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EXEMPLO DE CARIDADE
“Estava andando por um espaço livre de construções onde os jovens geralmente se reuniam para jogar futebol. Prestei atenção num buraco isolado, não profundo, que aparentava ter sido usado para colocar as traves do goleiro. Interessante que só havia um, e para colocar traves seriam necessários dois buracos. Desviei um pouco a linha da minha caminhada para passar por perto do buraco e procurar entender qual a finalidade pela qual foi feito o buraco. Não conseguia imaginar para que servisse. Foi então que uma ponta de papel que emergia na areia do fundo, aumentou a minha curiosidade, pois pareciam cédulas de dinheiro. Fui até lá e puxei o papel e vi sem dificuldade aparecerem diversas notas. Era um monte de dinheiro que estava dobrado em cédulas de cinquenta reais e dobradas, cobertas de areia, naquele buraco. Imaginei que alguém tinha guardado, mas como fazer isso nesse local tão precário? Ainda por cima deixou o buraco semiaberto como forma de identificá-lo quando voltasse. Mas essa pessoa não havia imaginado o risco de outra pessoa, como eu, ter despertado a curiosidade e ir até o local e descobrir o dinheiro, uma vez que não estava suficientemente coberto?
Guardei o dinheiro comigo, sabendo que a pessoa que fez isso logo iria se manifestar por sua procura e assim eu podia entregar ao verdadeiro dono.
Assim aconteceu. Como eu moro nas proximidades desse campo baldio, no dia seguinte vi uma movimentação de pessoas procurando algo, aflitas, em torno do local onde encontrei o dinheiro. Entre elas a mais aflita parecia ser um jovem de aparência diferente, parecia ser portador de um retardo mental. Ao me aproximar para saber o motivo de tanto alvoroço, descobri que aquele jovem havia pego o dinheiro que o seu pai, um pedreiro humilde, acabara de receber, 8.500,00 reais, fruto de um trabalho intenso que fizera durante três meses como forma de economizar para reformar sua própria casa que já estava sem condições de moradia. O seu filho de 22 anos que é retardado mental e mora consigo, por tanto ouvir falar da falta de segurança que existe no bairro, da invasão das casas e roubo de dinheiro e objetos domésticos, resolveu ajudar o pai e guardar o dinheiro em local mais seguro, onde somente ele sabia. Agora ele estava confuso, pois pensava ter colocado num buraco que fez nesse campo baldio e não encontra.
Pensei em entregar de imediato o dinheiro achado, mas percebi o clima de ansiedade e agressividade que existia no momento, com o pai vociferando palavras duras, de baixo calão, sobre a inocência do filho. Mesmo que isso representasse a perda do resultado de meses de trabalho pesado, não justifica perante Deus tamanha atitude, talvez justifique perante a maioria dos homens. Como eu me considero como instrumento da vontade de Deus, não poderia entregar o dinheiro nesse contexto, pois pareceria que eu estaria recompensando tanta violência naquele pai de família ferido.
Deixei para entregar no dia seguinte, depois da família ter saído daquele incêndio emocional e de eu ter encontrado a melhor forma de fazer essa entrega. Vi logo que essa entrega do dinheiro atendia a Caridade e a Justiça. Mesmo que em minha família eu percebesse necessidades entre meus irmãos de pagar suas dívidas mais perturbadoras e a doação desse dinheiro a eles iria resolver a situação de todos, inclusive com a compra de uma televisão nova que os meus sobrinhos tanto pediam ao pai. Mas, me lembrava das lições do Mestre Jesus, “não fazer ao próximo o que não queiras para ti”. E o meu próximo com relação aquele dinheiro que eu havia achado, não era nenhum dos meus parentes, por mais íntima que seja a nossa convivência. O meu próximo era aquele pai que acabara de perder o seu suor de três meses. Nem era tanto o filho que patrocinou a perda, pois ele não tinha o alcance cognitivo para avaliar adequadamente o que havia feito.
Então, no dia seguinte, certamente intuído durante a noite de sono por meus “amigos” espirituais que também desejam ser instrumentos do Pai, fiz as seguintes providências.
Comprei dois envelopes, um pequeno e um maior. No maior eu coloquei uma carta endereçada a um locutor de rádio bastante popular na cidade que é ouvido com certeza por todos os bairros humildes. Escrevi o seguinte: “Sr. D.J., neste envelope pequeno encontra-se o valor integral do dinheiro que achei enterrado no campo baldio do bairro onde moro, junto com uma carta dirigida à família. Como agora sei quem o perdeu estou entregando ao senhor para que chegue as mãos dos seus legítimos donos. Resolvi fazer assim, pois entendo que esta é uma ação de justiça e caridade, e como Jesus ensinou, a caridade perfeita é aquela que é feita no anonimato. Portanto, fazendo isso eu espero a recompensa de Deus e não dos homens. Podia ter entregue a carta da família por baixo da sua porta, mas entregando a você a quem eu peço que leia esta carta no ar, eu também colaboro com a evangelização dos meus irmãos que lhe ouvem. A importância disso é que essa história ao ser contada, a pessoa que conta não sabe se aquela que ouve foi ela mesma quem fez a lição do Cristo. Isso fortalecerá o sentimento de fraternidade na comunidade, que é o desejo do Pai. Agradeço a você, caro D.J. pela divulgação do caso e entrega da carta, e a todos os meus irmãos pela atenção na lição evangélica”.
A segunda carta que era dirigida ao pai do jovem, juntamente com o dinheiro perdido, tinha o seguinte conteúdo. “Senhor X.Y. Eu o conheço, moramos no mesmo bairro e acompanhei todo o dilema de sua perda. Podia ter lhe entregue ontem mesmo o dinheiro perdido, mas vi que sua mente e coração estavam tumultuados pela violência e desespero de tão grave perda para seus projetos materialistas. Mas como sei que voce é um homem de bem, prova tanto o esforço em ter economizado tão alta quantia para os seus padrões, achei que o seu coração iria se voltar a Deus durante o sono e pedir a Ele ajuda nessa dificuldade. O Pai que sempre está atento ao que se passa com seus filhos, observou as boas intenções do seu filho especial que Ele deixou sob sua guarda e me intuiu como seu instrumento para ir até o local, fazer o resgate do seu dinheiro e lhe entregar como estou fazendo. Deus não quer que eu também seja identificado, pois a recompensa que voce podia me dar como parte do seu dinheiro, ou mesmo um olhar ou um sorriso de agradecimento, você fica obrigado a dar a todos que se aproximarem de você, pois entre eles eu posso estar presente. Fique sempre na proteção de Deus e que nada neste mundo de aparências tenha o poder de lhe roubar a paz ou a fé.”
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 17/09/2014


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr