O PRIMEIRO ANO DO RESTO DA MINHA VIDA
Vivi sempre na companhia de alguem. Primeiro a minha mãe, seguido pela avó materna, companheiro do serviço militar, primeira esposa, segunda esposa. Ao longo dos meus 58 anos, apenas desde os trinta anos comecei a desenvolver uma idéia ampla de liberdade, tão ampla, forte e definitiva, que era impossível a conceber e não tentar a colocar em prática. No entanto, como nos últimos trinta anos vivi com uma companhia feminina num formato de casamento tradicional, essa liberdade que eu sentia, apregoava e defendia na prática, era combatida severamente por minha própria companheira, que desejava um amor com exclusividade e não a minha forma de amar, sem exclusividade. Esse foi o ponto crítico que, apesar de todas as argumentações e planejamentos de convivência, sempre voltavam as áreas de desajustamento que impediam uma harmonia interna e segura. Assim, num dos momentos de crise de ajustamento, fui mais uma vez mandado embora de casa, sem nenhuma contemplação, sem nenhum consideração por tudo que eu demonstrei ser ao longo do companheirismo que praticávamos. Nem a chave da casa eu tive o direito de permanecer com ela. Com todas as minhas roupas jogadas dentro do carro, vi a cena de um antigo filme ser repassada na minha frente, dentro de mim. Não poderia deixar que isso voltasse a acontecer. Teria que assumir a minha condição de vida, o meu paradigma existencial, de amor não exclusivo o que parece implicar numa vida sem uma companheira definitiva. Dessa forma, 2010, começou com essa característica radical em minha vida, aprender a viver sozinho, mesmo cercado de amores que minha consciência não quer deixar ou isolar nenhuma delas. Seria o primeiro ano do resto de minha vida.
Devo voltar o foco da minha existência para o relacionamento prioritário com os filhos e com a diversidade de amores e suas características intrínsecas que gravitam ao meu redor. As diversas perspectivas que tenho na condução dos meus projetos de vida estão agora em processo de serem viabilizados com mais eficácia. Depende agora exclusivamente de mim, não tenho outra pessoa ao meu lado que sirva de motivo para que eu retarde os projetos. Os meus grandes adversários internos vão ficar mais expostos, principalmente a preguiça. A gula, por outro lado, vai ter um melhor controle, pois não terei o estímulo sempre freqüente para a alimentação promovido por minhas parceiras.
Os meus filhos terão agora um foco especial, principalmente AFR que fica mais aproximada de mim. Em conseqüência a sua mãe também se aproxima e isso termina constituindo um risco a mais, pois ela tende a assumir o papel da companheira, da esposa e exigir, pelo menos implicitamente, um amor exclusivo. Terei que conduzir isso com muita cautela.
As mulheres mais próximas de mim, RM, SV e CF. Essa última não pretende assumir o mundo que advogo, o Reino de Deus baseado no amor não-exclusivo. RM e SV aceitam esse mundo apesar de mostrarem muita dificuldade com as conseqüências que ele apresenta, principalmente os momentos de solidão, quando cada uma sabe que eu estou com a outra. Esse sentimento deve ser transformado em fraternidade, em algo necessário para a estabilização do relacionamento, pois ele só pode ser plural se cada uma individualmente aceitar a condição de ficar só para eu estar com a outra. Também fica claro para todas elas que essa minha ausência pode ser compensada por qualquer uma outra pessoa do interesse delas, sem nenhuma idéia de revanchismo.
A base de funcionamento de tudo isso será os evangelhos de Jesus, os ensinos de amor que ele deixou. Só não pode ser aplicado o casamento como está colocado na Bíblia, mas os relacionamentos com base no amor não exclusivo ficam muito mais próximos do Amor Incondicional, que é a Lei maior de Deus, do que do amor exclusivo do casamento tradicional.
Outubro de 2010
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 28/02/2013