Observamos que Jesus Cristo iniciou a sua missão aos 30 anos, e morreu aos 33 anos. Ficaram então apenas 3 anos para passar suas lições aos apóstolos, aos discípulos, que mesmo sendo pessoas rudes, pescadores, foram encarregados de difundir essa mensagem pelo mundo.
Os apóstolos, que sofreram influência direta do Mestre, construíram uma consciência crítica, firme nas lições teóricas e práticas recebidas. Porém, aqueles que viviam perto ou longe dEle, mas não prestavam atenção nas lições e praticavam o mal, mesmo com a determinação de ser cristão.
As diversas culturas ocidentais tentam seguir o Evangelho; o Papa é o grande condutor do legado do Cristo, e diversas agremiações religiosas são erguidas com nomes bíblicos, porém, o conteúdo evangélico que deveria ser seguido a rigor, é esquecido e muitas vezes modificados.
Fica claro, dessa forma, que existe o pensamento cristão, cuja origem é o próprio Cristo, mas seus seguidores transformam o conteúdo do pensamento, dando novo formato, originando comportamentos contrários aquilo que o Evangelho defende.
O cristão que tem consciência das lições que Jesus deixou, que tem a vontade de aplica-los em seu ambiente, no seu círculo de amizades, jamais irá se deixar corromper. Mesmo sabendo das atrocidades que foram feitas em nome do Cristo, não irá deixar de ser cristão, pois sabe que o mal feito em nome do Cristo, é simplesmente um engano da nossa incipiente inteligência.
No processo de educação é bom termos modelos para seguir, e dentro do contexto humano, o modelo de homem de bem, próprio para a construção de uma nova sociedade, é o exemplo de Jesus. O cristianismo que é derivado dEle, é uma construção humana, e portanto, contendo os erros inerentes ao estágio primitivo de nossa consciência.
Posso condenar os erros humanos, os crimes cometidos pelo cristianismo, mas não posso condenar a Cristo por erros que nós cometemos. Ele continua sendo o referencial, o modelo pelo qual devemos nos espelhar. A sociedade harmônica que Ele disse que um dia iríamos alcançar, o Reino de Deus, está alicerçada nos homens que se sacrificam, controlam o Ego que deseja sempre boas doses de prazer.
Este é o motivo pelo qual a imensa listra de erros, de pecados, de assassinatos, feito em nome do Cristo, pelas pessoas que formam o cristianismo, não motiva a minha rejeição ao Cristo e sim ao homem pecador que não reconhece o seu erro e permanece dentro dele, apesar das advertências que sofre.
Minha consciência vem emergindo de uma situação de gueto cultural para a fisionomia do mundo atual, sem grandes raízes de convicções. As histórias, mitológicas ou verídicas, e geralmente misturadas, são elementos que formatam meus paradigmas, sempre coerentes com a Verdade e o Bem, comum e individual. As histórias das Cruzadas, da Inquisição, de Francisco de Assis, de Paulo de Tarso, todos giram em torno das lições de Jesus de Nazaré, coerentes ou incoerentes com o que Ele ensinou, mas que não transforma o centro de sua personalidade, mesmo que existam certas histórias contadas sobre Ele que não estão sintonizadas com suas lições, e até mesmo com a lógica.
Dessa forma, considero que o Cristianismo que defendo está bem relacionado com o ideal que faço da personalidade do Cristo, e as histórias que tomo conhecimento e são incoerentes com o homem que tenho como modelo, deixo de lado. Não quer dizer que agindo assim estou escamoteando a Verdade, estou apenas preservando um modelo comportamental que elegi como prioridade, e não posso deixar que uma única história discordante venha a destruir meus paradigmas. Essas histórias incoerentes ou dissonantes sobre o Cristo que conheço, não são ignoradas e deixadas para sempre engavetadas nos porões do subconsciente. São deixadas em arquivos, prontas a se articularem com outras histórias semelhantes até o momento que tenham força suficiente para criar uma nova lógica e reforma de paradigmas.
Observo os erros cometidos pelos cristãos do passado, tanto quanto observo o erro dos cristãos do presente, mas isso não quer dizer que o Cristo esteja envolvido com esses erros de perspectiva dentro da história. Catalogo os fatos que aconteceram ao longo da história e faço a minha conclusão, mesmo que isso vá de encontro a interpretação que é feita dentro da cultura e que segue como orientação para todos.
Comprometido com essa conquista histórica de valores que leva à construção dos meus paradigmas, tenho o Cristo como modelo, suas lições como indispensáveis para a formação de uma sociedade fraterna, onde a Lei do Amor seja seguida por todos. Para ser honesto com essa compreensão, a consciência detentora da presença de Deus, exige que eu siga o que surge na consciência como o correto a ser realizado, mesmo que isso vá de encontro aos valores culturais e até mesmo as minhas necessidades instintivas.
Fui criado por minha avó, que tinha mais preocupação com a sobrevivência do que com a religião. Mas ela tinha sob sua responsabilidade uma criança que logo seria um adulto e um potencial arrimo para sua vida. Então, ela não podia deixar essa criança ao seu bel prazer, induzida pelos prazeres do corpo ou tentativas do “cão”, como ela costumava dizer quando eu fazia algo errado.
Essa questão do “politicamente correto” com relação a educação das crianças, que não deviam ser exploradas no trabalho, espancadas ou perder tempo com brincadeiras, não existia para mim. As brincadeiras eram mais uma exceção do que regra, e mais ainda, não podia sair para me envolver com os “meninos perdidos” da rua. Teria que brincar sozinho em casa, usando minha imaginação, adubada pelas revistas em quadrinhos que eu colecionava com sofreguidão. Até com os meus irmãos que moravam com minha mãe, era difícil a aproximação. Eu teria que conduzir um carrinho de confeitos para vender balas e cigarros nas portas dos cinemas e na frente da boate da minha avó, sistematicamente, principalmente nos feriados e fins de semana. Também ajuntava algum dinheirinho levando um galão de água nos ombros, abastecido de uma cisterna pública para os potes das casas. Isso fortaleceu o meu corpo, enquanto as brincadeiras que eu fazia sozinho fortaleceu o meu espirito. Nas brincadeiras eu me associava aos artistas, aos mocinhos que enfrentavam os bandidos e colocava essa fantasia nas tampas de garrafas que se defrontavam umas contra as outras nos eterno duelo do bem contra o mal. Sofria bastante quando, apesar de toda a minha torcida, as equipes do mal ganhavam alguma batalha contra o bem.
A religião era apenas um detalhe, uma estratégia da minha avó para me manter afastado dos vícios, e sobre os quais ela garantia nossa sobrevivência, ao mesmo tempo que eu me aproximava de pessoas mais conceituadas na sociedade. Mas a minha timidez excessiva atrapalhava os seus planos, até as garotas pela qual eu ficava enamorado, não tinha coragem de chegar perto, nem de trocar algum olhar afetivo. A minha avó chegava a recorrer à forças espirituais, quando se sentia ameaçada por algum concorrente na área do divertimento sexual e etílico. Fui testemunha de algumas de suas manifestações, de encarnações de espíritos, que curavam, orientavam e prejudicavam os outros em troca de algo. Vi alguns sortilégios que eram usados contra ela e outros que ela usava contra seus concorrentes. E via os seus efeitos, podia ser coincidência, mas parecia que os espíritos cumpriam suas promessas, não importava o conteúdo ético delas.
Nesse período, a religião, o cristianismo era simplesmente um motivo para sair de casa e ter uma tarefa diferente. Nem a ajuda que eu dava nas missas, nem o trabalho que eu tinha quanto escoteiro em auxiliar na condução das procissões, deixou nada impregnado em minha mente. O que ficou mais impregnado, era o fato das brigas com facas no meio da rua, onde a morte rondava os oponentes; era chegar da escola e ver agonizando na calçado uma pessoa esfaqueada, com uma vela que haviam lhe posto nas mãos; era os dias de chuva, onde eu colocava o meu calção e ia tomar banho nas biqueiras e adorava quando tinha alguma menina para eu ficar roçando displicentemente o meu corpo molhado nelas, que aparentemente gostavam também da situação. A questão do onanismo também surgiu naturalmente, com a curiosidade com o meu corpo e o prazer que aquela movimentação proporcionava. Nunca a religião chegou a ser obstáculo para isso. A minha consciência estava mais associada as fantasias que eu produzia nos momentos lúdicos que eu encontrava, também uma atividade solitária.
As rezas que aprendi simplesmente faziam parte de um ritual, que não chegava a ser ameaçador nem protetor para mim. O meu mundo real era a imaginação romântica que eu fazia dos relacionamentos e do futuro que um dia chegaria.
Não tive motivos para abandonar um Cristo que eu ainda não conhecia tão bem como hoje.
Lendo um artigo do articulador e escritor Richard Foxe, publicado no Recanto das Letras, quanto ao motivo dele ter se afastado da religião e ter ojeriza pelo cristianismo, fiquei motivado em seguir os seus pensamentos e procurar ver em quais pontos eles discordam dos meus. Mesmo porque ele faz uma provocação, dizendo que não pretende que quem acredita na Tradição cristã, como eu, compartilhe o seu pensamento, e que gostaria que os leitores entendessem o seu ponto de vista e que não é o de um ateu.
Não irei abordar todo o texto neste trabalho, pois terminaria sendo mais longo do que o que ele escreveu. Irei abordar por partes, e logo na primeira, ele confessa ter sido católico boa parte de sua vida; até os 22 anos era um “fervente cristão e um catequista esforçado”.
Também fui educado dentro da doutrina cristã, apesar de morar com minha avó em ambiente totalmente promíscuo, cheio de bebidas alcoólicas e muito sexo: um cabaré, na conceituação dura e clara. Mas minha avó, proprietária desse ambiente, tinha um cuidado intuitivo com minha educação, e agia com mão de ferro nesse controle. Colocou-me numa escola católica, sob a orientação de um padre e me inscreveu para ser escoteiro, ajudante das missas e procissões. Nas horas vagas eu ajudava nas suas atividades, mas sem me envolver com as bebidas ou com o sexo. Cheguei aos dezoito anos sem compreender bem como funcionava o mundo externo, nem mesmo o mundo interno, como por exemplo, a sexualidade. A escola não ensinava; em casa era praticado como agente profissional, mas para mim era tabu; também não tinha oportunidade de sair para os amigos me iniciarem nessas questões...
Aos 18 anos fui inscrito no serviço militar obrigatório, era um rapaz cheio de inibições num mundo muito competitivo: marinheiro da Marinha do Brasil. Sentindo-me desamparado, procurei dessa vez me agarrar na força divina que tão displicentemente eu seguia na adolescência. Entrei na igreja evangélica, pois ali parecia que eu tinha mais apoio dos “irmãos”. No entanto, por meus estudos entrarem em conflitos com a fé que era exigida, eu deixei essa igreja e fiquei um tempo à deriva, mais próximo do ateísmo do que nunca. Mais os meus estudos sempre apontavam na minha consciência que algo além da matéria devia existir e que “isso” era mais importante.
Foram os livros de um autor espiritual chamado Ramatis que fez eu me aproximar da Doutrina Espírita e comecei a perceber a lógica que existia dentro dos seus ensinamentos, inclusive associados à ciência, a qual tinha prioridade frente aos argumentos da fé: se entrassem em contradição, quem deveria prevalecer seria a ciência.
Foi dentro dessa doutrina que aprendi que o modelo comportamental para o ser humano frente a ética, a moral e a justiça divina, seria o modelo de Jesus. A minha consciência aprovou essa interpretação, eu não conseguia ver na história, transcendental ou material, outra personalidade mais importante, mesmo que seja pintado de diversas cores, em função de diversos interesses. Prevalecia o meu interesse de busca da Verdade, e enquanto não surgisse na minha consciência outra personalidade mais importante, seria Jesus o meu modelo e por isso me considero cristão até hoje.
Sei que o argumento do escritor Richard é muito forte e observável, a religião das pessoas geralmente é determinada pela região onde ela nasce; se é budista, islâmica, judaica, cristã, etc. Porém me coloco racionalmente dentro de cada região dessas e tento verificar se a minha consciência aponta o comportamento e doutrina desses avatares como superiores ao do Cristo, e não encontro nenhum deles nessas condições. Sei que a minha forma de pensar durante os 65 anos que tenho de vida, podem determinar um viés muito forte em favor do cristianismo. Mas por enquanto a minha consciência está satisfeita com o meu modo de pensar. Isso não quer dizer que eu condene o Richard ou qualquer pessoa que pense como ele ou diferente de nós. Simplesmente são caminhos que cada pessoa escolhe de acordo com suas tendências e oportunidades. O que nos aproxima apesar de estarmos em trilhas diferentes, é a consciência do sagrado, de algo transcendental que dá um maior sentido às nossas vidas.
A Reforma Íntima é uma das maiores conquistas que o homem pode realizar. Parece uma coisa fácil, algo que pode ser feita internamente, dentro do próprio ser, que não necessita de trabalho externo, de alguém fazer a reforma pela pessoa, como quando contratamos um pedreiro pra reforma determinados aspectos de nossas casas.
Mas, ledo engano, como é difícil a tarefa da Reforma íntima! Primeiro, porque a nossa principal tendência é ver os erros dos outros e tentar consertá-los. Conseguimos ver o argueiro no olho do próximo e não vemos a trave que está nos nossos.
A Associação de Moradores e Amigos da Praia do Meio (AMA-PM), consiste num laboratório cristão que se desenvolve nessa comunidade. As lições evangélicas que recebemos de diversas formas devem ser praticadas dentro da comunidade, apesar de todos os obstáculos que iremos ter pela frente.
Hoje tivemos a oportunidade de estudar a maledicência, dentro dos nossas atividades espirituais, de acordo com o texto que foi publicado neste espaço no dia de ontem. Observamos o comportamento de um maledicente, o cuidado que devemos ter ao ficar de pessoas com essas características.
Foi ai que surgiu uma polêmica sobre o evento de um bazar que foi realizado no ano passado e foi ressaltado o comportamento inadequado das pessoas que não fizeram com que entrasse o dinheiro que se imaginava. Essa opinião foi colocada com tanta ênfase que gerou reações emocionais em outras pessoas que estavam presentes e que tinham outra opinião. O clima ficou pesado!
Então, nós como estudantes do Evangelho temos que fazer essa reflexão: o comportamento de crítica aos moradores ou companheiros que participaram do evento, foi uma atitude cristã ou de maledicência? As pessoas que ficaram no foco de suspeitas, foram tratadas com compaixão ou com desconfiança? Caso essas pessoas tenham algum tipo de dificuldade, e sempre tem, foram ajudadas ou rechaçadas? A nossa atitude dentro da comunidade é para promover a Reforma Íntima nos moradores ou para lutarmos em fazer a nossa própria Reforma Íntima? Mesmo que tenha havido desonestidade dentro desse trabalho, qual o nosso papel enquanto cristão? Ir em busca do suspeito e fustiga-lo com nossos argumentos hostis? Procurar ver no suspeito se realmente existiu desonestidade, e qual foi o motivo que causou o pecado? Nossa atitude deveria ser policialesca ou fraterna? Condenar ou absolver?
Lembro de uma cena de um filme muito interessante, chamado “El Cid”. Dom Rodrigo, o El Cid, saiu em uma incursão com os filhos do rei e foi atacado por um destacamento do exército opositor. Na luta, El Cid e seus companheiros venceram e o filho do rei, açodado, queria logo destruir o inimigo. Mas El Cid orientou o perdão, e disse que qualquer um poderia tirar uma vida, mas somente uma alma bem elevada poderia doar a vida.
Isso ficou sempre em minha mente, a importância do perdão, o poder entre tirar ou doar a vida. Então, dentro das devidas proporções, é isso que se encontra aqui. A capacidade de perdoar aquele que caiu, que cometeu algum pecado, um tipo de crime.
Longe da maledicência, de promover a acusação e falar até coisas que não podem ter existido, que sejamos fiéis as lições do Mestre, que vejamos o que há de bom no suspeito que pode até ser inocente, e tanto quanto nós podem estar lutando para sair do meio das labaredas que atormentam suas vidas.