QUEM TEM FÉ?
Como será essa virtude? Como podemos conservá-la intacta no coração? Será que somente os homens cultos podem conhece-la e mantê-la com todos seus benefícios? Ou será que basta a nossa vontade para que a confiança em Deus esteja viva em nós? Será que é uma virtude apenas para os que a desejam?
Jesus esclarece, dizendo que pertence, principalmente, aos que trabalham e confiam. Tê-la no coração é estar sempre pronto para Deus. Não importam a saúde ou enfermidade do corpo, não tem significação os infortúnios ou os sucessos felizes da vida material. A alma fiel trabalha confiante nos desígnios do Pai, que pode dar os bens, retirá-los e restituí-los em tempo oportuno, e caminha sempre com serenidade e amor, por todas as sendas pelas quais as mãos generosas do Senhor a queira conduzir.
Mas, como discernir a vontade de Deus, naquilo que nos acontece? Há muitos criminosos que atribuem à Providência os seus feitos delituosos e também uma legião de pessoas inertes que classificam a preguiça como uma fatalidade divina.
Jesus explica que a vontade de Deus pode ser conhecida pelas palavras dos profetas, por meio dos conselhos sábios e das inclinações naturais para o bem. É também a que se manifesta a cada instante da vida, misturando as alegrias com as amarguras, concedendo a doçura ou retirando-a, para que a criatura possa colher a experiência mais luminosa no caminho mais espinhoso. Ter fé, portanto, é ser fiel a essa vontade, em todas as circunstâncias, executando o bem que ela nos determina e seguindo-lhe o roteiro sagrado, nas menores curvas da estrada que nos compete percorrer.
Acredito que estou desenvolvendo essa fé, pois tudo que acontece eu compreendo que seja a vontade de Deus se manifestando em minha vida. Da mesma forma, toda pessoa de fé será, agora ou mais tarde, o irmão querido, de sabedoria e de sentimento, uma qualidade de lealdade ao Pai.
Sei que não somos perfeitos e não posso julgar a fé de ninguém. Podemos encontra-la no peito exausto dos mais infelizes ou desclassificados do mundo.
Também podemos refletir colocando dúvidas na fé: onde estava aquele Deus amoroso e bom que oferecia ao filho dileto apenas uma cruz? Por que motivo Ele não rasgou as cortinas do horizonte para que Suas legiões de anjos salvassem do crime da multidão inconsciente e furiosa o Mestre amado? Que Providência era aquela que não se manifestava no momento oportuno? Deus guarda todo o poder sobre o mundo, e como explicar Ele tolerar todo espetáculo sangrento sobre o Seu Enviado, amorável e carinhoso, conduzido para o madeiro infame sob impropérios e pedradas? O prêmio do Cristo foi somente aquele monte da desolação reservado aos criminosos? Podemos imaginar... aquelas mãos que haviam semeado o bem e o amor, agora agarradas à cruz como duas rosas ensanguentadas. A fronte coroada de espinhos era uma ironia para a figura sublime e respeitável do Mestre. Seu peito trêmulo, ofegante, seus ombros pisados e doloridos... valera a pena haver distribuído, entre os homens, tantas graças do Céu? O malfeitor que assalta o próximo, de todas as maneiras, parece ter maiores e mais duradouras compensações.
Ninguém a quem tanto ajudou estava próximo do Mestre, solidário com suas dores. Aqueles leprosos que haviam recuperado o dom precioso da saúde, os cegos que conseguiram ver os quadros coloridos da vida, os aleijados que haviam cantado hosanas à cura de seus corpos defeituosos, estavam agora ausentes, fugiam ao testemunho. Valera a pena praticar o bem?
Quem havia sido mais fiel ao Pai que Jesus? Entretanto, a sua recompensa era a cruz do martírio! Como ter fé em tais circunstâncias? Se pudéssemos dar um zoom naquela cena última da crucificação, veríamos com surpresa que o Messias lançava um olhar enternecido sobre um dos ladrões que o fitava afetuosamente. Teríamos percebido que a voz débil do bandido se elevava para o Mestre:
- Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu reino!...
O olhar caricioso do Mestre podia dizer sem palavras:
Vês, incrédulos de todos os tempos? Quando todos os homens da lei, doutores, acadêmicos, nobreza e sacerdotes não me compreenderam, e quando todos que ajudei e os meus próprios discípulos me abandonaram, eis que encontro a confiança leal no peito de um ladrão!...
Esta é uma lição profunda que consigo entender somente a superfície, mais sei que tem ainda maior conteúdo a conhecer sobre a fé. Por enquanto fico satisfeito com o nível em que me encontro, sabendo que tenho que me esforçar ainda mais para adquirir racionalmente mais conteúdo sobre essa virtude.
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 10/12/2018