoje, mesmo tendo conhecido e me envolvido com tantas mulheres que o Pai me enviou, não encontrei ainda aquela tão sintonizada com esse projeto de Reino de Deus, com a consciência tão clara da necessidade da construção da família universal, quanto eu. Chego até mesmo a pensar de forma solidária e educativa quanto as dificuldades que elas apresentam, para assim ensinar como deveria ser: ah, se eu fosse mulher! 

Publicado por Sióstio de Lapa
em 23/09/2014 às 23h59
 
22/09/2014 00h01
TRANSMUTAÇÃO DE GÊNERO

            É ainda sobre o relato do Major Jasão, em consequências da unção que Maria fez em Jesus, citado no livro de J. J. Benítez, “Operação Cavalo de Tróia”, que me surge outra reflexão sobre o papel das mulheres na minha vida. Diz assim o relato na íntegra:

            “Estava já próxima a vigília do domingo quando alguns dos fariseus, até então recolhidos a um prudente silêncio, dirigiram-se a Jesus e, mesmo fazendo abstração do preço do perfume em si, recriminaram-no por haver consentido em que aquela mulher violasse as sagradas leis do descanso sabático. Pelo que entendi, uma das normas estabelecia que uma mulher “não podia sair de casa com uma agulha apta para coser, nem com um anel que tivesse selo, nem com um gorro em forma de caracol, nem com um frasco de perfume”. Se infringisse esse código, ficaria obrigada a pagar e oferecer um sacrifício, para compensar seu pecado.

            Jesus observava, divertido, os sacerdotes.

            - Dizei-me – perguntou-lhes – de onde vindes?

            - De Jerusalém – afirmaram.

            - E como é possível que condeneis uma mulher que caminhou menos de um estádio, enquanto vós mais de quinze?

            Recordei, então, que os hebreus recorriam a um ardil para poder ultrapassar os dois mil côvados, ou um quilômetro, que era o trajeto máximo permitido nos sábados. Jesus sabia que, embora o povo simples pusesse em prática o erub, aos “santos” ou “separados”, presumidos como eram da extrema pureza de sua conduta, não se poderia tolerar que o fizessem. Entretanto, era notório que eles próprios não hesitavam em infringir as leis quando estava em jogo uma boa comilança.

            Os fariseus agitaram-se, inquietos. Mas o Mestre não estava disposto a conceder-lhes trégua. A quase totalidade dos cinco mil membros das comunidades ou irmandades de fariseus de Israel, era constituída de comerciantes, artesãos ou camponeses que careciam da sólida formação dos escribas, mas que, graças à sua rígida observância das normas de pureza e da paga do dízimo, haviam-se elevado acima dos ammê ha’-ares, ou a grande massa dos povos de Israel. Essa vaidade e dureza de coração era algo que o rabi não suportava. E não tardou que o proclamasse em seus próprios narizes, para regozijo dos que temiam a ira dos que se autoproclamavam “o partido do povo”.

            - Ai de vós, fariseus! Lançou-lhes Jesus corajosamente. Sois como um cão num estábulo: nem come nem deixa comerem os bois.

            - Quem és tu – replicaram os representantes de Caifás com seu ar de suficiência – para ensinar-nos onde está a Verdade?

            - Para que saístes a campo? – arrematou o Nazareno -. Para verdes talvez uma cana agitada pelo vento?... Para verdes um homem com vestes delicadas? Vossos reis e vossos grandes personagens – vós mesmos – cobri-vos de vestes de seda e púrpura, mas eu vos digo que não podeis conhecer a Verdade.

            - Vinte e quatro profetas falaram em Israel e nós seguimos o seu exemplo...

            Os comensais voltaram-se para Jesus. Mas o Galileu continuava imperturbável. Seu domínio da situação havia crispado o ânimo dos fariseus.

- Vós falais dos que estão mortos e rechaçais aquele que está entre vós...

E, voltando seu olhar para mim, acrescentou:

- Não sabeis escrutar este tempo.

Uma onda de sangue subiu-me do ventre à face.

Os fariseus optaram por levantar-se, renunciando a continuar com aquela batalha dialética e, entre expressivas mostras de indignação, lavaram as mãos em suas bacias. Mas Jesus não havia terminado. E, antes que pudessem abandonar a discussão, disparou:

- Ai de vós, fariseus! Lavais o exterior da taça sem compreender que quem fez o exterior fez também o interior...

Começava a ficar bem claro para mim porque as castas de sacerdotes, escribas e fariseus haviam-se conjurado para prender e dar morte àquele Homem.

A borrascosa ceia culminou, praticamente, com a saída dos sacerdotes. Quando os convidados já se despediam do anfitrião, Pedro aproximou-se de Jesus e, com ar conciliador, propôs-lhe que Maria fosse apartada do grupo, “já que as mulheres – comentou – não são dignas da vida”. O Nazareno deve ter ficado tão perplexo quanto eu. E no mesmo tom respondeu ao impulsivo discípulo:

- Eu a guiarei para fazê-la homem, para que ela se transforme também em espírito vivente, semelhante a vós, homens. Porque toda a mulher que se faça homem entrará no Reino dos Céus.”

Toda essa disputa intelectual de Jesus contra os preconceitos e a hipocrisia foi empolgante para o meu espírito, mas esse trecho final foi esclarecedor para mim. Fez-me lembrar do passado quando eu saia para passear com minha filha caçula gerada fora do casamento e a minha esposa insistia para que eu fosse passear só com a menina e não levasse também a sua mãe. Eu não conseguia fazer isso, pois a qualidade do meu Amor não permitia. Se a minha filha gosta da companhia da mãe e eu também, que justiça é essa que pede para que não saiamos juntos? Esse talvez tenha sido mais um motivo para o ódio contido que ela alimentou contra mim durante os anos de nossa convivência. Eu não tinha a sabedoria para explicar a justiça de meus atos, como Jesus fez com os fariseus, mas tinha a intuição dada pelo coração do que eu devia fazer, e eu fazia. Jamais neguei a minha filha ou a sua mãe. Mesmo que eu tenha me relacionado de forma clandestina com a mãe da minha filha antes dela nascer, mas estava pronto para assumir o envolvimento desde que eu fosse provocado, mesmo não querendo sair do convívio da minha esposa, como deixava isso claro em todos os contatos e relacionamento que eu desenvolvia. E com o nascimento dela eu de pronto a assumi como pai e informei a minha esposa do que havia sucedido.

É essa mesma força que me leva a agir na atualidade de forma ampla na expressão do Amor, de desenvolvê-lo de forma inclusiva, de deixar entrar todas pessoas que o Pai me apresenta com suas respectivas características, as mais diversas possíveis, mas todas com obediência severa ao Amor Incondicional e não ao amor romântico ou condicional a qualquer circunstância.

Vejo bem o que Jesus queria dizer ao responder para Pedro que guiaria a mulher para fazê-la homem, para que ela se transforme também num ser vivente como um homem, pois fazendo assim ela entrará no Reino dos Céus.

A minha missão também é de dar o mesmo direito que eu tenho como homem à mulher. Do mesmo modo que eu devo amar de forma ampla, geral e irrestrita, obedecendo acima de tudo a Lei do Amor para ser um cidadão do Reino de Deus, assim também a mulher tem o mesmo direito que eu, de ser uma cidadã do Reino de Deus. Haverá uma transmutação de gênero, do feminino cheio de limitações e preconceitos ao masculino com ampla liberdade e compromisso de respeitar Lei do Amor em todas as circunstâncias.

Publicado por Sióstio de Lapa
em 22/09/2014 às 00h01
 
21/09/2014 10h23
ÓDIO CONTIDO

            Ao ler um trecho do livro de J.J.Benítez, “Operação Cavalo de Tróia”, logo eu me lembrei do início de uma rusga que observei entre minhas companheiras, e que relatei ontem.

            O trecho que li era referente a ceia que acontecia na casa de Simão, onde Maria, irmã mais jovem de Lázaro, fez a unção de Jesus com um óleo caríssimo. Como esse trecho eu considero de grande importância para a minha melhor compreensão de como se forma o ódio no coração, da personalidade de Jesus ao enfrentar os problemas, e de suas lições aonde se encontrava, irei reproduzi-lo aqui na íntegra. O relato é do Major Jasão, codinome do oficial da Força Aérea Americana que viajou no tempo, de nossa época para a época de Jesus, para ser testemunha dos fatos citados nos Evangelhos e comprovar a sua veracidade. O trecho é o seguinte:

            “Creio que todos, ou quase todos os presentes, distraídos com a música e a agradável tertúlia, tardamos alguns minutos a reparar naquela donzela que, deixando o grupo das mulheres, havia-se ajoelhado às costas de Jesus. Era Maria...

            Uma como que lategada dentro de mim pôs-me de sobreaviso. Estava a ponto de assistir à cena da unção. Sem poder evitá-lo, levantei-me e, ante a estranheza de Lázaro, esgueirei-me detrás da mesa e coloquei-me em um dos cantos do U, a poucos metros dos convidados de honra.

            Gradualmente, os comensais foram fazendo silêncio, atônitos diante do que estava sucedendo. A irmã mais nova, no seu habitual mutismo, havia aberto uma botelha de uns trinta centímetros de altura, de forma afuselada. Era feita de um material muito translúcido (depois soube que se tratava de alabastro oriental).

            Ante o olhar complacente de Jesus, a adolescente verteu boa parte do conteúdo sobre os cabelos do Mestre. Um líquido de cor conhaque foi impregnando, lenta e docemente, a cabeleira acastanhada do rabi, enquanto um aroma penetrante foi inundando o recinto. Maria cerrou o frasco e, após depositá-lo entre as pernas, começou a espalhar o perfume entre os sedosos cabelos do Galileu. Aquela unção foi feita com tanta simplicidade e amor, que os olhos do gigante (falava assim, pois Jesus era muito alto comparado aos outros) ficaram úmidos.

            Concluída a operação, Maria voltou a abrir a jarra e esvaziou a essência de nardo sobre os pés desnudos do Mestre. Ungiu-lhe os tornozelos, calcanhares e dedos e, em seguida, proporcionou a Jesus suaves e prolongadas massagens, até que o líquido ficasse perfeitamente espalhado.

            A essa altura da unção, alguns dos comensais haviam começado a murmurar entre si, lamentando aquele desperdício. Num dos extremos da mesa, vários discípulos, entre os quais se destacava Judas Iscariotes, por seus exagerados ademanes e exclamações em alto tom, apoiavam com seus mexericos os convidados que se mostravam abertamente desgostosos com o gesto da jovem.

            Nem a jovem nem Jesus se deixaram afetar pelos cochichos. Ao contrário, a belíssima irmã de Lázaro, que havia adornado as unhas com um pó vermelho-amarelado, deitou a cabeça para trás e, passando as mãos pela nuca, inclinou-se sobre os pés do Mestre, até deixá-los secos e brilhantes.

            Os comentários, desgraçadamente, foram-se azedando. Mesmo Judas, com manifesta indignação, acercou-se de André, o irmão de Pedro, e perguntou-lhe de forma que todos pudessem ouvi-lo:

            - Por que não se vendeu esse perfume e doou-se o dinheiro para alimentar os pobres? Deves dizer ao Mestre que a repreenda por esta perda...

            Maria, assustada pelo rumo que o acontecimento havia tomado, tentou levantar-se, mas Jesus deteve-a. E, colocando a mão esquerda sobre a cabeça da jovem, dirigiu-se aos presentes com voz pausada e firme:

            - Deixai-a em paz todos vós!... Por que a molestais por isto, se ela fez o que lhe saía do coração? A vós que murmurais e dizeis que este unguento deveria ter sido vendido em benefício dos pobres, deixar-me dizer-vos que sempre tereis os pobres convosco para que possais atendê-los em qualquer momento que vos pareça bem... Mas eu nem sempre estarei convosco. Cedo estarei com meu Pai!

            A seguir, fixando a sua vista – a que não parecia escapar nem o voluteio das chamas das candeias – nos olhos de Judas Iscariotes, retomou a palavra com tom ainda mais enérgico:

            - Esta mulher guardou por muito tempo esse unguento para meu corpo, no seu sepultamento. E agora que lhe pareceu bem fazer a unção, como antecipação à minha morte, não se lhe deve negar tal satisfação. Ao fazer isto, Maria vos reprovou a todos, enquanto com este feito evidencia fé no que eu disse sobre minha morte e ascensão ao meu Pai do céu. Esta mulher não deve ser condenada pelo que fez esta noite. Mas a vós todos digo que nos tempos vindouros, onde quer que se pregue este Evangelho, por todo o mundo, o que ela fez será referido em sua memória.

            Maria desapareceu do pátio e eu voltei para o meu lugar. Lázaro parecia entristecido. Tanto ele como Marta sabiam que Maria havia poupado durante muito tempo para comprar o custoso perfume. Aquela família, ao contrário do que se vinha observando entre os próprios discípulos, havia penetrado a fundo o problema, e intuído que esta podia ser a última Páscoa de Jesus.

            Os murmúrios decresceram, se bem que alguns dos discípulos continuassem a comentar o sucedido com movimentos negativos de cabeça, em sinal de desacordo. Judas Iscariotes havia caído em um impenetrável silêncio. Seus olhos assustavam-me. Destilavam um ódio surdo e contido. Era visível que havia tomado aquelas palavras de Jesus como reproche pessoal e, sem dúvida, havia-se sentido ridicularizado diante de toda aquela gente. Em minha opinião, foi a partir desse incidente que o traidor começou a tramar sua vingança contra o Mestre. Duvido muito que Judas já tivesse pensado até aquele momento, na entrega do Mestre aos membros do Sinédrio. Isso nem teria sentido, já que a própria polícia do templo havia recebido ordens concretas de prendê-lo. Não obstante, seu espírito vingativo viu aberto o caminho para humilhar Cristo e obter uma reparação.”

            Aí está um momento importante da vida do Cristo. Ele enfrentou com firmeza os murmúrios de todos, inclusive dos seus companheiros, os próprios discípulos. Defendeu uma ação feita com Amor frente aos preconceitos de caridade, defendeu que se pode sim, gastar dinheiro com a expressão do amor, mesmo que pareça um desperdício frente à miséria do mundo. Intui nessa lição de Jesus, que todos aqueles que expressam o Amor nas suas diversas formas, quer gastando o dinheiro que economizou ou fazendo um trabalho que sabe realizar, estão cumprindo a vontade do Pai e pertencem automaticamente à família universal. Enquanto isso todos aqueles que se colocam em posição contrária, com todos os tipos de argumentos preconceituosos ou legais, se afastam dessa família universal, espiritual, mesmo que sejam companheiros, mesmo que sejam parentes, que tenham o mesmo sangue. Maria naquele momento ficou bem perto do coração do Pai e automaticamente do coração de Jesus, ao passo que todos os outros, inclusive seus discípulos, ficaram distantes. Tem também o caso de crítico de Judas. Não reconhece a verdade que o Mestre ensina e se acabrunha com a repreensão. Não tem a humildade de reconhecer o seu erro e quer ir à revanche com o seu Mestre. Como bem interpretou o Major Jasão, deve ter sido aí que ele acumulou tamanho ódio que planejou aproveitar a primeira oportunidade para ir à desforra. Eu sei que Jesus também percebeu aquele olhar de ódio contido que o Major identificou, mas Ele não fez nada quanto a isso. Não chegou perto de Judas e tentou lhe explica com detalhes qual era o objetivo de sua missão, porque Ele fazia tudo para ensinar o Amor, e o que era esse Amor. Por que será que Ele não fez isso? Será que sabia que não iria adiantar de nada? Que esse tipo de ódio só se conserta com o sacrifício da própria vítima? Que Judas só iria ser atingido no coração ao ver o Mestre ferido por suas ações, e se arrepender do que fez, como aconteceu?

            Meu Deus! Será que acontecerá o mesmo comigo? Só alcançarei o coração das mulheres que se sentem feridas pelo meu modo de agir, que acumulam ódio contido em seus corações, quando eu for alcançado pela dor e vergonha promovido por elas? Quando elas sentirem o arrependimento pelo mal que possam ter me causado?

            Meu Deus! Parece que assim será, pois não canso de explicar de todas as formas, de dar exemplos práticos e teóricos do Amor que preenche o meu coração e não tem nenhum resultado. Algumas não querem nem ouvir, e quem ouve não consegue fazer a sintonia com o seu coração, não mudam os sentimentos rancorosos e vingativos.

            Mas farei como Jesus fez, não cansarei de Amar da forma que Ele ensinou, mesmo sofrendo as consequências do mal que viceja ao meu lado, mesmo sabendo que o meu sangue e as minhas lágrimas serão as únicas formas de lavar tanta sujeira na alma de tantas quantas se sintam, como Judas, injustiçadas e ridicularizadas. Se o arrependimento do mal que elas tenham que me causar é o preço que tenho que pagar, que assim seja. Afinal de contas, esses são os passos de Jesus.

Publicado por Sióstio de Lapa
em 21/09/2014 às 10h23
 
20/09/2014 23h59
LIMPEZA DO CORAÇÃO

            Observei uma rusga entre minhas companheiras, antes de chegar a nossa reunião rotineira das sextas feiras, neste último dia 19-09-14.

            A rusga foi a seguinte: iniciou por um comentário que fiz quando já nos dirigíamos para o local da reunião, que devia comparecer um homem na minha sala na qual reúno com os dependentes químicos. Esse homem não é dependente químico, dizia eu, mas sofre de uma dependência afetiva com relação a esposa. Essa declarou que não está satisfeita com o casamento, sem apresentar nenhum outro motivo a não ser essa insatisfação íntima. Apesar dos dois filhos que ambos possuem, ela está disposta a terminar o casamento e cada um viver a sua vida. Esse homem mostrou a forte relação de dependência afetiva que tem com a esposa e caiu em depressão sendo necessário ir à psicoterapia com psicólogo e daí ele me encaminhar, pois na condição de psiquiatra eu poderia ajudar com a prescrição de medicamentos. Foi então que eu, percebendo o seu grau de dependência, o convidei para participar de nossa reunião. Expliquei que o foco da reunião era sobre dependência química, mas como ele apresenta também um tipo de dependência podia ser muito útil a sua participação. Ele se mostrou interessado e disse que iria comparecer. Por isso fiz o comentário às minhas companheiras.

            A partir daí ela passaram a fazer comentários sobre a melhor forma de convivência, que cada pessoa tinha o direito de escolher a vida que queria viver, sem ser obrigado a conviver com ninguém. Eu sentia nessa linha de argumentação uma defesa da esposa do homem e que ele estava certo ao procurar uma ajuda para sair de forma fraterna daquela angústia em que tinha se colocado. Minhas companheiras reforçaram que era difícil realmente a convivência na relação conjugal, sempre aconteciam motivos para se instalar o conflito no casal. Nesse momento eu reforcei o pensamento delas com o exemplo com a minha segunda esposa. Havíamos entrado em conflito na forma de amar, eu de forma inclusiva, um casamento aberto; ela de forma exclusiva, um casamento fechado. Como não queríamos nos separar e achávamos boa a convivência um ao lado do outro, fizemos um acordo de viver como amigos, sem sexo e com determinado horário de eu voltar para casa, com um dia onde eu dormiria fora do lar. Tentamos cumprir esse acordo com muita dificuldade durante oito anos, até que um dia ela explodiu em ódio e me expulsou de casa para nunca mais voltar, para nem mesmo dirigir a palavra para ela. Se pudesse evitava até o meu contato com seus amigos, com seus parentes e até com o nosso filho. Tentei mostrar assim as minhas companheiras do momento o meu esforço para manter uma convivência com base no amor, mesmo que não tivesse o forte apelo sexual.

            Mas a minha primeira esposa, que hoje é minha companheira fraterna, que me acompanha solidariamente em todas as atividades, sem nenhum apelo para a vida sexual, passou a falar de sua experiência como um estilo de vida a ser respeitado por todos. E ao falar da sua forma rígida de pensar, que coincide com a forma de pensar da minha segunda esposa, dizia que a forma que eu quero viver nenhuma mulher aceita, que nenhuma é honesta quando diz que é possível se viver assim, pois na minha frente defendem a ideia e quando eu não estou presente é mais uma a me atacar quanto a forma de pensar e, principalmente, atacar aquelas que se aproximam de mim depois delas. Este foi um ataque direto a outra minha companheira que já estava mostrando solidariedade a minha forma de pensar com relação a minha segunda esposa. A partir desse momento os ânimos de ambas ficaram exaltados e só parou a rusga porque já estávamos entrando no ambiente fraterno da reunião.

            Foi aí que eu percebi mais uma vez o efeito do ressentimento que se instalou no coração da minha primeira esposa, desde o dia que ela me expulsou de casa e eu não mais voltei. Ela sempre aproveita uma ocasião para tentar me expor de forma negativa, que a minha forma de amar é destrutiva e desrespeitosa para as mulheres. Eu que sempre vivi sintonizado com o Amor e por esse motivo me envolvi com tantas pessoas que despertavam em mim o afeto, passava agora a ser vitima de uma espécie de amor diferente, um amor carregado de apego, de exclusivismo, de intolerância, de revanchismo. Vi que até hoje, com todo o exercício do Amor que eu prego, procurando seguir as lições do Cristo e bem explicado por Paulo na sua carta aos coríntios, ainda existem fortes chamas de ódio que ficou contido, mas não destruído dentro do coração dela.

            Como fazer para limpar o coração da distorção do Amor que o faz se transformar em condicional? Eu tenho que aprender essa lição! Por que eu fiquei livre desse amor condicional, que respeito acima de tudo o Amor Incondicional como expressão do próprio Deus, e os meus irmãos não conseguem? Será que eu sou o único errado nessa história? Se todos pensam como todos, será que eu que penso como ninguém não estarei errado? Ninguém, vírgula, pois eu penso como Jesus, como Paulo, como tantos outros que seguiram os passos deles. Sei que nosso coração humano está contaminado com milhões de anos de vida animal, lutando pela sobrevivência nas selvas e pradarias, sobre as árvores ou dentro de cavernas... Hoje que moramos em casas modernas, apartamentos luxuosos, com todo o conforto da tecnologia, ainda não limpamos o coração da “sujeira” do egoísmo animal que impede a formação do Reino de Deus. Sei que não sou perfeito, que sou cheio de defeitos, e isso impede de ser uma boa ferramenta para os propósitos de Deus. Mas quanto a forma de amar, de reconhecer o Amor verdadeiro que flui do coração do Pai para todos os seus filhos, isso eu acredito que tenha alcançado uma boa compreensão. Mas como ajudar aos meus irmãos, de preferência aos mais próximos, as minhas companheiras principalmente? Como fazer a limpeza do coração? 

Publicado por Sióstio de Lapa
em 20/09/2014 às 23h59
Página 741 de 939