A cena se desloca para Paris, 1902. Bronstein, agora usando o nome de Trótski, discursa numa reunião de intelectuais, em um café.
- T. Enquanto a Europa só fala, a Rússia anseia por ação. Eu viajei 8.500 quilômetros em vagões de carga pra chegar aqui, na Europa, para preparar a revolução, e o que vejo? O pensamento revolucionário fede a strudel de maça. “Iskra” escreve as mesmas coisas há um ano. Sonhos de uma teoria da revolução insensível na maior parte da Europa. Vocês parecem estudantes que criam o fantasma da revolução e acreditam que ele virá. Isso é inédito.
A plateia se manifesta com murmúrios de: - Boa ideia!; - Ele fala a verdade.
- T. A Rússia, não a Europa, está vendo um contraste gritante entre a riqueza dos ricos e a pobreza dos pobres. O país tem milhões de pessoas furiosas e insatisfeitas, e a Rússia precisa de uma revolução agora, ou as autoridades declararão outra guerra contra a Europa e botarão a culpa nela.
- Plekhanov, pessoa da plateia. Como assim? Uma revolução só é possível em países industriais. Na Europa.
- T. Que bobagem! A Europa com seu povo calmo e satisfeito, não pode liderar a revolução. Portanto, será sempre liderada por outros.
- P. A Rússia é um país atrasado!
- T. Sim. É um país atrasado, incrustado, que bebe e queima na sua própria raiva, mas é uma potência. É uma força, como a força das marés. Estou dizendo para pegarmos essa força, domá-la, armá-la, e ela destruirá o que estiver no seu caminho!
- P. Bravo. Isso é muito divertido. Sua ingenuidade só é superada pela sua tolice. Adeus, criança com a camisa da Rússia.
- T. Cuide-se, Plekhanov! Está sentado tempo demais neste café.
Observamos duas estratégias em confronto para se realizar a revolução russa. A posição de Trótski, mais pragmática, de trabalho corpo-a-corpo com o povo da Rússia, e motivá-lo para pegar as armas. A outra estratégia sob o comando de Lenin, que espera uma oportunidade política, uma transformação do pensamento dirigente para impulsionar a revolução.
Todos estão se retirando, uma primeira pessoa da plateia, bem relacionada, se aproxima de Trótski.
- PP. Companheiro Trótski, permita que me apresente...
Trótski não dá consideração e se afasta em direção a saída. Antes de sair para numa mesa de pães e procura dinheiro para comprar.
Uma segunda pessoa o aborda durante a tentativa da compra dos pães:
- SP. Eu concordo. O proletariado, sem orientação, só pensará nas demandas econômicas. Entre liberdade e pão, sempre escolhem pão. Por favor...
Retira o dinheiro do bolso e paga os pães. Estende a mão e se identifica.
- P. Lenin.
- T. Sei quem você é. Se concorda comigo, por que não me apoiou?
- L. Ele é um figurão do partido. Discutir com ele prejudicaria o movimento. E você, com esse seu jeito, vai durar pouco.
- T. Deveria ser mais contido como você? Creio que não me perdoarão.
- L. Quem?
- T. O povo.
- L. Se importa com o povo?
- T. E você?
- L. Quero mudar o mundo. O que o povo tem a ver com isso? O povo é um instrumento.
- T. Nas suas mãos?
- L, E nas suas. E nosso trabalho é fazer com que eles queiram a revolução. E não pão.
- T. Como? Se você concorda com Plekhanov?
- L. Georgy é apenas um homem.
- T. Quer dizer, um instrumento.
- L. Você aprende rápido. Volte outro dia. Informalmente, como amigo.
- T. Não somos amigos.
- L. Bem... nós compartilhamos o pão.
Entrega o saco de pães que havia nas mãos de Trótski, e sai sem mais palavras. Trótski também sai sem outras palavras.
Esse gesto de Lenin deve ter ficado gravado na mente de Trótski, como as lições que ele recebeu de Trótsky. O gesto de doar alguma coisa a alguém para fazer uma espécie de laço afetivo, de gratidão. O gesto de doar o relógio ao soldado durante sua preleção à tropa, teve esse significado ampliado, causando efeito afetivo tanto em quem recebeu o presente, como em quem se observava e se colocava empaticamente na pele de quem fora presenteado. Essa lição foi muito bem aplicada no Brasil, com diversas formas de doação como as diversas bolsas, cotas, investimentos, contratos, muito deles e talvez todos com o carimbo do suborno, para nenhum dos beneficiados observarem o prejuízo que estava sendo causado à nação. Este efeito perdura até hoje, e o novo governo que iniciará na próxima semana, enfrenta toda essa onda de beneficiados que lutam para não perder as suas mordomias, mesmo que isso destrua o país. Que importa? Mais importante ter recursos suficiente para encher a família de mordomias e viajarem quando bem quiserem para usufruir dos seus “direitos inalienáveis”. O povo que se exploda!
Para uma melhor compreensão sobre Trótsky e entendimento das ações que se passam na série da Netflix, irei reproduzir um artigo publicado na revista Superinteressante por Leonardo Pujol em 17-10-2017.
Quem foi Leon Trotsky?
Para uns, ele foi o herói da odisseia Bolchevique. Para outros, um revolucionário violento e cruel.
Nos arredores da cidade do México fica Coyoacán, um lugarejo cheio de casinhas coloridas e praças arborizadas. Um dos 16 distritos da capital mexicana, essa foi a região onde Leon Trotsky viveu até o fim dos seus dias. À época, sua rotina parecia tão entediante quanto a dos coyoaquenses. Bem cedo, levantava para cuidar dos cactos, dos coelhos e das galinhas. Terminadas as tarefas, Trotsky se trancava no escritório para ler, escrever ou receber militantes ávidos por discussões políticas. Sustentava a família – a segunda esposa, Natalia Sedova, e o neto, Esteban Volkov – com os rendimentos dos livros e dos artigos que escrevia para jornais.
Por trás da aparente tranquilidade, porém, Trotsky era um homem receoso. Antes de se mudar para o México, o ex-revolucionário havia sido duramente perseguido por Josef Stalin. Seus parentes também – a maioria foi morta a mando do ex-colega. Desconfiado e, ao mesmo tempo, abalado emocionalmente, Trotsky preferia viver recluso. “O fim evidentemente está próximo”, pressentiu, numa espécie de testamento redigido em fevereiro de 1940. Ele morreria seis meses depois, aos 60 anos.
O camponês rebelde
Leon Trotsky nasceu Lev Davidovich Bronstein, em 7 de outubro de 1879, na cidade de Ianovka, Ucrânia. Seus pais eram agricultores e, embora descendentes de judeus, pouco afeiçoados à religião. Evitavam o iídiche, o idioma das comunidades judaicas da Europa Oriental, preferindo uma mistura de russo com ucraniano. A família criava porcos e galinhas, mas vivia principalmente da produção de trigo – plantio desenvolvido com o auxílio de alguns poucos empregados. Fora isso, a infância de Liova (diminutivo de Lev) foi a de um modesto camponês. Pelo menos até os 9 anos, quando, para estudar, foi viver com os tios em Odessa, região mais povoada que Ianovka.
“Pouco a pouco, ensinaram-me que era preciso dizer bom-dia pela manhã, lavar as mãos, limpar as unhas, não levar a comida à boca com a faca, não se atrasar, agradecer”, Trotsky relembra em Minha Vida, um de seus livros. Aliás, foi justamente em Odessa que ele conheceu a literatura, bem como a música e o teatro – as particularidades da vida urbana.
Aos 17 anos, o rapaz de cabelo desgrenhado, olhos azuis e óculos redondos foi transferido para outra escola, na cidade de Nikolaiev. Lá, interessou-se pelo marxismo – ao frequentar grupos críticos ao czar. Aos 18, tornou-se líder de uma das agremiações – o Sindicato dos Trabalhadores do Sul da Rússia, que reunia serralheiros, marceneiros, eletricistas, costureiras e estudantes. Como era de se esperar, a organização incomodou as autoridades. Em 1898, prestes a fazer 20 anos, Trotsky e outros membros do sindicato foram aprisionados. Nos meses seguintes, ele passou por presídios em Kerson e Odessa até chegar a Moscou, onde se casou com Alexandra Sokolovskaia – uma marxista dos tempos de Nikolaiev. Condenado ao exílio na Sibéria, ele e a mulher viveram em Ust Kut, uma aldeia apinhada de cabanas sujas e infestadas por mosquitos. No exílio, além de se tornar pai de duas meninas, Trotsky aprofundou o conhecimento nas obras de Friedrich Engels e Karl Marx. Em 1902, abandonou Alexandra e as filhas e fugiu com uma identidade falsa. Foi aí que ele adotou o nome pelo qual seria conhecido para sempre e que, segundo ele próprio, pertencia a um carcereiro da prisão de Odessa.
Em 1903, refugiado em Londres (trabalhando para o Iskra, jornal dirigido por Vladimir Lenin e cujo nome significa “fagulha”), casou-se com Natalia Sedova – com quem teve outros dois filhos. Dois anos depois, retornou à Rússia. Popular entre os militantes do Partido Operário Social-Democrata Russo (por ter sido um dos líderes no passado), ele rapidamente assumiu o Soviete de Petrogrado. Seu discurso era de que uma “revolução permanente” estava prestes a acontecer – profecia que viria a se concretizar 12 anos depois.
Em dezembro de 1905, a polícia invadiu a sede do Soviete e prendeu todos os líderes do partido, incluindo Trotsky. No fim do ano seguinte, novamente banido para a Sibéria, ele fingiu-se doente durante a viagem e escapou. Abrigou-se primeiro em Viena; depois, cruzou o Atlântico rumo a Nova York. Lá, retomou a vida de jornalista e se uniu aos mencheviques, “minoritários” que faziam uma leitura moderada do marxismo – batendo de frente contra os bolcheviques, “maioria” sob a liderança de Lenin que acreditava que o governo deveria ser diretamente controlado pelos trabalhadores. No entanto, com o passar dos anos, Trotsky divergiu e se afastou dos mencheviques. Em 1917, aos 37 anos, ele desertou e se aliou oficialmente aos bolcheviques.
Um líder astuto
Ao tomar conhecimento da revolução contra o czar, em março de 1917, Leon Trotsky retornou (de novo) para a Rússia. Quando chegou a Petrogrado, não demorou para ser alçado à presidência do Soviete. Valendo-se do prestígio e da influência que tinha nas massas, passou a conspirar contra o comando provisório. Em outubro, quando o governo foi à bancarrota, Trotsky assumiu o Comitê Militar Revolucionário.
Sua primeira ordem foi o recrutamento de camponeses e veteranos (ex-czaristas) para o chamado Exército Vermelho, a fim de deter forças contrárias à revolução. Pelos três anos seguintes, era o próprio Trotsky quem comandava os soldados contra as forças estrangeiras e o Exército Branco (mencheviques, em sua maioria). Suas viagens eram feitas a bordo de um célebre trem blindado vermelho – um verdadeiro quartel-general sobre trilhos com secretaria, estação telegráfica, centro de rádio, biblioteca e até garagem para automóveis. Entre 1918 e 1921, estima-se que a locomotiva tenha percorrido cerca de 105 mil quilômetros, o suficiente para dar quase três voltas ao redor da Terra, transportando tropas, armas e provisões.
Durante esses três anos de “comunismo de guerra”, Trotsky foi um líder aclamado entre as massas. Muitos, inclusive, o consideravam o verdadeiro herói da Revolução Bolchevique. Já outros, até mesmo do próprio partido, o consideravam autoritário e impiedoso. Certa vez, em meados de 1919, um professor reclamou que os habitantes de Moscou estavam morrendo de fome. Ao que Trotsky respondeu: “Isso não é fome. Quando Tito tomou Jerusalém, as mães judias comeram seus filhos. Quando eu fizer as mães comerem os filhos, aí você pode me dizer: `Estamos morrendo de fome.” Já em seu livro Terrorismo e Comunismo – o anti Kautsky, Trotsky justifica o uso de terror para colocar o Partido Comunista à frente de tudo e de todos. “Quem deseja o fim não pode condenar os meios.”
Em paralelo ao Comitê Militar, Trotsky assumiu o Politburo, o órgão executivo encarregado de decisões imediatas. Posteriormente, tornou-se comissário das Relações Exteriores. Sua obsessão era espalhar o movimento comunista por todo o mundo, plano não endossado pelos homens fortes do partido. Os embates ficaram mais contundentes, sobretudo após o advento da União Soviética, em 1922.
Com a morte de Lenin, em 1924, as coisas pioraram. Visto como fonte de desagregação e “eterno menchevique”, ele perdeu a liderança para Stalin. Em seguida, foi destituído do comissariado e proibido de falar em público. Julgado por traição, em 1927, Trotsky foi expulso do Partido Comunista e expatriado pela terceira – e última – vez.
Golpe fatal
Destruído pela máquina que ele próprio construíra, Trotsky foi perseguido por Stalin, o algoz que vitimou quase toda a sua família – restando apenas a esposa, Natalia, e o neto Esteban. Obrigados a se refugiar, os três passaram por países como Turquia, França e Noruega. Sensibilizados, os pintores comunistas Diego Rivera e Frida Kahlo apresentaram ao governo mexicano um pedido de asilo para Trotsky e sua família. O clamor foi atendido em 1937. Foi aí que eles se estabeleceram em Coyoacán: primeiro, na casa dos artistas; depois, em um casarão a poucas quadras dali – Trotsky havia traído Natalia (e a confiança de Rivera) com Frida.
Em maio de 1940, atiradores stalinistas invadiram sua casa. Por sorte, ele sobreviveu. Três meses depois, em 20 de agosto, outro agente se infiltrou no convívio com Trotsky – apresentando-se como simpatizante. Escondendo uma pequena picareta por debaixo do casaco, o assassino surpreendeu Trotsky na biblioteca, desferindo um golpe no crânio. Gravemente ferido, o líder bolchevique chegou consciente ao hospital. Horas depois, sem sinal de melhora, resignou-se: “Dessa vez, eles conseguiram”. Trotsky faleceu no dia seguinte.
Quem matou Trotsky?
“O grito que ele deu eu jamais esquecerei.” As palavras são de Ramón Mercader, assassino confesso de Trotsky, em depoimento à polícia. Sua identidade foi mantida em segredo pelos 20 anos em que cumpriu pena (máxima) no México. Ele jamais admitiu ligação com a URSS. Mesmo assim, após ser solto, Mercader foi recebido pela Rússia e secretamente condecorado como herói da União Soviética. Morreu em 1978, aos 65 anos, em Cuba.
Aquelas duas correntes ideológicas que observamos antes, das atitudes monstruosas para melhora da humanidade, representada por Trótski, e das atitudes monstruosas pelo simples prazer de se manter em mordomias à custo da humanidade, representada por Stalin, venceu este último. Observamos Trótski, exilado e perseguido, ganhando o pão de cada dia para si e família com o suor do próprio trabalho. Muito diferente dos revolucionários brasileiros, apinhados nas tetas do estado até as suas descendências. Um sinal bem claro que essa linha revolucionária que deseja o poder no Brasil, segue o pensamento ideológico de Stalin e não de Trótski.
A cena se desloca para 1902, Irkutsk, exílio para perseguidos políticos. No início do século XIX, muitos artistas russos, oficiais e nobres foram enviados para o exílio na Sibéria por sua parte na revolta Decembrista contra o czar Nicolau I. Irkutsk tornou-se o grande centro da vida intelectual e social para esses exilados, e grande parte do patrimônio cultural da cidade vem deles, assim como muitas de suas casas de madeira, enfeitadas com ornamentos talhados à mão, que hoje sobrevivem em forte contraste com o padrão de blocos de apartamentos soviéticos que os cercam. As ruas largas, arquitetura e ornamentação continental levaram Irkutsk a ser apelidada a "Paris da Sibéria", embora os viajantes de hoje tendam a não se importar muito. Durante a guerra civil que eclodiu depois da Revolução Bolchevique, Irkutsk tornou-se o local de muitos confrontos furiosos, sangrentos entre os "brancos" (czaristas) e os "vermelhos" (bolcheviques), e uma série de marcos históricos daquela época permanece na cidade. Em 1920, Kolchak, o outrora temido comandante do maior contingente de forças antibolcheviques, foi aqui executado, o que efetivamente destruiu a resistência antibolchevique. Hoje, Irkutsk é uma das maiores cidades da Sibéria, com uma população crescente de mais de 590.000 pessoas. É o lar de diversas universidades e um ramo importante da Academia de Ciências da Rússia, graças a sua proximidade com o Lago Baikal.
Vê-se Bronstein se aproximando de um casebre humilde onde é acolhido para se proteger do frio. É-lhe oferecido roupas melhores para não morrer no caminho.
- B. Não precisa. Vou receber os documentos?
- R. Faremos tudo direitinho. Vai ficar perfeito. Só escolha um sobrenome. Petrov ou Stepanov?
Ecoa na mente de Bronstein o diálogo que tivera com Trótsky: “Não pode decidir o destino das pessoas e continuar sendo humano. Está ouvindo isso de mim, Nikolai Trótsky”
- B. Trótski. Trótski é meu sobrenome.
Volta a cena para o México, e o Jornalista pergunta:
- J. Pegou o sobrenome do chefe da guarda?
- T, Não só peguei. Eu o imortalizei. Eu o esfolei e vesti a pele dele. Como alguns caçadores fazem. E quem é o caçador? É um monstro que derrota outro monstro. Não mais. Em 1918 tive que me tornar o monstro mais temido. E fiz isso.
- J. Isso justifica o que Stalin precisa fazer agora.
- T. Os monstros estão divididos em duas categorias: alguns se tornam monstros pelo bem maior, outros porque gostam.
Esta frase abre a compreensão para o conteúdo da revolução russa. De um lado a intenção saudável de libertar o povo do jugo da escravidão, de trabalho sem descanso, sem direitos, para garantir as mordomias da elite dirigente; do outro lado as ações monstruosas com o objetivo de garantir o poder dos dirigentes e tendo o povo como mero instrumento.
- J. Sabe o que eu acabei de ouvir? Uma acusação de um leão ferido contra um adversário mais forte. Porque foi Stalin que construiu o mundo que todos sonhavam. Ele conseguiu, e você falhou.
- Natália, esposa de Trótski. Querido, é hora do seu remédio.
- T. Natália, não quero tomar. Estou ótimo.
- N. Leon, não discuta. Sabe que não adianta.
- T. Viu, Jacson? Não é só você que não reconhece minha autoridade.
- J. Acho que sua esposa o vê como um homem comum que precisa dormir, comer e tomar remédio.
- T. Está enganado. Tenho certeza de que sou para ela muito mais que um homem comum.
Trótski não desenvolve falsa modéstia. Não conseguimos ver pessoas em busca do poder para ajudar de verdade a humanidade. Mesmo que os discursos sejam nesse sentido, a prática de quando se assume o poder muda radicalmente, como pudemos observar nos 13 anos de governo do PT e seus associados, que quase destruíram o Brasil e destroçaram suas instituições, financeiras, políticas e jurídicas.
Um abraço aproxima dois corações... relembra duas histórias... renova duas emoções... ninguém sabe o que isso provoca em cada mente, por onde voam os pensamentos. Será que o aconchego de segundos que o abraço provoca, leva a mente à memória de dias de aconchegos contínuos, quando a paixão incendiava as correntes sanguíneas cheias de adrenalina e tudo se sublimava na permuta de fluidos misturado com a lubrificação do suor na fricção dos corpos?
O coração agora bate feliz com a migalha dos sentimentos que recebe hoje, pois não tem mais a esperança de concretizar o que só existe na memória. Tenta lembrar agora o que fez desviar do caminho, porque uma paixão tão forte, que criou tão esplendoroso amor dentro do peito, de alguma forma se esvaiu... sangrou em hemorragia das lágrimas internas, que ninguém via, e que nem ele mesmo sentia...
A mente agora faz acrobacias para deixar registrado no maior tempo possível uma faísca do que um dia foi labareda. O tempo, senhor do destino, carrasco de sonhos, se mostra incorruptível e decreta sem nem mesmo dar a oportunidade de ser pedido: nada será como antes!
Não se pode apagar os erros e reconstruir o passado. O que se pode é pegar o presente e construir um novo futuro, um novo sonho. Pode se pegar cada abraço que se consiga no presente, por mais fugaz e frágil que seja, como tijolos sentimentais. Serão guardados no coração com a argamassa da tolerância e da paciência.
Quando o tempo destruir o corpo, o espirito levará consigo toda a energia sentimental que acumulou, mesmo que não possa dar o abraço material, não possa sentir a excitação dos instintos. Será guiado pela vibração do amor e no momento oportuno a simbiose fluídica será alcançada, agora, sem as exigências da carne. O abraço, dentro deste contexto, será sutil, cada alma se complementa uma na outra e como um par de asas se desloca pelo universo. A curiosidade de um será alimentada pela ousadia do outro. A ignorância de ambos irá em busca dos oceanos de conhecimento. Desde os sóis crepitantes nas galáxias mais distantes, até a fofura das nuvens que cobrem a Terra, de formatos enigmáticos, a força da semente que empurra seu caule em direção da luz, a criança que ri, o velho que chora...
Sentem-se agora mergulhados dentro de Deus, que o brilho de ambos afasta as trevas e constrói novos mundos, e cada fagulha de amor guardadas dentro de si criam novos seres espirituais, que se desenvolverão e um dia estarão como eles um dia foram, apaixonados na roupagem da carne, cometendo erros e procurando abraços.
A cena volta ao México. Trotsky continua a conversa com o jornalista.
-T. Você pode até considerar minhas ações muito cruéis, mas eu não queria apenas disciplina, eu buscava a maior expressão de amor. Sim! Você ouviu bem, amor. O inimigo era um poder fatal. Enquanto eu era um poder que podia punir, mas também podia perdoar.
-F. Queria ser um segundo Deus para os seus soldados?
-T. Segundo? Não, Jacson. Pense grande. Eu precisava substituí-lo. Deus é uma convenção. Ninguém nunca o viu. E eu estava próximo dessas pessoas, no mesmo nível. Era mais fácil acreditar em mim. E acreditaram.
-J. E se virassem as baionetas contra você?
-T. Havia essa possibilidade. No entanto, fizeram o contrário. Mataram nosso inimigo.
-J. Não entendo.
-T. Eu também não entendia. Até que conheci o homem que me explicou.
A cena recua no tempo. Odessa, maio de 1898. Trotsky está na prisão. Um companheiro é jogado brutalmente para dentro da cela. Cai sobre a mesa... ferido... inconsciente. Bronstein, um dos prisioneiros, se aproxima do homem, agasalha sua cabeça ferida com o chapéu. Murmura, - Desgraçados! Pega sua caneca e fica batendo ritmado na mesa. Os colegas timidamente vão se aliando ao toque. Trotsky se dirige à porta, batendo com a caneca e exigindo: - Queremos Trótsky! Trótsky! Trótsky! Trótsky! O murmúrio se transforma cada vez mais em alarido: Trótsky! Trótsky! Os guardas surgem, e como não conseguem controlar os revoltosos, o oficial manda buscar Trótsky. (Nicolai Trótsky – Chefe da Guarda da Prisão de Odessa em 1898) Informa o soldado Demidov ao chefe Trótsky que os prisioneiros parecem cães raivosos. E sincronizados como um relógio!
- T. Calma, Demidov. Calma. Quem é o líder?
- D. O judeu do 17º, Bronstein.
- T. Político?
- D. Sim, senhor.
O chefe da guarda manda abrir o portão e fica frente a frente com Bronstein. Entra sem falar com ninguém. Os prisioneiros também abrem passagem, todos calados, atemorizados.
- T. Por que esse barulho todo?
- B. Exigimos que parem de bater nos presos. Exigimos atendimento médico imediato para o companheiro Sivoronov. Exigimos que punam os culpados. Além disso...
- T. Um judeu?
- B. Para nossas exigências isso é irrelevante.
- T. Deve jogar xadrez.
- B. Para nossas exigências...
- T. Faça-me um favor... jogue uma partida comigo.
Os soldados levam Bronstein com brutalidade para a sala de Trótsky. Este fala enquanto arruma as peças no tabuleiro.
- T. Estou cercado de medíocres. Não tenho com quem praticar raciocínio lógico.
Trótsky, pega duas peças do tabuleiro, uma branca e outra preta para fazer o sorteio de quem iria sair primeiro no jogo. Trótsky manobra para ficar com as peças brancas, pois tem a vantagem do primeiro lance. Puxa conversa com Bronstein.
- T. Bronstein, você é um fenômeno. É verdade, meu amigo. Um fenômeno. Em 27 anos trabalhando em prisões russas, não lembro de ter visto um judeu insignificante organizar uma rebelião de ladrões russos. Sabe que atrocidades seu querido Sivoronov cometeu?
- B. Sr. Trótsky, não importa qual foi o crime dele. Tanto faz. Ele é um ser humano. Ele tem direitos. E vocês o oprimem. E todos os oprimidos lutam por liberdade e justiça.
Este diálogo é fundamental para o esclarecimento do raciocínio lógico entre Trótsky e Bronstein. Trótsky tenta justificar o espancamento de Sivoronov pelo grau de crime cometido e assim pela periculosidade em potencial. Bronstein nivela-o a todos que estão na prisão, que devem ter os mesmos direitos, pois é um ser humano como todos, que tem direitos, que não pode ser oprimido, e se for oprimido deve lutar por liberdade e justiça. Então, um crime grave deve ter o mesmo nível de punição de um crime leve? A prisão é um local de garantia de direitos quando o criminoso está ali por não ter respeitado o direito do próximo? Essa linha de raciocínio é a mesma linha dos Direitos Humanos que garante ao preso no Brasil um salário, onde, por outro lado, sua vítima não é acolhida e passa por dificuldades, inclusive financeira. O cidadão comum que paga seus impostos, custeia essa remuneração para o criminoso que um dia foi seu algoz. Parece que a lógica, a ética, a moral e principalmente a justiça foram escanteadas... em favor de que?
- T. De fato, vocês, judeus e revolucionários, não conhecem o povo russo, mas continuam tentando salvá-lo e libertá-lo. O povo russo não pode ser libertado. Ou sua alma desencadeará uma escuridão que devorará o mundo. Mas primeiro os libertadores. Os russos só podem ser controlados, para o próprio bem deles.
Esse pensamento destoa da moral cristã. Qualquer ser humano pode ser libertado de sua ignorância, desde que ele deseje e tenha quem o ajude. Mantê-lo eternamente na condição de escravidão não é justo, ainda mais porque isso garante o bem-estar dos seus carrascos, o suor dos seus sacrifícios garante a mordomia de suas elites. As lições do Cristo servem para o homem controlar os seus instintos, sair da condição plena de animal e ser preparado para sair das correntes da escravidão, não como um animal o que atemoriza Trótsky, mas como um ser humano como imagina Bronstein. Só que Bronstein não considera a educação previa desse homem, animalizado e escravizado.
- B. Mesmo que isso seja verdade, por que bater nele? Por que bater num homem que já foi preso e que está cumprindo sua sentença?
- T. Como mais poderia controla-los?
- B. Como? Pelo exemplo. Conduzindo-os aos ideais de justiça...
- T. Você é débil mental? Se você com essa atitude, conseguir viver mais cinco anos, verá que só é possível controlar as pessoas através do medo. Medo é a base de qualquer ordem. Bater num homem inocente na frente dos outros é melhor do que bater em todos que perdem o medo e causam caos.
Realmente é difícil a educação de um homem animalizado dentro de uma prisão, onde se espera se concentrarem os piores. Temos visto exemplos aqui no Brasil, inclusive no Rio Grande do Norte, dentro das prisões. Quantas missões evangélicas chegam dentro dos presídios, transformam alguns poucos, mas a maioria, brutalizada, não se mostram acessíveis, e até roubam e podem colocar como reféns a esses evangelizadores.
- B. Não acha que isso é desumano?
- T. É claro. Tenho muito poder. Não pode decidir o destino das pessoas e continuar sendo humano. É jovem e ingênuo demais se acha que o mundo estará disposto a segui-lo por empatia aos seus sonhos utópicos. Mas daqui a dois anos, sua ingenuidade desaparecerá e a sede de poder permanecerá. Posso ver isso em seus olhos, Bronstein.
Verdade, como Trótsky podia ser humano tendo que punir um criminoso de características animais, mas de aparência humana. Para punir o animal na pele de humano, teria que ser visto como desumano, pelos humanos que estão testemunhando. A argumentação sobre a ética e moral não consegue transformar pessoas tão incrustadas na ignorância, desde a infância, acostumada com todo tipo de crime para a sobrevivência e manutenção de prazeres escusos.
- B. Suas palavras são bonitas, mas são desmentidas por tudo que está acontecendo. E você, por conta do seu fanatismo chauvinista, não consegue perceber. Bateu em Sivoronov para assustar os outros. E daí? Conseguiu o oposto. As pessoas se uniram e estão exigindo justiça.
- T. Não estão mais. Escute.
- B. Mas vão exigir. Pode ter certeza. Não fique surpreso quando a ira das pessoas o varrer e o colocar onde merece: no lixão da história.
- T. Disso eu tenho certeza. Dai a César o que é de César. E nós, cães imundos, só podemos uivar e implorar por um osso. É a vida. No século 21, sob os gritos de uma multidão em júbilo, um camponês, um pobre coitado com um estilete na mão irá até o rosto esplêndido da Madona Sistina e desfigurará seu rosto em nome da igualdade e fraternidade. Também tem essa visão?
- B. Não. Essa é a sua visão do século 21. É seu modo de pensar de policial que só consegue pensar no pior, vendo todos como peões. Respirando quando mandam, obedecendo a ordens, essa é a visão
- T. As palavras sobre o século 21 não são minhas. São de Dostoiévski. Ele também vai para o lixo? Bem, Sr. Bronstein... eu estava errado. Achei que havia algo verdadeiro em você, mas não. Você é só retórica. (arte da eloquência, de argumentar, de falar). Xeque-mate.
Trótsky termina o jogo com sua vitória, chama o guarda e manda colocar o prisioneiro na solitária. O tempo passa... Bronstein sozinho, dentro das quatro paredes da solitária, aspecto de perplexidade, cai ao chão, sujo, rosto colado no solo... pensa alto... “Não sou ninguém, e quando eu derreter sob o quadrado de luz do céu, terei morrido sem nenhuma sentença e surgirei como prisioneiro de novo. E dia como noite, e noite para sempre. Mas tenho fé na humanidade, a única coisa que me mantém são”. Invade a sua mente as palavras de Trótsky e o alarido dos colegas de prisão, imagens da infância, de abandono: “Só é possível controlar as pessoas através do medo, Trótsky! Trótsky! Trótsky!” Volta à mente as suas reflexões acompanhadas por imagens de escorpiões e serpentes... “...e surgirei como prisioneiro de novo. E dia como noite, e noite para sempre. Mas tenho fé na humanidade, a única coisa que me mantém são.”
- B. Pai, é você?
- T. Sou eu. Quem mais seria? Então, Bronstein? Aprendeu a lição?
- B. Aprendi. Eu juro que sairei daqui e destruirei seu mundo imundo.
- T. Isso não vai acontecer. O mundo imundo está dentro de você. Lembre-se disso, Leiba. Está ouvindo isso de mim, Nikolai Trótsky, que pode acabar com você agora mesmo.
Os dois estão com a verdade, tanto Trótsky que podia acabar com a vida de Bronstein dentro daquela solitária, quanto Bronstein que disse que aprendera uma lição capaz de destruir o mundo de pessoas como Trótsky.