Na vida tive muitos amores, muitas paixões. Se eu fosse fazer uma avaliação dentre todas as mulheres que tocaram o meu coração, que chegou a me incendiar de paixão, eu poderia classificar em primeiro lugar aquela que aniversaria hoje.
E por que não estou com ela? Por que eu em comportei de forma que ela tivesse motivos para me expulsar da nossa casa, apesar de lá está recheada das coisas que eu amo: livros, filmes, música, meu cachorro, meu filho... ela mesma? Só tenho uma explicação: porque eu sou assim, criado, formado e desenvolvido da forma que ela não desejava para um companheiro, um companheiro exclusivo. A minha forma de amar o mundo e especialmente as mulheres de forma ampla, completa e irrestrita foi o amargo sabor que ela sentiu com a minha convivência e que não foi possível tolerar por mais tempo do que ela tentou.
Hoje estou só, sentindo em mim o amargor do doce tempero do amor, por mais paradoxal que seja. Estou só, e a minha alma carente de companhia reclama desse amargor, mesmo sabendo que foi devido a doce expressão do amor que jamais impedi que saísse de mim. Minhas companheiras também sofrem os efeitos desse paradoxo, experimentam com ternura todo o amor que recebem de mim e com sofrimento todo o amor que eu distribuo com outras.
Sou uma espécie de Rei Midas do amor. Aquele transformava em ouro tudo que tocava, chegou a morrer de inanição, pois os próprios alimentos se transformavam em ouro; eu também transformo em amantes todas que se aproximam de mim e como não aceitam dividir-me com mais ninguém, morro na solidão.
Entro hoje nessas reflexões porque é o aniversário daquela que ocupa o primeiro lugar na minha exacerbação do amor. A última que tentei conviver de todas as formas – esposo, amante, amigo -, como a única tábua de salvação para me livrar da solidão. Não consegui. Mas carrego comigo na forma de saudade o amor que jamais morrerá. E assim fiz essa mensagem abaixo e enviei para ela:
“Feliz aniversário!
Que o Anjo da Guarda proteja seus passos e que Deus encha seu coração de amor e sua vida de felicidade; que cada ano lhe traga mais sabedoria, em cada minuto mais tolerância, mais flexibilidade; que as tempestades da vida sirvam apenas de motivo para a sua aproximação com o Criador; que minhas orações sirvam de escada para a sua elevação e que nas suas lembranças prevaleça o amor que tanto lhe dediquei e que seja capaz de cobrir os pecados que eu cometi. Este é o café da manhã que minha alma oferece tua, e se um dia a paixão que tínhamos se perdeu no tempo, que o amor que ficou na forma de saudade sustente nossas existências, por mais distantes que nossos corpos estejam.”
Ela respondeu com um a imagem de um simples polegar voltado para cima, que interpretei como positivo.
Logo depois envia uma poesia de Cecília Meireles:
FUTURO
É preciso que exista, enfim, uma hora clara
Depois que os corpos se resignam sobre as pedras
Como máscaras metidas no chão
Por entre as raízes, talvez se veja, de olhos fechados,
Como nunca se pode ver, em pleno mundo
Cegos que andamos de iluminação
Perguntareis: “Mas era aquilo, o teu silêncio?”
Perguntareis: “Mas era assim teu coração?”
Ah, seremos apenas imagens inúteis, deitadas no barro
Do mesmo modo solitárias, silenciosas,
Com a cabeça encostada à sua própria recordação.
Cecília Meireles, em Mar Absoluto.
Senti, minha querida, minha amada... pelos versos da poetiza a dor da sua solidão, do silêncio na presença e na recordação.
Espero que nossos olhos voltados agora para nossas raízes possam realmente se iluminar com a verdade e reconhecer que apesar da tristeza o amor jamais esteve ausente. Quando não podias caminhar, o rastro que vias sozinho na areia, era eu te carregando nos braços...
Estava assistindo um seriado, “Mentes Criminosas” e o episódio tratava do pai de um dos investigadores, um rapaz superdotado intelectualmente, que estava suspeito de ser um assassinato, de ser um pedófilo. Como o seu pai havia se separado da mãe e saído de casa para nunca mais voltar, esse investigador não teve contato com o pai durante a sua formação, e por isso trazia muita mágoa dentro de si. Encontrou nessa suspeita sobre o pai onde os fatos apontavam a culpa dele, uma forma de se vingar, de atenuar os ressentimentos. Acontece que as entrevistas que ele fazia no processo de investigação, todos apontavam que o pai era um homem íntegro, responsável e justo. Mas como isso podia conciliar com a ausência dele do lar, das memórias opacas que mostravam ao investigador o pai em atitude suspeita, queimando roupas ensanguentadas? Finalmente ele encontra a resposta, pois a mãe que ele tanta amava e respeitava era a verdadeira culpada das acusações, e que a roupa ensanguentada que o pai queimou na verdade era roupa de sua mãe, que o pai assim fez na tentativa de protegê-la. Depois desse episódio não houve mais convivência entre eles e o pai sai de casa para nunca mais voltar, apesar de amar o filho e sempre acompanhar o seu progresso pelos jornais. O filho atônito com a verdade finalmente revelada, sentiu o peso da transformação no seu coração, do pai covarde e insensível que abandonou-o, para um herói que sofreu no anonimato a traição da mãe e a distância do filho, na tentativa de protegê-la do braço da lei e da desonra entre os homens.
É dispensável colocar aqui o quanto essa história trouxe identificação ao que sinto e sofro. Também tive que abandonar a casa, o lar, mais de uma vez, e meus filhos se desenvolvem longe de minha influência, pois o comportamento das mães impede a minha convivência com elas em harmonia. Essa distância minha dos filhos pode levar a eles pensarem como pensava esse investigador. Mas também espero que a verdade um dia vai chegar até eles, como sinto que está chegando gradativamente, e a minha imagem verdadeira lentamente chega aos seus corações.
Para completar essas reflexões, logo em seguida ouvi a canção do Padre Zezinho, “Oração pela Família”, que sempre gostei da letra e da melodia, mas imaginava que ela estava distante do meu modo de agir e ser fiel a Deus. Pensava que a letra pudesse ser aplicada apenas à família nuclear e não à família ampliada que eu defendo e tento praticar. Pois não é que toda a letra, influenciada pelas emoções que o filme me despertou, se encaixou perfeitamente no meu modo de pensar? Então é isso que quero fazer agora, dar a interpretação da família ampliada que esta música me evocou, analisando cada um dos versos.
Que nenhuma família comece em qualquer de repente
Que nenhuma família termine por falta de amor
Que o casal seja um para o outro de corpo e de mente
E que nada no mundo separe um casal sonhador
Significa que o início de uma família não pode acontecer sem uma boa motivação. Uma motivação que deve ser sempre baseada no afeto, na simpatia, na harmonia, no Amor Incondicional. Que depois dessa família formada com base no Amor Incondicional, o amor jamais será exclusivo e jamais será destruído, mesmo porque se é amor, jamais morre, jamais desaparecerá. O casal deve ser construído e formar uma só carne, como indica a Bíblia, mas dentro de uma família ampliada, PIS o Amor praticado não é exclusivo. O homem como cabeça da família tem a obrigação de interpretar isso como a vontade de Deus e procurar cumpri-la de acordo com sua consciência. Essa ideia deve ser partilhada integralmente com sua companheira, caracterizando o que deve ser um para o outro de corpo e de mente. Ao seguir essa vontade Deus implantada na consciência, podemos nos considerar dentro de um sonho. Então, nada neste mundo terá força para nos separar, enquanto casal assim formado, que sonhamos juntos, e que neste sonho estejam incluídos a formação de vários casais, todos integrados em direção à família universal, como consta da natureza do sonho.
Que nenhuma família se abrigue debaixo da ponte
Que ninguém interfira no lar e na vida dos dois
Que ninguém os obrigue a viver sem nenhum horizonte
Que eles vivam do ontem, do hoje em função do depois
Defendo que toda a família tenha a sua dignidade, que possa viver com todos os recursos necessários as suas necessidades. Defendo que ninguém interfira na forma como qualquer casal organize o seu lar e que tenham uma vida como desejam, com respeito mútuo, com uma meta a realizar, a de que seja construída dia a dia, no ontem, no hoje e com representação no futuro, o Reino de Deus.
Que a família comece e termine sabendo aonde vai
E que o homem carregue nos ombros a graça de um pai
Que a mulher seja um céu de ternura, aconchego e calor
E que os filhos conheçam a força que brota do amor!
Procuro fazer assim, cada pessoa – no meu caso mulher – que se aproxima de mim simpatizando com o meu afeto e com a pretensão de ser uma das minhas companheiras, deve ficar ciente de tudo desde o começo e até onde vou com a construção do Reino de Deus como meta final. Sei que carrego em meus ombros a graça de ter reconhecido a vontade de Deus em minha consciência e na condição de pai devo conduzir a minha casa e todos que dentro dela formam meu lar. Não é possível eu deixar o meu ideal, o meu compromisso com Deus para seguir a vontade ou os preconceitos de qualquer pessoa. Sonho que um dia eu encontre essa mulher que seja um céu de ternura, aconchego e calor, sem querer por causa disso cobrar um preço que ofenda aos meus ideais; que deixe os nossos filhos conhecer a força que brota do meu amor, sem colocar no meio os seus instintos que exigem a doação do meu amor de forma exclusiva.
Abençoa, Senhor, as famílias! Amém!
Abençoa, Senhor, a minha também.
Este é um apelo que faço e que incluo em minhas orações, a bênção de Deus para a minha família ampliada, mesmo sabendo da grande dificuldade que tem minhas companheiras no convívio com harmonia, sem hipocrisia, mas sim com sinceridade, solidariedade e justiça com qualquer uma, em qualquer situação.
Que marido e mulher tenham força de amar sem medida
Que ninguém vá dormir sem pedir ou sem dar seu perdão
Que as crianças aprendam no colo o sentido da vida
Que a família celebre a partilha do abraço e do pão!
Este é o ideal de quem participa da minha família ampliada, que cada mulher junto comigo ou com outro companheiro que elas permitam, sejamos capazes de amar sem medida, sem preconceitos, sem exclusivismo; que tenhamos coragem de pedir ou dar o perdão a qualquer momento que sintamos que ferimos ou fomos feridos pelo próximo. As crianças sob nossa responsabilidade devem aprender desde o colo o sentido amplo da vida que vivemos e para onde estamos caminhando na construção da família universal. Em nenhum momento nossas vidas, mesmo dentro da família ampliada, devem ficar circunscritas a determinado número de pessoas, e sim, sempre procurar partilhar o pão e o afeto que está à nossa disposição, sem preconceitos ou exigências de contrapartidas.
Que marido e mulher não se traiam, nem traiam seus filhos
Que o ciúme não mate a certeza do amor entre os dois
Que no seu firmamento a estrela que tem maior brilho
Seja a firme esperança de um céu aqui mesmo e depois
Quando eu e/ou qualquer mulher que aceite a convivência dentro desta família ampliada sofrerem os efeitos egoístas dos instintos, devemos ter a força moral de não trair nossos princípios, acusar ou falar mal de quem quer que seja, na presença ou principalmente na ausência. Essa traição atingirá a todos, inclusive os filhos que já estavam sendo educados dentro de uma perspectiva do Amor Incondicional, da família ampliada e da realização do Reino de Deus. Se cada pessoa introjetar em sua alma os valores completos desta família ampliada, jamais sofrerá ciúme de qualquer natureza, pois sua vida está completamente sintonizada com o Reino de Deus e está vivenciando tudo isso aqui na Terra e mesmo depois quando passar para o mundo espiritual.
Pronto! Deixo assim comprovado que o hino que o padre Zezinho compôs certamente pensando na família nuclear, tem perfeita adaptação para a família ampliada, e acredito que, dentro desta família ampliada, exista mais condição de ser aplicada do que dentro daquela outra família, a nuclear.
Em 22-05-15 foi realizada mais uma reunião da AMA-PM e Projeto Foco de Luz com a presença de: 1. Edinólia 2. Adriana 3. Radha 4. Juliana 5. Zélia (primeira vez, nova diretora da escola) 6. Francisco 7. Paulo Henrique 8. Samir (primeira vez, professor de educação física, recreador) 9. Nivaldo 10. Silvana 11. Francinete 12. Ezequiel 13. Ana Paula 14. Davi 15. Costa 16. Rogério 17. Francisca 18. Vera 19. Nazareno 20. Washington 21. Luzimar (primeira vez – ex-participante do conselho comunitário, sorveteria) 22. Raullinson (primeira vez, filho de Luzimar) 23. Ricardo. Foi lido o preâmbulo espiritual intitulado “Aceita a Correção” e em seguida a leitura do registro da reunião anterior, que foi aprovado com uma correção, onde se lê: ...a possibilidade da escola passar para o âmbito estadual, leia-se municipal. Paulo informa que foi junto com Costa falar com o secretário de turismo Sr. Fernando Bezerril e o mesmo foi solidário a nossa reivindicação do quiosque do calçadão da praia, mas que há um impeditivo do ministério público. Feito doação de uma camisa da Associação. Edinólia informa que tentou falar com Zezito, mas o mesmo se encontra doente. Voltará a tentar na próxima semana, inclusive com a possibilidade de irmos à Recife no carnaval se ele tiver a disponibilidade de nos receber. Zélia se apresenta como a nova diretora da escola, que assumiu na condição de interventora por um ano já que não houve eleição como era previsto. Fala de sua disposição de trabalhar em parceria com a AMA-PM, na recuperação do prédio através de um mutirão comunitário; que pretende organizar e dinamizar a Biblioteca, e que irá procurar saber de mais detalhes para o incremento da escola, como o apoio aos grupos de estudantes que já funcionam na escola, como capoeira, xadrez, flauta e evangelização e também da formação de uma banda com as crianças. Ezequiel informa do registro de 30 crianças no futebol e que providenciou junto ao município a troca de lâmpadas queimadas no calçadão da praia. Luzimar informa do seu projeto de uma sorveteria na comunidade e se coloca como mais um voluntário para as diversas atividades. Costa fala do fardamento da escola que irá funcionar como um laboratório para a criação da Jovem Guarda Potiguar e que vai tocar pra frente o projeto de amigo da escola através do mutirão para a sua recuperação. Ricardo se apresenta como mais um voluntário para os serviços que a AMA-PM necessitar e tiver ao seu alcance. Foi feito o sorteio do ferro elétrico através do canhoto dos bilhetes que foram vendidos. O primeiro sorteado foi uma senhora do Centro Espírita Cruzada dos Militares que havia autorizado voltar para o sorteio se o seu número fosse o escolhido. Assim foi procedido e o novo sorteado foi o senhor Nivaldo. Como já estava dentro do nosso horário de encerramento, 20:30h, foi feito uma canção evangélica conduzida por Costa e a oração do Pai Nosso conduzida por Luzimar. Finalizou Luzimar com uma oração do próprio coração. Fizemos a foto com todos os presentes e concluímos com bolo, café e refrigerante.
Existe uma forte desconfiança que o sexo não tem nada a ver com amor, que é um instinto puramente fisiológico criado para garantir a perpetuação da espécie, qualquer que seja o ser vivo, consciente ou inconsciente do que esteja fazendo. Devido a minha formação biológica, estudante do comportamento, sei que o sexo realmente tem fortes raízes biológicas, instintivas.
Estou abordando este assunto nesta ocasião, como reflexo da mesa redonda do domingo passado, quando meu primogênito afirmou com muita segurança, do alto de sua formação em biologia, que o amor não tinha nada a ver com sexo. Fiquei incomodado com tamanha segurança nessa separação tão radical entre o amor e o sexo. Lembrei a ele que não era bem assim. Contei um episódio que aconteceu comigo no Rio de Janeiro, quando estive com meus irmãos. A minha avó que me criou desde os cinco anos de idade, sempre comentava que eu era o santinho da família e que todos os meus irmãos eram perdidos, verdadeiros capetas. Eu ficava muito incomodado com essa situação, pois percebia que ela agredia meus irmãos com essas palavras, principalmente a minha mãe, responsável pela educação dos que ficaram com ela. Então aproveitei que estava no Rio com eles passando férias e fui voluntário para irmos à noite para as diversões noturnas. Tive que fazer assim, pois eles já acostumados com a minha fama de santinho, não me chamavam para essas orgias que eles programavam.
Fui com eles a zona de meretrício do Rio de Janeiro, cada um ficou com uma garota, inclusive eu. Acontece que eu não funcionei sexualmente. A mulher ficou preocupada com o meu desempenho zero, mas eu já intuía que isso podia acontecer, não fiquei alarmado. Pedi que ela tivesse calma, que ela não tinha culpa e que eu iria lhe pagar como deveria. Nenhum dos meus parceiros soube dessa falha no meu desempenho sexual, pois o meu objetivo era que todos soubessem que eu me comportei como eles, principalmente a minha avó, quando nos viu chegar ao amanhecer.
Depois desse episódio ela nunca mais fez comparações me colocando como o anjo da família. Agora a questão que quero colocar aqui com esse episódio é que, se o meu primogênito tivesse completa razão, eu teria feito o ato sexual sem nenhuma dificuldade. O fato de que eu não tenha conseguido, mostra que acima dos desejos instintivos se encontra outra estrutura mental com poder de bloqueio. No meu caso eu só posso dizer que são os sentimentos afetivos que prevaleceram. A moça era uma pessoa que eu estava vendo pela primeira vez, que tinha seus atributos sexuais, mas não tinha nenhum nível de convivência que tivesse criado afeto. Era simplesmente dois seres humanos que se encontravam pela primeira vez, a mulher vendendo seu corpo e eu que estava a comprar. Só que os seus fregueses usam os seus instintos sem nenhum bloqueio, enquanto os meus instintos sofrem forte bloqueio dos sentimentos.
Também percebo esse bloqueio dos sentimentos sobre os instintos sexuais em outras situações. Mesmo eu tendo uma prática sexual já estabelecida com uma pessoa, se ocorrem fatos que fazem essa pessoa entrar em conflito comigo, com meus sentimentos ou mesmo com meus paradigmas de vida, os instintos sexuais são automaticamente inibidos. O desejo sexual fica inibido e mesmo que eu decida iniciar o ato sexual, sinto por trás uma desmotivação que não alimenta o instinto sexual. Todas essas forças que se contrapõem ao ato sexual estão muito mais próximas do amor do que do instinto, portanto não posso aceitar que o sexo não tenha nada a ver com amor. Tem sim, nas pessoas que desenvolvem esse nível de sensibilidade e que não se deixam levar exclusivamente pelas forças instintivas.
A leitura do livro “Judas” de Amós Oz, trouxe-me novas luzes conscienciais sobre o conceito de traição, que eu já intuía, mas que não estava no domínio da minha consciência. Tenta justificar as ações de Judas e tirar dele e do povo judeu o estigma da traição. Tenho que continuar colocando as ideias que encontrei em Amós...
Ele vai muito além, chega a dizer Judas Iscariotes foi o fundador da religião cristã. Ele era um homem abastado da Judeia, ao contrário dos demais apóstolos, que eram simples pescadores e agricultores de aldeias longínquas da Galiléia. Os sacerdotes de Jerusalém tinham ouvido boatos estranhos sobre um excêntrico milagreiro da Galiléia que fazia coisas prodigiosas e atraia adeptos aqui e ali, em aldeias e vilas esquecidas, até as margens do mar da Galiléia, por meio de todo tipo de milagres provincianos, ele assim como dezenas de pseudoprofetas e milagreiros, a maioria dos quais eram charlatões, ou loucos, ou charlatões e também loucos. Só que esse Galileu atraia um pouco mais de que os outros embusteiros e sua fama crescia cada vez mais. Por isso os sacerdotes de Jerusalém resolveram escolher Judas Iscariotes, um homem abastado, culto, inteligente, profundo conhecedor da Torá escrita e da Torá oral, e próximo dos fariseus e do sacerdócio, e enviá-lo para se juntar ao grupo de crentes que seguiam o rapaz Galileu de aldeia em aldeia, fazer-se passar por um deles para informar aos sacerdotes de Jerusalém qual era a verdadeira natureza daquele excêntrico e se ele representava de fato algum perigo especial. Afinal de contas esse embusteiro da Galiléia realizava todos esses milagres provincianos em lugares distantes, para uma assistência de aldeões sem instrução que acreditavam facilmente em todo tipo de mágicos, feiticeiros e prestidigitadores. Judas Iscariotes vestiu-se pois de andrajos, foi para a Galiléia, procurou e encontrou Jesus e seu grupo e juntou-se a eles... Rapidamente ele conseguiu fazer amizade com os integrantes da seita, uma seita de rotos e esfarrapados que seguiam seu profeta de aldeia em aldeia. Ele também fez amizade com o próprio Jesus, graças a sua inteligência e sua lucidez, e fingindo ser um crente entusiasta logo passou a ser uma das pessoas mais próximas de Jesus, seu confidente, do círculo íntimo de seus seguidores, o tesoureiro desse grupo de indigentes, os doze apóstolos. O único entre eles que não era Galileu, nem agricultor ou pescador pobre.
Só que ocorre uma reviravolta surpreendente no desenrolar da trama. O homem que fora enviado pelos sacerdotes de Jerusalém para espionar o embusteiro Galileu e seus seguidores, para desmascará-lo, passou a ser um de seus mais entusiasmados crentes. A personalidade de Jesus, a irradiação do amor caloroso e arrebatador que dele emanava, aquela mescla de simplicidade nos gestos, humildade, humor afetuoso, cálida intimidade com qualquer um, junto com a estatura moral, a visão elevada, a aguda beleza das fábulas de que Jesus se valia, e os encantos do maravilhoso evangelho em sua boca, transformaram o homem lógico, realisa e cético da cidade de Keraiot num seguidor dedicado com todas as forças ao salvador e seu evangelho. Judas Iscariotes passou a ser o discípulo mais fiel e dedicado, até a morte do homem de Nazaré. Se isso aconteceu da noite para o dia ou foi consequência de um longo processo de renascimento, não saberemos. Judas Iscariotes passou a ser Judas cristão. O mais entusiasta dos apóstolos. E além disso: foi o primeiro homem no mundo a acreditar piamente na divindade de Jesus. Acreditava que Jesus era onipotente. Acreditava que logo os olhos de todos os homens iriam se abrir, de mar a mar, para enxergar a luz, e viria a redenção para o mundo. Mas para isso, concluiu Judas, que era um homem do grande mundo e entendia bastante de relações públicas e de como criar uma repercussão impactante, era preciso que Jesus deixasse a Galiléia e subisse à Jerusalém. Tinha de conquistar a rainha em sua casa. Deveria realizar em Jerusalém, diante de todo o povo e aos olhos do mundo inteiro um milagre que como tal não houve igual desde o dia em que Deus criou o Céu e a Terra. Jesus, que caminhara sobre as águas no mar da Galiléia, Jesus que trouxera de volta dos mortos a menina morta e Lázaro, Jesus que transformara água em vinho, que tinha exorcizado demônios e curado enfermos com o toque de sua mão e com o toque das fímbrias de sua roupa, tinha de ser crucificado aos olhos de Jerusalém inteira. E aos olhos de Jerusalém inteira ele se livraria e desceria da cruz, vivo e presente, e se postaria saudável e inteiro, sobre as duas pernas, firme sobre o solo ao pé da cruz. O mundo inteiro, sacerdotes e o povo comum, romanos e edonitas e helenistas, fariseus e saduceus e essênios, samaritanos e ricos e pobres, centenas de milhares de peregrinos que chegarão a Jerusalém vindos de todo o país e dos países vizinhos para a festa de Pessach, todos cairão de joelhos para se empoeirar com o pó dos seus pés. Com isso começará o Reino dos Céus. Em Jerusalém. Diante do povo e do mundo.
Mas Jesus hesitou muito se deveria aceitar a ideia de Judas e subir para Jerusalém. Bem fundo em seu coração de menino, durante todos aqueles dias, o verme da dúvida roia. Serei eu o homem: serei eu o homem? E se eu for menor do que isso? E se essas vozes estiverem me iludindo, forem vãs? E se meu pai que está no céu estiver me experimentando? Brincando comigo? Me usando para um fim cujo segredo me é oculto? Talvez o que tinha conseguido realizar na Galiléia não conseguisse realizar em Jerusalém sofisticada, laica, assimilada, helenista. A Jerusalém pouco crente que viu de tudo e ouviu de tudo e já não se admira de nada. O próprio Jesus talvez estivesse esperando o tempo todo por algum milagre contundente vindo de cima, por alguma revelação ou iluminação, por alguma resposta divina as suas dúvidas: serei eu realmente o homem?
Judas não o largou: você é o homem. Você é o salvador. Voce é o filho de Deus. Voce é Deus. Voce foi destinado a salvar todos os homens onde quer que estejam. O Céu o encarregou de ir à Jerusalém e lá realizar seus milagres, voce fará em Jerusalém o maior milagre de todos, vai descer vivo e inteiro da cruz, e Jerusalém inteira cairá aos seus pés. A própria Roma cairá aos seus pés. O dia de sua crucificação será o dia da redenção do mundo. É a última prova a que o submete o seu pai que está no Céu, e voce há de passar por ela porque voce é o nosso salvador. Após essa prova terá início a era da redenção da humanidade. Nesse mesmo dia começará o Reino dos Céus.
Após muitas hesitações Jesus e seus seguidores subiram para Jerusalém. Mas aqui de novo foi assolado pelas dúvidas. E não apenas dúvidas, mas também um temor mortal, tão simples quanto isso, como o de um ser humano. Um temor mortal e humano, muito humano, se apoderou do seu coração: E seu espírito se alarmou, e foi tomado das dores da morte, e começou a se alarmar e desencorajar e disse a eles: minha alma está agora conturbada.
Se puderes, rezou Jesus a Deus em Jerusalém durante a última ceia, afasta de mim esse cálice. Mas Judas o animou e fortaleceu seu espírito: quem caminhou sobre as águas e transformou água em vinho e curou leprosos e exorcizou demônios e ressuscitou mortos, será capaz de descer da cruz e com isso fazer com que o mundo inteiro reconheça sua divindade. E como Jesus continuava a temer e a duvidar, Judas Iscariotes assumiu os preparativos da crucificação. Não foi fácil para ele: os romanos não tinham nenhum interesse por Jesus, pois o país estava cheio de profetas, milagreiros e visionários sonâmbulos como ele. Não foi fácil a Judas convencer seus colegas sacerdotes a levar Jesus a julgamento: Jesus não era considerado por eles mais perigoso do que uma dúzia dos seus dublês na Galiléia e em regiões remotas. Judas Iscariotes teve de recorrer a manobras, valer-se de seus bons relacionamentos nos círculos farisaicos e do sacerdócio, incendiar corações, talvez também pagar subornos, para providenciar a crucificação de Jesus entre dois criminosos menores na véspera da festa sagrada. Quanto aos trinta siclos de prata naquela época não era mais do que a quantia apurada pela venda de um escravo de qualidade média. E quem pagaria até mesmo três siclos de prata pela prisão de um homem que todos conheciam? Um homem que não tentou nem por um momento se esconder ou negar sua identidade?
Judas Iscariotes é, pois, o inventor, o organizador, o diretor e o produtor da cena da crucificação. Nisso tiveram razão os seus detratores e difamadores em todas as gerações, talvez com mais razão do que eles mesmos imaginavam. Mas quando Jesus agonizava na cruz em terrível sofrimento, horas e horas no sol ardente, o sangue escorrendo de todas as suas feridas com moscas esvoaçando sobre elas, e até mesmo quando lhe deram vinagre para beber, a fé de Judas não esmoreceu nem por um instante: eis que já está chegando. Eis que o deus crucificado já vai se levantar, livrar-se dos pregos e descer da cruz, e dirá a todo o povo, prostrado em seu assombro: amem uns aos outros.
E o próprio Jesus? Mesmo nos momentos em que agonizava na cruz, na nona hora, quando a multidão zombava dele gritando: salve a si mesmo se puder e desça da cruz, ainda o fustigava a dúvida. Serei eu realmente o homem? E mesmo assim, talvez ainda tentasse se agarrar, em seus últimos momentos, à promessa de Judas. Com o que lhe restava de forças puxava as mãos presas com pregos à cruz e puxava os pés também pregados, puxava e se sacudia, puxava e gritava de dor, puxava e clamava a seu pai no céu, puxava e morria tendo nos lábios as palavras do livro dos Salmos: Eli Eli lama shabachttani, que significam, meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Tais palavras só poderiam sair dos lábios de um homem agonizante que acreditava, ou talvez acreditasse, que o Deus realmente o ajudaria a arrancar os pregos, realizar o milagre e descer inteiro da cruz. E com essas palavras agonizou e morreu, dessangrado, como humano, como carne e sangue.
E Judas, cujos olhos horrorizados viam o sentido e o objetivo de sua vida se esfacelar, Judas, que compreendeu que com suas próprias mãos tinha causado a morte do homem que amava e admirava, foi embora de lá e se enforcou. Assim morreu o primeiro cristão. O último cristão. O único cristão.
Eis uma bela dissertação de comportamentos que possuem coerência e podem ser verdadeiros, frente uma diversidade de outras dissertações, algumas delas já expostas neste diário. O que quero ressaltar com essa extensa cópia do texto é para dar um sentido à traição, que muitas vezes tem uma conotação diferente daquela que a maioria imagina. Da mesma forma eu posso também ser considerado como um traidor por ter saído de dois casamentos onde minhas esposas esperavam um comportamento que eu não tinha mais condições de exibir, pois eu deveria ser fiel às minhas convicções, se quisesse ser honesto comigo mesmo, se quisesse amar a mim mesmo como pré-requisito para amar a humanidade. Talvez eu seja considerado uma espécie de Judas por algumas pessoas, mas espero que um dia a compreensão do ideal que está por trás daquilo que eu faço venha a me inocentar, como pode ser visto nos sentimentos e pensamentos de Judas quanto a Jesus: o traidor não foi mais do que o seu discípulo mais crente na sua origem divina e que imaginava que ele tinha condições de transformar de imediato a humanidade egoísta em cidadãos do Reino dos Céus.