CARTA AO PAI
Pai, é a primeira vez que venho à Sua presença no seu mês convencionado por nós humanos, seus filhos, para lhe homenagear. Ao fazer isso me sinto um tanto estranho, pois eu não sou assim tão ingrato e como deixei isso acontecer? Tanto tempo sem Te reconhecer?
Eu sei que tudo que tenho, que tive e que poderei ter vem de Ti. Inclusive um pai biológico para quem são dirigidas as homenagens da maioria dos filhos neste mês. Mas me considerei órfão desse pai logo cedo, pois nem ao menos eu tenho formada a sua imagem em minha memória, apesar dele ter morrido quando eu tinha 17 anos. Ele morava em outra cidade e nunca teve interesse em vir me ver, o que eu precisava, falar comigo... Nunca tive desgosto por isso, nem chorei ou me desesperei... Minha mãe e minha avó supriram minhas necessidades e minha alma satisfeita já entendia fora da minha consciência, que esse era o desejo de Deus, que Ele estava me preparando dessa forma para uma missão especial.
Foi Tu, Pai, que me deu outra compreensão, essa compreensão de que o meu pai biológico não teve qualquer expressão em minha vida financeira, filosófica ou afetiva; que fui criado por minha mãe e principalmente a minha avó; que eu não devia ter queixas dele, afinal também ele era um instrumento de Deus e talvez tenha sido essa a sua missão junto a mim, para que eu saísse desse foco mundano e o reconhecesse, Pai, com toda a magnificência que eu reconheço agora. Da mesma forma que Judas desempenhou o papel de traidor para que vosso principal filho tivesse as condições de demonstrar a plenitude de suas lições.
Então, Pai, agora compreendo por nunca ter tido o afeto ou a simples presença do meu pai... Nunca ouvi dos seus lábios a frase “eu te amo”... Nunca lembro de ter visto os seus olhos amorosos sobre mim!...
Então neste mês, o que tantos fazem na homenagem aos seus pais biológicos, eu não tenho qualquer motivação para fazer o mesmo. Mas tenho agora a motivação despertada por essa circunstância da minha vida, a compreender que ao mesmo tempo que o meu pai biológico nunca esteve ao meu lado, o Senhor, meu Pai, jamais deixou de estar comigo, e agora eu lembro...
Quando eu corria no escuro da madrugada sobre as carteiras escolares e escorregando o pé deixei que a minha perna fosse cortada com o trauma da quina da madeira... minha primeira ação foi chamar por Teu nome, meu Deus! E Tu me acolheu nas minhas lágrimas e espantou o medo que se fazia na visão do sangue...
Quando eu correndo nas minhas brincadeiras da infância, ao atravessar a rua sem prestar atenção ao trânsito, senti o meu corpo de repente ser suspenso no ar ao mesmo tempo que passava um carro em alta velocidade à minha frente. Nunca consegui ver o rosto daquela pessoa que me salvara, mas entendo hoje que foi um anjo que enviastes naquele momento...
Quando eu ficava de castigo trancado num quarto escuro devido as minhas peraltices de criança e o medo fazia disparar o meu coração. Logo eu sentia que chegavas perto de mim, falavas na minha mente com carinho dos erros que eu havia cometido e que eu ficasse calmo que Tu não sairias de perto de mim...
Quando eu fazia pós-graduação em São Paulo e adormeci dentro do ônibus no retorno a noite para casa e fiquei sozinho em bairro perigoso além da meia noite, sem saber por onde ir, a quem chamar... De repente surge um táxi e o motorista surpreso por me ver ali tão desamparado, exposto a tantos perigos, e mais ainda, por ele ter feito aquele trajeto de volta para casa, fato que nunca acontecera. Agora eu sei, Pai, que fostes Tu que o mandastes para mim...
Quando meu filho corria risco eminente no mar sobre uma prancha de surf, sem saber que uma deficiência no ombro o impediria de nadar se necessário, e Tu enviaste outro emissário que através de um médium mandou um recado de advertência, que obedecemos e mais tarde verificamos a veracidade da deficiência e que poderia ter sido fatal no mar...
E assim foi, Pai, ao longo da minha vida, com tantos exemplos que eu não poderia colocar aqui sem transformar esta carta num compêndio de ações de amor de um pai ao filho. Em qualquer dificuldade eu Te chamava e Tu logo se mostrava presente. E principalmente na minha educação, Pai, fostes de uma competência que somente Tua imensa sabedoria poderia aplicar. Colocaste-me sob a guarda da minha avó, num ambiente que era uma verdadeira fornalha perniciosa do amor romântico, uma boite, um cabaré, com todos seus derivados negativos do ciúme, da vingança, do prazer dos sentidos, de drogas, prostituição, exploração do próximo, falta de compaixão... Querias me ensinar os desvios que leva o amor romântico, para em seguida mostrar a força do Amor Incondicional e que eu não deveria deixar o amor romântico sem controle. A minha avó foi o Vosso instrumento. De um vigor excepcional, ela não deixava que eu me envolvesse com esses prazeres, evitava minha proximidade com as mulheres, com as drogas; matriculou-me em escola religiosa, em grupos de escoteiros e nem mesmo brincar com as crianças daquela comunidade eu podia, devia ficar em casa sozinho com meus brinquedos de tampa de garrafa e trabalhar... trabalhar... trabalhar... Quando por algum motivo eu saia dos seus padrões rígidos de educação, sofria os efeitos de uma corda que até hoje deixou as marcas nas minhas costas.
Meu Pai! Com quanta sapiência e proteção cuidastes de mim... Com quanta paciência aguardastes que eu vencesse a minha ignorância de só acreditar no que via, e agora no outono da vida é que venho reconhecê-Lo como tal e fazer essa humilde homenagem, com tanta vergonha pelo tempo perdido.
Recebes, Pai, minhas palavras de agradecimento e meus votos de sempre respeitar e obedecer a Tua vontade, qualquer que sejam as circunstâncias.
Obrigado pelo pão, o alimento para o meu corpo; o amor, alimento para meu espírito que nunca me faltaram.
Obrigado por me ensinar a ser um pai biológico com o Teu modelo, já que não tive um modelo biológico. Sei que me destes filhos para que eu seja testado na distribuição da justiça, na oferta das necessidades, no aconchego do afeto e sempre obedecendo à missão que me confiastes, de aplicar o Amor Incondicional em prol da Família Universal.
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 31/08/2013