CONFIDÊNCIAS...
Primeiro foram seus olhos e sorriso largo que me chamaram a atenção. Peguei o jornal com sua foto, olhei demoradamente e quis recortar seu retrato e guardar. Achei uma tolice, porque guardar o retrato de uma mulher que eu pouco conhecia? Mesmo assim guardei o jornal cuidadosamente comigo.
O tempo passou e o destino nos colocou lado a lado no mesmo trabalho. Já não lembrava conscientemente daquele incidente do jornal, mas com certeza tinha ficado registrado no fundo da minha memória, porque assim que eu vi ali na minha frente àquele mesmo sorriso, o mesmo sentimento voltou com toda a força, como se o tempo passado tivesse cobrado juros ao meu coração.
Que estranho, pensei, porque estou sentindo essa emoção tão forte? Apesar de ter simpatizado com ela há muito tempo e à distância, apesar de estarmos agora lado a lado nos relacionando profissionalmente, mesmo assim nossos mundos são díspares e a proximidade física que gozamos não é suficiente para diluir as barreiras que nos separam. Mas isso são os argumentos da minha razão. Vocês não sabem como é teimoso o coração. E quanta energia ele é capaz de desenvolver. E foi isso que aconteceu.
Meu coração não aceitou as ponderações da razão e a cada dia desenvolvia uma energia amorosa mais e mais específica com relação a ela. O que a razão conseguia era manter tudo isso disfarçado de forma que ninguém ao redor percebesse o que estava acontecendo no íntimo. Nem mesmo ela!
Mas, surgiu um aliado para o meu coração que quase levou a razão a nocaute e a neutralização de todas as precauções: o destino! Ora, foi esse elemento, talvez mancomunado com Cupido, que me deu pelo menos três oportunidades de ficarmos sozinhos.
Primeiro foi em minha cidade quando ela veio com mais duas colegas participar de um seminário e tivemos a chance de sair à noite. Bem que eu não estaria sozinho com ela, as duas amigas também estariam juntas. Mas isso para o meu coração já era uma grande vitória. O universo de pessoas estaria bastante reduzido. Mas, infelizmente, o motorista que as trouxeram para o evento não poderia ficar e nossos planos foram frustrados.
A segunda oportunidade foi quando ela teria que se deslocar para minha cidade para participar de um concurso e aproveitou o carro em que eu viajava semanalmente para o nosso trabalho em sua cidade para vir de carona. Tivemos a oportunidade de viajarmos lado a lado durante três horas no banco de trás. Tivemos a oportunidade de assistirmos um filme juntos num aparelho portátil que eu conduzia. O filme não era lá essas coisas, apesar de ser com o ator que ela gostava. Mas o importante não era o que estava se passando na tela e sim o que estava se passando dentro do meu peito. Se por acaso pudesse ser filmado e transmitido para a tela, vocês iriam ver quanto de ação se desenrolava naquela área. O coração inflamado pela força da emoção se agigantava no peito e queria fazer alguma coisa para tocar a pele dela, fazer com que ela sentisse de alguma forma tudo que ele estava sentindo. Por outro lado a razão colocava toda sua energia para neutralizar os impulsos do coração. Como resultado dessa luta de titãs eu ficava paralisado, contraído em toda a musculatura. Via minha mão tão perto da dela que quase chegava a sentir o seu calor e não conseguia me movimentar. Em alguns momentos, até por motivos fúteis, eu movimentava meu braço e fazia minha mão tocar na sua mão ou na sua perna, e isso fazia meu coração pular de alegria e minha razão se encolher de constrangimento. Assim transcorreu toda nossa viagem. Eu com os olhos físicos na tela do portátil e os olhos da minha alma contemplando luta tão feroz ocorrendo dentro de mim. Não sei se ela percebeu todo esse meu dilema. Será que chamou a atenção àqueles movimentos súbitos que eu fazia, tal qual um robô, só para ter a chance de tocar por um pequeno momento na sua pele? Será que ela teve a sensação, a intuição, da ferrenha luta que se desenrolava dentro de mim? Será que ela me classificou como um daqueles diversos perturbados mentais que fazem parte do seu universo profissional? São perguntas que surgem na minha consciência e tanto o coração quanto a razão procuram utilizá-las para reforçar suas respectivas posições.
A terceira oportunidade eu tenho que creditar como uma vitória do coração. Já próximo da despedida acertei com ela um encontro depois do concurso. Digo que foi uma vitória do coração porque se eu fosse usar a razão, como estou usando agora, eu não me arriscaria a ouvir um sonoro não disfarçado em palavras educadas. Também outro fato que sustenta que nesse momento minha razão beijou a lona, e por um certo tempo repercutiu na minha mente, é que os compromissos que eu tinha já previamente agendado para esse dia ficaram todos desconectados em sua seqüência como nunca aconteceu antes e cheguei ao ponto de esquecer por completo um deles. Mas, apesar dela ter aceito o encontro o coração não pode contabilizar isso como uma vitória plena ao que ele desejava. E pode até mesmo agradecer a razão que segurou as circunstâncias inesperadas num clima de harmonia e alegria. Além dela demorar além do tempo que o coração previa, apareceu com mais duas parentes e dizendo que estava indisposta, com vontade de ir para casa. Foi uma ducha geladérrima no fogo do coração. Automaticamente a razão assumiu, tratou a todas com alegria, passeou, jantou e brincou com elas e os circunstantes. Acredito que lá no fundo ele brincava até mesmo com o coração, como se tivesse ironizando o coitado: “veja só colega, tanto esforço você fez, tanto que maquinou e, no entanto nada do que você pensava se realizou, quem está no comando aqui agora sou eu”. Bem que ao deixá-las em casa e ficar sozinho, eu voltei minha atenção ao meu coração e me solidarizei com ele. Disse que me sentia orgulhoso dele ter me proporcionado noite tão agradável, mesmo que não tenha sido da forma que ele pensava. Argumentei que o mundo é assim mesmo, nós pensamos e sentimos de determinada forma e todas as outras pessoas pensam diferente, alguns só um pouco parecido. Disse também que tivesse calma, que nós tínhamos a nosso favor um grande aliado, aliás, dois, o tempo e o destino. Que bastaríamos ficar atentos às oportunidades que eles nos devem trazer como acontece a cada dia que surge.
Acho que apazigüei os dois gigantes da minha alma, o coração e a razão, pois voltamos no dia seguinte a sua cidade e aquela luta que foi travada na primeira viagem, agora não mais acontecia. No peito existia paz e calma.
Não sei quanto tempo vai durar essa calmaria, pois o coração não cansa de visitar a memória e trazer à tona detalhes de seu interesse: é o sorriso e o olhar dela, é o toque no seu corpo que foi conquistado, é o abraço que foi dado, é o som da sua voz...
Pressinto que o coração está apenas dando uma trégua para ele mesmo se recompor, readquirir energias e não sei se posso contar com a minha sofisticada razão. Tenho a sensação de estar indefeso quando ela chega perto de mim, quando fala comigo, quando ri para mim... A razão fica confusa e o coração festeja com o seu ribombar. Não sei se minha face expressa esse conflito, mas tenho certeza que quando ela olha lá dentro dos meus olhos, descobre tudo que está se passando dentro de mim.
Talvez esse seja o motivo do seu riso...
(criado em 29-05-06)
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 27/12/2011