Pai, neste mundo conturbado, onde predomina o egoísmo, vitamina do mal, quem quer seguir a Tua vontade termina enredado num cipoal de dúvidas, testes, obstáculos. Parece que somos muito diferentes, seres de outros planetas, pois aqui tudo é motivado pelos interesses pessoais, o próximo está muito distante.
Sinto que fico me debatendo nas atribulações desse mar de iniquidades, onde a verdade submersa tal qual bloco de iceberg, causa mais danos na realidade do que a mentira que constrói falsas narrativas e fazem todos acreditarem que a vida dentro da corrupção é mais saudável.
Como posso, Pai, vencer tais obstáculos? Eu, cujo atributo maior que posso ostentar é dizer que sei da Tua existência, que o considero como o Pai de todos nós, que devo fazer a Tua vontade, e por isso mesmo chego a ser até achincalhado?...
Hoje, estou distante do meu lar, em viagem de lazer, com as pessoas que colocastes ao meu lado e que por conseguirem até o momento suportar as cruezas do meu caminho, continuam ainda ao meu lado. Mas o meu lar é este planeta onde quer que eu esteja, minha família é a humanidade, onde quer que ela esteja. A Natureza, és Tu, Pai, reconheço tuas pegadas, tua força e sabedoria, desde o nascer ao pôr do sol, desde a terra barrenta ao céu enevoado.
Onde quer que eu esteja eu sou o Teu filho e Tú és o meu Pai, e mesmo que alguns dos meus irmãos não reconheçam assim a tua paternidade, isso não retira deles a qualidade de serem meus irmãos... mesmo que cometam iniquidades!
Assim, Pai, talvez seja essa orientação do Mestre Jesus, que Tu enviaste para nos ensinar, que seja a resposta das minhas preocupações: “Quem são meus pais, quem são meus irmãos? São todos aqueles que fazem a vontade do Pai.” Jesus falou assim colocando em segundo plano a sua mãe e irmãos biológicos que chegavam, a sua parentela sanguínea. Quis ele dizer que eram mais importantes para a nossa caminhada, aqueles que fazem ou desejam fazer a Tua vontade, Pai. Aquelas pessoas conscientemente corruptas, que ignoram ou não a Tua existência, fazem parte daqueles que merecem a misericórdia, se são perversos por ignorância, ou a justiça, se são conscientes dos seus atos iníquos.
Portanto, devo me aliar nesta caminhada, para não seguir sozinho, com aqueles que estão majoritariamente fazendo a Tua vontade, e encaminhar aqueles outros para a misericórdia do Cristo de Nazaré ou a justiça do Arcanjo Miguel.
Série da Netflix, segundo episódio.
A cena acompanha o caminhar de Trótski pela cidade até a entrada de um atelier onde encontra Natália posando nua para diversos pintores. Observa de longe o cenário daquela bela mulher despida, sendo pintada por vários alunos com seus pincéis. Ela, como se percebesse intuitivamente que estava sendo observada com tanto ardor, vira o rosto para onde se encontra Trótski e faz um ar de riso sem que ele perceba. Depois do seu trabalho, Natália se despede e vai ao encontro de Trótski.
- N. Oi, Leon. Apreciando lindas paisagens?
- T. Centenas, até milhares de pessoas verão essas imagens. Sou apenas o primeiro.
- N. Você não gostou.
- T. Você não me conhece, Natália. Creio que ninguém deve dizer a uma mulher o que fazer com seu corpo. Esta moral é do passado, eu vivo pelo futuro.
- N. Então, seu futuro é imoral?
- T. Uma mulher deve decidir sozinha a quem entregar o seu corpo. Seu corpo e seu coração. Se ela escolher livremente ser fiel a apenas um homem, será mais sincero que esses morais dúbios. E então, isso é lindo.
- N. Sim, é mesmo. E você tem razão. Sou eu quem decido para quem me entregar.
- T. Você disse que gosta de Freud. Tome.
- N. Palestra do Freud?
- T. Isso.
- N. Em Viena.
- T. Sim. O trem parte em uma hora. É melhor corrermos.
A cena se desloca para a viagem de trem. Trótski e Natália estão juntos na mesma cabine. Ele folheia um jornal em pé, ela está sentada.
- N. Vai ter um congresso?
- T. Isso mesmo. De Viena vou para Bruxelas. Venha comigo.
- N. Para Bruxelas?
- T. Sim.
- N. É chato.
Batem na porta da cabine, os guardas entram e solicitam documentos. O guarda tenta soletrar o nome que consta no passaporte. Trótski ajuda.
- T. Kristo Samokovalov. Nós búlgaros temos nomes longos.
Natália se mostra surpresa. Os guardas saem e ela pergunta.
- N. Trótski! Que diabo foi isso?
- T. É a rotina diária de um democrata social.
Dois aspectos surgem para a compreensão de Natalia de quem é Trótski. Primeiro, sua visão da mulher, como deve ser vista, como deve se comportar. Isso deve ter agradado a Natalia. Também concordo com a opinião dele, mesmo que eu veja uma pontinha de machismo quando ele valoriza a posição da mulher virtuosa ser fiel a apenas um homem. Será que a mulher que ele deixou em sua cidade com uma filha, está liberada para ter um novo envolvimento como ele está tendo? Será que o seu ideal de justiça social também se aplica a justiça conjugal, onde a mulher deve ter o mesmo direito que o homem? Será que sua razão associada a justiça conseguirá vencer o instinto associado ao preconceito?
O segundo aspecto pode ter deixado ela com certa preocupação. O trabalho que ele faz como revolucionário, é um trabalho clandestino e que a qualquer momento pode ser preso ou mesmo eliminado pelas forças do poder constituído. Mas isso não deve constituir impedimento para uma paixão que está se desenvolvendo.
Série da Netflix, segundo episódio.
A cena volta para Paris. Lenin está escrevendo em seu apartamento. Um parapeito cheio de pombos. Ele se aproxima oferecendo pedaços de pão. Se aproxima do parapeito e sobe. Vê a altura, tenta se equilibrar. Se aproxima perigosamente e olha para baixo. Coloca um pé para frente, mãos nos bolsos, como se fosse dar um passo no vazio. É o momento que Trótski chega, faz barulho com a porta, e Lenin se recompõe.
- L. Leon. Eu não esperava você hoje.
- T. Vladimir Ilyich, vi seus comentários sobre meu discurso para o Congresso. Você está distorcendo os fatos: Plekhanov nunca disse e nunca escreveu aquilo.
- L. Ele que se dane. Velho burro. Ele nunca disse, mas é o que pensa. Vamos destronar o velhaco.
- T. Então eu gostaria de ler o seu discurso.
- L. Por quê?
- T. Para garantir que você não tem medo de sujar as mãos.
- L. Quer se abrir? Como quiser. Eu sou o chefe. Você, o instrumento. Eu comando, você obedece. Sem dúvidas, sem questionar, sem choro. Você apenas obedece. Fui claro?
- T. Sendo assim, pode encontrar outro instrumento. Tenho minha própria cabeça.
Lenin se aproxima e empurra Trótski que cai sentado perto do parapeito.
- T. O que é isso...
Lenin o aperta e empurra em direção ao precipício.
- L. Sua vida está em minhas mãos. Se eu soltar, você está acabado como homem e como político. Então fará o que eu disser. Ou jamais discursará ou andará em parques. Fora daqui.
Lenin solta Trótski e volta para a mesa onde estava escrevendo, enquanto o outro tenta se recompor do susto, da ameaça e da agressão.
- T. Boa tentativa. Você não me assustou. Não mesmo. E percebi que sou eu que assusto você. Eu serei o novo líder. as pessoas seguirão a mim, não a você. Um dia, você virá implorar por uma aliança.
Trótski sai batendo a porta enquanto Lenin fica pensativo.
Lenin tenta colocar Trótski numa relação de submissão. Não consegue. Percebe que Trótski tem uma personalidade forte e parte para a ameaça. Os dois grandes líderes da Revolução Russa fazem um novo embate, e desta vez com mais força. Lenin tem ao seu lado todo o processo burocrático e o conhecimento no meio político. Trótski possui a ideologia pura, sem contaminação, a oratória, a sintonia com o povo. Como será o final desse embate? Alguém pode opinar?
Série da Netflix, segundo episódio.
A cena se desloca para a Rússia, ano de 1903. Um trem corta a noite. Sentado fingindo dormir, o mesmo assaltante que dirigiu o roubo da diligencia e o fuzilamento de todos os soldados. O oficial entra pedindo a conferência dos documentos. Enquanto o oficial pede ajuda para liberar o documento, o assaltante junto com seus comparsas que estão no mesmo vagão saca de suas armas e matam os oficiais mais próximos. Segue o tiroteio enquanto o assaltante pula do trem em movimento e consegue se safar ileso. Foge atravessando rios e matas.
A cena volta para o México onde Trótski conversa com Jacson, o jornalista.
- J. Você exagera o seu papel. Você finge ter criado Stalin.
- T. Antes de me conhecer, Koba era um plagiador. Um operário da Revolução, como ele mesmo dizia. Mas ele leu meus artigos e compreendeu que o mundo será mudado não pelos intelectuais bem alimentados, mas pelas pessoas como ele, prontas para derramar sangue.
- J. Então, como não viu o monstro que ele se tornou, com sua intuição?
- T. Outras pessoas com quem lidei eram muito mais duras. Eu temia que seriam... um perigo real.
Um aspecto delicado. Trótski é o ideólogo da revolução, do pensamento mais puro, de querer trazer justiça ao povo que ele ver escravizado. Percebe que as pessoas que se aglutinam no seu projeto de revolução não tem os mesmos princípios, alguns almejam o poder pelo poder, e mesmo frágeis de raciocínio, mas se tiverem um argumento, como a força e o medo por exemplo, podem chegar ao cume do poder e distorcer todo o bem que se queria promover.
Algo parecido aconteceu no Brasil, uma figura frágil de conhecimento, mas bem-dotada de argumentos falaciosos e capacidade de cooptação ou de ser cooptado pela corrupção, chega ao poder no Brasil usando toda essa potência que do ponto de vista ético é indefensável. Mesmo assim, no poder, consegue cooptar para dentro de suas ações criminosas as mentes mais bem preparadas intelectualmente, tanto da academia, quanto do meio eclesiástico, do legislativo e do judiciário
A lição fica. Quando estamos lidando com o poder, os ideais éticos podem se perder, a não ser que tenham uma boa base de sustentação dentro da espiritualidade, de realização da vontade do Deus de amor, ensinado por Jesus.
A cena volta a enquadrar Trótski e Natália que caminham juntos enquanto conversam.
- N. Meu pai é um bom homem, mas é muito conservador. O que me esperava? Uma cela de ouro, um bom parceiro, uma porção de filhos... então, eu fugi. Para estudar na Europa.
- T. Os meus também não me entendiam. É ridículo, eu já sou adulto, mas ainda quero que ele tenha orgulho de mim e me entenda.
- N. Quando desobedecemos a nossos pais, traímos o amor deles?
- T. Talvez. Eu sei que tenho razão, mas ainda me sinto culpado. Um paradoxo.
Eles encontram Alexander que vem chegando em sentido contrário, em uma carruagem.
- A. Pare! Estou interrompendo?
- T. Nem um pouco.
- N. Nós fomos à festa. O Leon queria conhecer a vida europeia.
- A. Tenho uma surpresa para você, Trótski. Um presente.
Entrega um cartão para Trótski.
- T. O que é isso?
- A. Um mandato para o Congresso de Bruxelas. Lenin me disse em particular que quer que você participe do conselho editorial do Iskra.
- T. Mas eu...
- A. Foi o que ele disse. Até logo.
Alexander dá um toque para se retirar, Trótski fica a ler o cartão com um ar de riso, enquanto Natália também se retira.
Chama a atenção a opinião de duas pessoas adultas, bem definidas, sobre a opinião dos pais e como se sentem em relação a isso. A confissão de Trótski que desobedeceu aos pais, por se comportar como queria, pois sabia que tinha razão, e isso ainda o fazer sentir como culpado, é um interessante paradoxo. Inconscientemente, será que ele se considera tão certo? Digo assim, pois eu, discordei e agi diferente do que meus pais queriam, mas isso nunca me deixou arrependido, culpado, mesmo sendo em questões tão sérias dentro da cultura aceita popularmente. Talvez porque, o que eu defendia e agia com coerência, estava associada a vontade de Deus que considero o Pai acima de todos os pais, assim como Francisco de Assis. Trótski não considerava este Pai.