Parece que quando o dedo de Deus aponta para alguma pessoa, acarreta muitas dificuldades em sua vida material. Quando o pai de Saulo estava procurando uma mulher para casar com ele, foi falar com um velho rabino que tinha uma neta, Elisheba, que atendia seus objetivos. Acontece que o avô gostava muito da neta, não pensava que ela fosse sair tão cedo da sua companhia, e queria encontrar um pretexto para recusar o noivo, através do pedido do seu pai, que assim argumentava:
“Minha família não é desconhecida, tem um nome respeitável em Israel e a mãe de Débora, avó de Saulo, é de uma família ilustre. Vejamos agora meu filho. Você mesmo disse que ele tem um grande intelecto e uma mente poderosa, tendo mesmo acentuado que o Dedo de Deus tocara nele...
“- Ah! Gritou o velho alegre por ter descoberto uma desculpa para rejeitar Saulo. – Não quero profetas inflexíveis na minha família, especialmente para Elisheba, que é uma flor! O Dedo de Deus! É sensato não apenas para os homens evitar a companhia de um homem que recebeu esse toque... porém é muito mais sensato para as mulheres! Não é bom ficar nas proximidades de um homem assim. Há relâmpagos perigosos. É ele alguém feito para minha alegre Elisheba, que é como uma ovelhinha ou rouxinol na primavera? Ele partiria seu coração.”
Fico a refletir nessas considerações que o pai e o avô dos jovens, Saulo e Elisheba, respectivamente, fazem a respeito deles, principalmente quanto a Saulo. Enquanto o pai pensava que por ter sido tocado pelo Dedo de Deus o seu filho se tornaria mais atraente para um casamento, foi justamente o contrário. O avô da jovem pegou justamente esse aspecto para descartar definitivamente a possibilidade dos dois namorarem e casarem na sequência.
Fiquei um tanto quanto identificado com as dificuldades de Saulo na visão do rabino. Também sinto que fui tocado pelo Dedo de Deus de alguma forma. Talvez não tanto intenso como aconteceu com Saulo, mas um toque de Deus em minha vida, sim! De repente adquiri uma firme convicção da existência de Deus e de uma missão que ele implantou em minha consciência. Tornei-me inflexível quando a isso, e terminei desviado significativamente das normas sociais. Não perco tempo em companhia de homens vulgares. Eles também não me procuram.
As mulheres têm ainda uma maior necessidade de afastamento de mim. O sentimento de amor exclusivo que elas sempre desenvolvem com os companheiros, é incompatível com o sentimento de amor inclusivo, uma consequência do Amor Incondicional, que o Pai colocou na minha consciência. Mesmo sabendo disso, e resolvendo ficar ao meu lado como companheira, qualquer mulher sempre tem momentos de coração partido, quando sabem que estou distante ao lado de outra.
Nesta missão determinada pelo Pai de construir relacionamentos compatíveis com o Seu Reino, a principal meta é formar um núcleo amplo de relacionamentos fraternos, inclusivos, que não exista o ciúme, o ódio, a intolerância ou qualquer forma de egoísmo. Para isso ser alcançado é necessário que o coração animal que bate dentro do nosso corpo humano, seja realmente partido e vencido definitivamente.
Achei Deus por um caminho diverso de Paulo (Saul). Assim ele se exprimia de forma dolorosa, citando as palavras de Jó:
“Oh, que eu possa saber onde encontrá-Lo, que eu possa chegar mesmo ao Seu escudo! Defenderia minha causa perante Ele e encheria minha boca de argumentos. Conheceria as palavras com que Ele me responderia e compreenderia as palavras que me diria. Olhe, avanço e Ele não está lá, recuo e não O percebo! Na mão esquerda, onde Ele trabalha, mas não posso notá-Lo. Ele se esconde na mão direita e eu não posso vê-Lo.”
Foi necessária intervenção do Pai (Hillel), para tentar confortá-lo terminando de citar o resto das palavras de Jó:
“Mas Ele sabe o caminho que tomei. Quando Ele me experimentar, virei a toma como ouro! – Pois Ele executa a coisa que designou para mim.”
Finaliza Hillel, dizendo assim:
“Iremos para casa. Não nos lembraremos de enigmas, fantasias ou quimeras na segurança do nosso lar, na paz dos nossos jardins. Você recobrará a saúde, atingirá a maturidade e então Deus lhe revelará Sua vontade, bendito seja Seu Nome.”
Mas Saul volta a dizer com voz trêmula:
“Queria conhecer a imensidade de Deus, e isso me tem sido negado.”
Então Hillel resolve lhe contar uma história que ouvira na infância e que permaneceu na sua memória por ser verdadeira:
“Três santos foram ao Templo orar, meditar e refletir, e eram religiosos e bons, com muitos conhecimentos e sabedoria. Ficaram em silêncio entre as sombras dos pilares grandiosos, junto ao Altar Central, olhando para a cortina que ocultava o Santíssimo, pensando na imensidão.
“Deixaram suas mentes vagarem pelos universos infinitos de que falam os gregos, pelas constelações e pelas galáxias, que se sucediam, mergulhando na eternidade e esta não tinha fim.
“Suas mentes humanas perseguiram o universo, as constelações e as galáxias nas profundezas do espaço e do tempo, continuaram vagando e não havia fim nem princípio. E suas mentes vacilaram a esse pensamento, sem poder compreendê-lo, entendê-lo ou abarcá-lo, pois certamente, diziam-lhes seus intelectos humanos e seu conhecimento da realidade, há um princípio, há uma fronteira além da qual nada existe – e ao pensamento do nada, ao pensamento do infinito e mesmo além dos abismos de outros infinitos, mais universos, mais constelações, mais nada, sem fronteiras, suas mentes sofreram um choque, eles encolheram-se e foram tomados pelo horrível terror frio do pensamento do infinito – pois que homem pode compreender?
“Então um dos homens levantou-se e apunhalou-se no coração, pois não pode suportar a ideia de infinito, que se torou um horror despropositado para ele. o segundo ficou louco, correndo desvairado para a rua. O terceiro... – Hillel hesitou. – O terceiro perdeu completamente a fé, voltou-se para os seus companheiros e disse: ‘Deus não existe.’
Saul levantou a cabeça e tornou a olhar o rosto do pai. Hillel sorriu triste.
- Eu lhe disse, as Escrituras lhe disseram, que homem nenhum pode compreender Deus nem Sua criação, pois o que Ele vê na vizinhança e num eterno meio-dia, só pode ser conjurado pelo homem em termos da realidade de tempo e espaço do nosso débil mundo, que é uma ilusão.
- Tornou a pegar a mão de Saul, prosseguindo: - Quem procurar Deus, certamente O encontrará... e saberá quando isso acontecer, pois é um dom que tanto pode matar, salvar ou enlouquecer! Certamente, é melhor apenas amar a Deus, deixando-O revelar-Se suavemente, como desejar, e não exigi-Lo. Pois só Moisés viu o Rosto de Deus e dessa visão, como foi dito, expirou.”
O caminho pelo qual encontrei Deus também foi muito diferente do caminho de Paulo. Eu não O procurava, pelo contrário, criticava Sua existência e procurava destruí-lo com minha lógica, inteligência, coerência. Mas por mais que eu tentasse destruí-Lo, negá-Lo, mais Ele se firmava na minha consciência. Até que um dia, não podia mais continuar nessa procura intensa, pois já estaria assim fugindo da lógica, inteligência e coerência que eu tanto respeitava. Tive que aceitar a existência de Deus, do Pai, do Criador... uma energia criadora que tudo e a todos perpassa. Não cheguei a sofrer tanto quanto Paulo, quanto a essa interpretação de um Deus rigoroso e punitivo, que tudo ver e julga sem misericórdia. O Deus que eu encontrei foi aquele que Jesus ensinou, misericordioso, pronto a perdoar 70 x 7 e muito mais. Foi a esse Deus que eu submeti a minha vontade e agora procuro fazer a Sua vontade e não a minha.
Continuando a ler o livro de Taylor Caldwell, “O grande amigo de Deus”, a história de São Paulo (Editora Record, São Paulo/Rio de Janeiro, 2005 - 22ª edição, pp 234-238), deparei-me com o seguinte trecho que reproduzo abaixo, o diálogo de dois soldados romanos, pai e filho, falando de Roma da época de Jesus, que lembrou-me de imediato a situação do Brasil de hoje:
“Milo discutiu reservadamente com o pai as condições da Roma moderna e seu rosto tornou-se progressivamente sombrio à medida que se dirigiam sem parar para a Porta de Joppa.
- Já falamos nisso, pai – disse Milo -, e não chegamos a uma conclusão, a não ser que Roma, como é agora, não pode continuar, a menos que os bons cidadãos sejam cada vez mais oprimidos e finalmente escravizados a serviço dos inferiores. Sabemos que as crianças recém-nascidas não podem mais ser sustentadas pelos pais, antigamente chamados de ‘homens novos’, a classe média, e estão sendo expostos de maneira a que devam morrer. A cada dia que passa, mais impostos onerosos são descarregados nas costas dos homens laboriosos, respeitosos e produtores, para o realce de uma corte dissipadora, financiamento de fazendeiros, cobiça dos políticos, abrigos gratuitos construídos para a ralé preguiçosa, indolente, estúpida e degenerada, divertimento livre para esse mesmo populacho, construção de enormes edifícios governamentais para abrigar o sempre crescente e cobiçado exército de burocratas e outros funcionários insignificantes, celeiros que fornecem comida gratuita à malta, e os sonhos ambiciosos dos filhos de escravos libertos de transformar as ruas, becos, estradas, casas, vilas e os subúrbios de Roma numa grandiosa ‘cidade de alabastro’! Então, há as guerras para alimentar as oficinas que fabricam armamentos e cobertores para os mercenários, que esgotam a bolsa pública, agora quase vazia. Tibério César começou com um propósito nobre: restaurar o Tesouro, pagar a dívida pública, encorajar a frugalidade e punir o ócio. Mas ele também sucumbiu às pressões estabelecidas por Júlio César, que pagava a ralé para apoiá-lo.
- Nenhuma nação – disse Aulo, que havia estudado história – toma esse caminho sem sucumbir. Assim, Roma deve sucumbir.
Seu rosto contorceu-se de dor.
- Durante nossa vida – falou Milo – devemos viver virtuosamente e com vigor, desprezando os fracos e depravados, detestando os concupiscentes, exaltando nossos deuses, pagando nossas dívidas. – Sorriu. – E nossos impostos... quando seus sanguinários cobradores nos pegam.
- Se todos os bons cidadãos romanos recusarem-se a pagar os impostos, que pode então um governo tirânico fazer? – perguntou Aulo, com um olhar ansioso ao filho, mistura de humor e malícia.
Milo riu, contendo seu enorme cavalo negro para evitar atropelar um garoto imprudente. Depois, ficou sério.
- Pensa que a populaça lúbrica, os ricaços, decadentes, abandonados, preguiçosos, vis, não lutariam por seu sustento, vindo das bolsas dos orgulhosos? Garanto-lhe que César viraria a ralé contra os bons romanos, deixando-a saquear, queimar, destruir e matar à vontade, até Roma ser transformada num rio de sangue e os cidadãos úteis reduzidos à mendicância e escravidão. Lembre-se de que Catilina tentou isso, mas teve que enfrentar Cícero, que se opôs a ele e finalmente derrotou-o. Mas agora não temos um Cícero, nenhuma forte voz patriótica, infelizmente, e restam poucos romanos para lutar pela pátria, pelo respeito aos deuses, pelas cinzas dos pais e pelo orgulho heroico.
- O desespero – disse Aulo – não é um mal. É uma virtude e pode inspirar homens a restaurar a grandeza de sua nação, sua virtude, esforço e orgulho. Mas os vis eliminaram o desespero dos corações dos homens, deixando apenas vermes e Circes sedutoras, que dizem ser tudo em vão, que é suficiente enfrentar o dia e sobreviver, deixando que o amanhã se arranje. Assim, os homens que devem vigiar as muralhas e guardar as portas, olham as mulheres e filhos, encolhem desencorajados os ombros e não se desesperam. O desespero os abandonou há muito, quando os mentirosos disseram-lhes que era inútil opor-se ao governo tirânico que declarava amar a ralé e instilara nela a inveja, a cobiça, a luxúria, e a informara de que os que trabalhavam pelo pão eram seus ‘inimigos naturais’, que deviam ser arrasados pelos impostos. Se eu ousasse – prosseguiu Aulo -, ergueria um templo para a deusa do Desespero, vestindo-a com uma armadura flamejante, dando-lhe uma reluzente espada vingadora, e implorava-lhe que destruísse as criaturas corrompidas que estão comendo meu país vivo, devorando suas entranhas e bebendo seu sangue dourado!
- Como diria minha mãe, ‘Amém’ – falou Tito Milo Platônio. – Os judeus não dizem, ‘o que não trabalha não deve comer’? Amém. Amém. Roma já foi aconselhada, mas não é mais. Todavia, como disse Cícero, cada povo tem o governo e o destino que merece. É verdade.
Tinham chegado a um cruzamento. Milo e o pai sofrearam seus cavalos, fazendo com que sua comitiva também parasse. Uma multidão barulhenta e brutal estava reunida, erguendo porretes e assentando-os furiosamente nas cabeças e corpos de meia dúzia de homens no meio, praguejando e insultando-os. Os homens haviam caído de joelhos, protegendo as cabeças com os braços e implorando misericórdia. À sua volta havia livros, papéis e canetas espalhados; a ralé pisoteava-os, espalhava-os e cuspia neles.
Milo ergueu a mão encouraçada e um soldado aproximou-se a cavalo.
- Pergunte, se possível, o que está causando esse distúrbio inconveniente – disse.
Aulo franziu o cenho.
- É meu dever, como centurião, manter a ordem.
- É verdade – retrucou Milo e tornou a esboçar um sorriso. – Mas acho que, neste assunto, o senhor preferirá virar os olhos para o outro lado.
O soldado voltou, fazendo continência.
- Senhor – disse -, os homens estão espancando os coletores de impostos e, ao que parece, não querem apenas seu sangue, mas suas vidas.
Aulo preparou-se para avançar, porém Milo segurou o pescoço do cavalo do pai. Ergueu os olhos serenamente para o imenso céu azul.
- Este é um dia agradável e estou usufruindo a primeira parte da minha viagem – falou. – Vamos entrar por esta rua, que está muito tranquila.
Virou o cavalo rapidamente para aquele lado.
Aulo olhou-o, aturdido, e franziu ainda mais o cenho.
- Os coletores de impostos são nossos empregados. Estão cumprindo seu dever.
- E com satisfação – disse Milo. – Oprimem seu próprio povo, porque são uns tipinhos mesquinhos e malvados que sentem prazer à visão da dor e da aflição. Portanto, deixemos que provem o que fazem com os outros. Em proporção menor, é nossa única vingança contra os coletores de impostos de Roma, e desejemos que os romanos tenham o espírito desses pobres e maltratados judeus! Por uma vez, deixemos a deusa Justiça se satisfazer.
Aulo sorriu interiormente e a comitiva entrou na rua tranquila, afastando-se dos gritos e do tumulto, até não mais ouvirem nada.
Fui negligente, pensou Aulo. Meu dever era claro. Mas não é uma coisa horrível quando o dever de alguém é a tirania, a proteção de seres abomináveis e o castigo dos que tinham razão no seu desespero e ira? Quando deve a manutenção da lei e da ordem descer à fossa da opressão?
As suas costas, ouviu as risadas dos soldados de Milo e esperou que estivessem rindo com pensamentos semelhantes aos que estavam atravessando sua mente.
Vinte e cinco cobradores de impostos judeus haviam sido atacados naquele dia nas ruas de Jerusalém por gente desesperada e dez morreram dos ferimentos. Depois disso, durante um certo tempo, os coletores de impostos, apesar de protegidos pelos romanos, andaram com cuidado, sem roubar, extorquir, torturar, se apropriar de coisas nem convocar os guardas para efetuarem prisões. Sabiam do ódio que sua própria gente lhes dedicava e do desejo de vingança em seu íntimo, fazendo com que nada os provocasse durante algum tempo, agindo circunspectamente. Os romanos nem sempre estavam presentes.
Isso foi em parte devido a intervenção de Aulo Platônio, que publicou uma ordem determinando que qualquer coletor de impostos apanhado num ato desonesto fosse executado. O coletor devia agir clara e escrupulosamente, sem ameaças e sugestões de castigo, não devia mais extorquir, nem tirar o pão da boca de crianças ou o teto de alguém. Caso contrário, morreria publicamente, como exemplo para outros criminosos.
Uma ‘prisão e detenção’ de caráter geral fora determinada por Aulo contra os desesperados que tinham mutilado e morto os coletores de impostos, mas por qualquer motivo inexplicável nenhum jamais foi preso.
- Afinal de contas – disse Aulo de modo virtuoso aos seus colegas de farda -, na verdade não é da nossa conta. Empregamos os coletores, isso é verdade. Mas se são criminosos, que o seu próprio povo lhes faça sua rude justiça. Não dissemos a todas as nações que tínhamos trazido a Paz Romana? Acima de tudo, desejamos a paz.
Com menos ironia, porém com virtude ainda maior, o saduceu Shebua ben Abraão disse:
- É monstruoso que agentes e funcionários do governo não possam executar suas tarefas e deveres sem serem ameaçados por gente rebelde, que não respeita a lei e a ordem.
Mas então, Shebua, graças à sua amizade com Herodes e Pôncio Pilatos, pagava poucos impostos e a maior parte dos seus lucros era reservadamente depositada em Roma e Atenas, aos cuidados dos banqueiros mais discretos, que fingiam não conhecer os nomes verdadeiros de seus clientes. Os amigos de César não sofriam privações nem passavam necessidades, orgulhando-se da sua segurança e devoção à lei, ninguém ameaçava seus lares, tomava suas propriedades, inflamava seus corações velhacos com o ódio, nem diminuía suas fortunas. Também não olhavam os conquistadores do seu povo com raiva e ira, pois não tinham orgulho e o amor a Deus e à pátria não mais existia neles ou nunca tinha existido.”
Não poderia essa fala da autora, reproduzindo o que se passava na Roma antiga ser mais parecido com o que acontece no Brasil atual. A tirania exercida com a máscara da democracia usando a lei como forma de escravidão na forma de impostos, obrigando o cidadão trabalhar exageradamente para manter o sistema perverso e ganancioso em funcionamento com tendências expansionistas. Os cidadãos com perda da capacidade de se desesperarem, se deixam consumirem suas energias em fogo brando, e a terrível frase de Cícero termina por carimbar nossa fronte servil: “Cada povo tem o governo que merece”!
Escreveu Marcos no seu evangelho (1, 14-20) que depois que João foi preso, Jesus dirigiu-se para a Galiléia. Pregava o Evangelho (Boa Nova) de Deus, e dizia: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho”.
Já são passados quase 2000 anos dessa pregação de Jesus e o Reino de Deus que Ele anunciava como próximo ainda não foi realizado. Ele disse, se Marcos não se enganou, que o tempo havia sido completado, que era preciso fazer penitência e crer no Evangelho. Isso implica numa conversão, dos prazeres efêmeros do mundo material aos valores eternos do Reino de Deus. Mostrava que era urgente anunciar a Boa Nova e convocar os discípulos.
A conversão é uma condição necessária para participar do Reino de Deus. E, para pregar a conversão, precisamos primeiro estar convertidos. Fazer como os apóstolos que tudo deixaram para segui-lo. Essa é a parte mais difícil. O próprio Jesus deve ter percebido essa dificuldade. Apesar deles terem seguido o Mestre, impressionados com sua força moral, inteligência e milagres, eram confusos, covardes, interesseiros, e não chegaram a compreender o Reino de Deus que Jesus sempre ensinava. Chegaram a acompanhar o Mestre com fidelidade, até mesmo amor, mas nunca com a consciência sintonizada no que o Mestre ensinava. E Ele era o Mestre! Talvez por isso até hoje o Reino que devia ser construído não se concretizou. Até hoje, os novos apóstolos, como ontem, não conseguem aplicar na prática o Amor Incondicional nos relacionamentos, tirar a prioridade do amor romântico na construção das famílias nucleares, para construir as famílias ampliadas, universais... Não, os novos apóstolos, como os de ontem, apenas se voltam para mitigar o sofrimento dos pecadores, de curar suas doenças, de ensinar o Evangelho dessa forma, sem atacar o egoísmo que está entrincheirado dentro das famílias nucleares, com a perpetuação do egoísmo que se mascara na forma de fraternidade evangélica, que sobe aos púlpitos das Igrejas ou cátedras das academias.
Jesus também não podia ensinar tudo. Ele tinha que ensinar primeiro as primeiras coisas. Ele não podia construir relacionamentos afetivos com base no amor incondicional, que pudesse incluir a todas e todos sem preconceitos dentro da construção da família universal. Ele devia fazer, como fez, primeiro ensinar o que era o Amor Incondicional e confrontá-lo com o amor condicionado aos interesses egoístas do mundo material. Mas agora temos que aplicar o amor que Ele ensinou nos diversos tipos de relacionamento, principalmente os relacionamentos íntimos que constroem as famílias através da força reprodutiva. Se conseguirmos sucesso nessa empreitada, colocando a força do instinto sexual a serviço do Amor Incondicional e não do amor romântico, construiremos uma sociedade que não necessitará da caridade pública, pois todos viverão harmonicamente como irmãos, com justiça, solidariedade e abnegação.
O pré-requisito para essa conversão acontecer e a prática do Amor Incondicional ser aplicada é a fé nas lições que o Cristo ensinou e no Reino que Ele anunciou, pois ninguém irá sacrificar seus ídolos mundanos e vícios prazerosos se não estiver convencido de que os valores do Reino estão acima de qualquer bem deste mundo.
Acredito que eu tenha atingido esse nível. Vejo que é importante a evangelização das pessoas, principalmente aquelas que ainda não conhecem Jesus, mas considero ainda mais importante aplicar o Amor Incondicional nos relacionamentos, mesmo que assim fazendo eu detone o meu potencial de crescimento material, que não consiga acumular recursos financeiros para o meu prazer e da minha descendência biológica. Passo a considerar todos os bens materiais que recebo como uma dádiva dos bens de Deus que ele coloca à minha disposição, que devo utilizá-los de acordo com a sua vontade, pois pertencem a Ele e não a mim.
Assim, hoje me sinto convertido pelas lições e promessas do Cristo, pela lógica de Suas palavras e pelo Amor que sinto brotar de Seu coração. Hoje estou afastado dEle pelo tempo, mas me sinto muito mais próximo do Mestre do que os discípulos que caminharam com Ele, pois, sem falsa modéstia, acredito que tenho uma compreensão do Reino que Ele ensinou e anunciou com maior precisão.
Falta agora só a coragem e inteligência para implementar aquilo que sei!
A jovem auxiliar de enfermagem que conheci há 35 anos, quando eu era recém-formado em medicina e dava plantão em hospital, e ela sempre ficava a me convidar para sairmos e namorar, mesmo sabendo que eu era casado, que amava minha esposa e não queria compromisso com ninguém, e mesmo assim insistiu até que eu mudei minha forma de pensar e saí com ela... voltou a me procurar. Nada no corpo dessa mulher envelhecida, assim como eu, lembrava aquela jovem sensual que com seus seios tentadores e corpo escultural fez a mudança radical nos meus paradigmas de vida. Resolvi sair com ela para namorar, mas sem agredir a Verdade ou a Justiça. Naquela época eu não sabia ainda, mas acredito que foi o meu primeiro ato de Amor Incondicional que a partir daquele momento iria se desvencilhando do amor romântico. Saí com ela com discrição, para trocarmos os afetos que nossos corações e desejos pediam, sem o objetivo de prejudicar a ninguém, pelo contrário, trouxe um grande benefício à minha “qualidade de vida” que refletia na relação com minha esposa da época. Depois da primeira vez, saímos outras vezes, sempre com o desejo de ambos sendo atendidos, o coração satisfeito e sem sentimentos de culpa. Eu já incorporara na minha consciência que esse prazer que eu estava obtendo, a minha esposa poderia também obter, se assim fosse do interesse dela. Eu havia me libertado do sentimento machista de querer a minha mulher com exclusividade pra mim, se eu queria obter aquele prazer que agora estava tendo, ela deveria ter também o mesmo direito.
Enfim, foi essa pessoa que teve tão grande importância em minha vida, pois ao mudar meus paradigmas para longe do amor romântico, eu me aproximei cada vez mais do Amor Incondicional, até identificá-lo com Deus e compreender que era esse o caminho que Ele queria para mim. Aquela jovem foi apenas um dos primeiros instrumentos de Deus para eu entrar nos caminhos que Ele, o Pai, estava colocando na minha frente para eu seguir.
Hoje ela estava no meu consultório com o seu filho, casado e profissional, precisando da minha ajuda médica. Fiz tudo que era preciso fazer: medicamentos, atestado, orientação de procurar o INSS para buscar benefícios. O filho disse que iria ficar mais próximo dela, já que ela prefere morar sozinha, ela diz que não quer perturbar a minha vida de casado, explica ele.
Após ter feito o atendimento com um carinho todo especial, o filho disse ao se despedir que era profissional da área de serviços, que trabalhava com pintura, com eletricidade, gesso, etc. disse que tinha uma equipe que trabalhava nessa área e que eu podia ligar para ele se fosse preciso para qualquer serviço. Notei o esforço que ele estava fazendo para compensar um atendimento tão especial que a mãe estava tendo em forma de cortesia, não estavam pagando nada. Agradeci e notei o telefone dele como ele fez questão que eu anotasse.
Depois de tudo isso fiquei a refletir. Apesar dela não ter mencionado, sei que ela lembra do nosso passado, dos momentos agradáveis que passamos juntos. Ela foi uma espécie de Eva que com sua tentação me tirou do “paraíso” do casamento tradicional, exclusivista. Ela não sabe que foi o instrumento de Deus para me colocar dentro de um caminho onde o Amor Incondicional tornou-se o meu principal foco de vida. Que todas as mulheres que Deus colocou no meu caminho e que acionou os mecanismos instintivos da sexualidade, e que permitiu que nossas consciências aprovassem a intimidade do ato sexual, com a mistura da carne, do sangue, das secreções, também formassem um amálgama de nossas almas com todas as outras que assim também procederam. O instinto sexual pode ter sido o gatilho para essa comunhão, mas é a energia do Amor que mantém o respeito, a harmonia e o equilíbrio entre nossos desejos e a responsabilidade com a moral e a ética, de não fazer a ninguém o que não queremos para nós. Dentro desse contexto, jamais ninguém é abandonado, todos são considerados como irmãos mais especiais do que os outros, pois participam desse amálgama de almas, mesmo que essas relações íntimas não sejam explícitas, como deveriam ser, por causa ainda do atraso conceitual e preconceituoso que ainda domina a mente de muitas pessoas, inclusive de quem se relaciona comigo, muito envolvidas ainda com o amor romântico.
O filho da minha amiga, que não sabe que poderia ter sido meu filho, termina por agir como meu filho, quando viu que eu tratei a sua mãe com tanta dignidade. Isso mostra um reflexo da família universal que um dia construiremos para formar o Reino de Deus, onde o amor flui sem nenhuma barreira de qualquer espécie, onde cada filho gerado pode ser amparado por qualquer pessoa, pois qualquer pessoa pode ser o seu pai, e qualquer mulher pode ser uma mãe substituta para o filho do homem que ela ama, que com ela se tornou carne da mesma carne.