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ADEUS SEM PALAVRAS - CRÔNICA DE UM SUICÍDIO
             É uma prática comum a despedida entre amigos, um abraço, um gesto de adeus. É considerado sinal de boa educação, de ponte para os sentimentos. Até entre pessoas que acabam de se conhecer o gesto do adeus cabe bem na despedida.
Que dizer então de uma pessoa que aprendemos a amar, que cuidamos desde o dia em que nasceu, que nos abraça, nos beija, rir, conta piadas... Se essa pessoa quer ir para distante, talvez nunca mais voltar, não seria importante o momento da despedida? A cena do adeus? O último abraço, o último beijo?
Jamais irei entender essas despedidas sem adeus. Sei apenas que não foi uma ação intencional da pessoa amada. Sei que possuímos muitos demônios dentro do corpo e que em momentos cruciais dominam a nossa mente. Esses demônios travestidos de ciúmes, orgulho, vaidade, ódio, ressentimento, preguiça, vingança e tantas outras máscaras incendiárias ou indiferentes que eles podem usar, passeiam por nosso psiquismo e tentam a todo o momento, aproveitando das circunstâncias, nos desviar do nosso caminho. Quando eles conseguem jogar suficiente emoção em nossos pensamentos, nada que existe ao redor passa a ter valor ou significado. Nesse momento o monstro está no controle e nosso amigo pode ir embora sem despedir de ninguém. Certamente o monstro o encherá de justificativas para essa partida tão inesperada e destrutiva para todos.
Não é que o fato de ir embora seja na essência ruim. Faz parte da natureza e do fluxo da vida. Todos que aqui chegam algum dia terão que partir. Mas as despedidas são, de algum modo, previstas. Quando acontecem sem previsão devido a algum tipo de acidente, também entendemos a falta do adeus. Porém, ir embora incendiado pelas emoções e sem o adeus dos amigos parece uma falha enorme da nossa capacidade humana de suportar o sofrimento no fragor das chamas da emoção.
Lembro de uma despedida elegante ocorrida há milênios. Sócrates, condenado a ir embora à carruagem da cicuta, não fugiu do seu destino, desde que fora julgado pelos representantes da sociedade. Aceitou a partida como uma punição aos crimes que cometera, mesmo que em sua consciência se considerasse inocente. Mostrou aos amigos e familiares que queriam e podiam ludibriar a sentença, que seus princípios exigiam que ele fosse submetido ao veredicto sofrido. Ficou ao lado dos amigos até o último momento. Houve despedidas, muito adeus para a viagem sem volta do corpo.
Mas quando isso não acontece todos ficam frustrados, revoltados, culpados, impotentes... e também sofrem! Ah! Se cada um pudesse pegar os demônios que assolam o amigo e os jogassem fora da sua mente... Mas ninguém pode fazer isso. Somente a pessoa é que pode combater os seus próprios demônios.
Sei da sua capacidade de amar e sei que o Amor é a maior força que existe nesse Universo de Deus. No entanto, tem um monstrengo pegajoso, viscoso, frio e incendiário, identificado como ciúme, que tem a capacidade de infectar o Amor verdadeiro. Assim, nossa força principal, herança direta de Deus para conosco, fica intoxicada. Não sabe mais a direção do nosso futuro. Surgem as labaredas do ódio, do medo, da vingança e até mesmo o sentido de Deus não é mais alcançado por nossa consciência. Ficamos a mercê do monstro que sem menor cerimônia nos sugere matar ou morrer.
Assim, minha amiga, soube hoje que você partiu. Não se despediu de ninguém. Não quis saber de projetos seus ou de ninguém. Não quis saber do rastro de dor que iria deixar nas lembranças de sua ausência. Não quis saber do quanto poderia ajudar a quem ficou para trás.
Não estou aqui lhe condenando, não posso e não quero fazer isso. A amizade que você deixou dentro do meu coração suportará a dor que sua partida dessa forma lhe provocou.

Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 25/12/2011
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