Sióstio de Lapa
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O HOMEM QUE VENDIA ROSAS
Era um homem curioso. Alto, moreno, bonito, elegante com discrição... sempre estava por volta das 22 horas com um pacote de rosas nos braços a circular por entre as mesas. Não parecia ser um vendedor de sucesso, pois pouco oferecia o seu produto, parecia mais observar a fisionomia dos fregueses. Ia de lá para cá, de cá para lá, de um bar para outro e assim por toda noite. Algumas vezes um casal mais romântico o chamada e comprava uma das suas rosas. Raras vezes fui testemunha disso. O comum era observar apenas o seu caminhar, enquanto seguia a noite em busca da madrugada.
Certa vez estava com minha namorada quando ele surgiu mais uma vez. Ao passar próximo a minha mesa, pude perceber a profundidade do seu olhar e que se dirigia mais a minha companheira do que a mim. Assim fazia com todas as mesas. Fiquei encucado e ensimesmado com a situação. Fiz um sinal com a mão e o chamei. Escolhi uma das rosas e paguei a quantia acertada. Deixei a rosa sobre a mesa e perguntei se ele estava no ramo há muito tempo. Queria puxar conversa para procurar entender aquele ser esquisito. O que ele disse mudou o meu modo de ver o amor e jamais sairá da minha memória.
Disse que entendia a minha curiosidade e que iria me satisfazer. Disse que o seu ramo não era esse, o da floricultura ou de vendas. Havia se formado em medicina, fizera residência em cirurgia e procurava encontrar o amor de sua vida para completar sua felicidade. Mas não conseguia encontrar, por todos os lugares românticos que frequentava ninguém tocava o seu coração. Existiam muitas garotas que gostavam dele e queriam namorar, mas seu coração só permitiria isso com aquela que considerasse a eleita. E isso não acontecia. O tempo passava...
Certa noite foi chamado de urgência ao hospital. Acontecera um acidente na estrada e tinha uma jovem entre a vida e a morte na sala de cirurgia. Quando ele chegou já a encontrou na mesa de cirurgia pronta para o procedimento. Teria que ser aberto o abdome para conter o sangramento interno que o choque do acidente provocara. O seu corpo coberto pelas roupas esterilizadas não conseguiam ocultar a beleza de seus traços anatômicos. O rosto parcialmente coberto deixava entrever os seus lábios carnudos e o olhar assustado; olhar que deixava perceber o brilho de uma alma doce e a profundidade dos sentimentos. Logo que percebeu a minha presença e que seria eu o responsável por sua vida, perguntou com timidez e humildade: doutor, eu vou escapar? E deixava escapar um lamento: por favor, eu quero viver... uma lágrima corria pelo canto do olho. Fiquei extremamente tocado, por sua voz, por sua emoção... por seu olhar! Falei que iria correr tudo bem, não se preocupasse, logo mais tudo isso seria apenas uma memória desagradável num momento de sua vida. O anestesista chegou e fez o procedimento para o início da cirurgia. Enquanto o anestésico fazia efeito, ela entrou num estado alterado de consciência e sua voz falava do que ia na profundidade da sua alma, que não tinha acesso pela consciência. “Meu amado, há quanto tempo te procuro em todo local que vou... meu coração reclama tua presença ao meu lado e eu não te encontro... sei que não será preciso nem trocarmos qualquer palavra, basta trocarmos um olhar e você me oferecer uma rosa que toda declaração de amor eterno será feita, e eu, ao aceitar, lhe aceitarei como o meu amado por toda minha vida... meu querido... que ironia do destino... eu ter que lhe encontrar no ambiente de trabalho, sem que você possa me dar a rosa ou eu possa a receber... eu sei que você vai cuidar de mim... eu sei que voltarei a lhe encontrar... com a rosa... perfumada... meu amor... meu... amor...  
Enquanto sua voz sumia sob o efeito da anestesia eu sentia com toda certeza que sua alma falava com a minha, e esta respondia que sim com o aceleramento do coração. Ela dormiu e eu trabalhei. Fiz o serviço mais perfeito de toda minha vida. Retirei o risco que ameaçava sua vida e a deixei no hospital pronta para se recuperar e no dia seguinte saber de tudo que acontecera. Mas o destino não terminara de pregar suas peças sobre mim. Logo que cheguei em casa naquela noite, recebi um telefonema urgente que minha mãe que morava em outro estado acabava de sofrer um infarto agudo do coração e que precisava urgente de minha presença. Tive que pegar no mesmo momento um avião e cheguei a tempo de participar dos procedimentos cardíacos necessários para salvar a sua vida. Era necessário que eu ficasse ao seu lado no tempo de recuperação.
Quando voltei à minha cidade e procurei no hospital pela garota que eu havia operado, disseram que o trabalho foi tão bem feito que ela se recuperou em tempo recorde e seus pais a levaram para descansar longe de todo o estresse. Como o caso havia sido decorrente de um acidente, não foi possível a equipe pegar nenhum dado de identificação confiável, endereço, nome completo... percebi que a minha amada mergulhara mais uma vez no anonimato das multidões. Somente eu sabia agora que ela existia, que também procurava por mim e que a senha do nosso encontro seria a oferta de uma rosa.
Por isso, meu amigo, concluiu ele, ocupo as minhas noites a procurar entre as mesas aquele rosto, aquele olhar, e para não me considerarem um maluco com uma rosa na mão, me disfarço como vendedor e jamais permitirei vender todas. Existirá sempre uma em minhas mãos para no momento que eu a vir, mostrar o sinal e começarmos a viver.
Disse tudo isso e foi embora. Vi a sua figura se afastar e se perder entre as mesas. Um enorme respeito surgiu em meu peito por aquela pessoa que tanto sabe o amor que tem e para quem entregar, mas não sabe onde achar. Um sentimento de vergonha também senti. Estava ali com minha namorada, comprei uma rosa e nem ao menos ofertei para ela com educação. Agora era tarde, ela também ouvira a história e se fosse dar agora nesse momento seria pura hipocrisia. Será melhor não tocar no assunto. Pedi a conta e nos retiramos. A rosa ficou sobre a mesa. Talvez, quem sabe, a amada do nosso amigo passe pelo local e veja na rosa os rastros de quem a procura com tanto amor para dar.
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Enviado por Sióstio de Lapa em 27/03/2012
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