Sióstio de Lapa
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LÁGRIMAS DA CASA
Não sei como explicar. Sou feita de cimento e tijolos, não tenho movimentação e muito menos emoções. Mas hoje amanheci diferente. Talvez com o que aconteceu comigo nas últimas horas. A minha dona pareceu transtornada. Fechou todas as portas, inclusive o portão para o carro não entrar, se trancou em seu quarto e escreveu para meu amigo: não precisa você voltar para casa...
Como assim? Fiquei a pensar... se ele é minha alma? Se com ele eu sinto minhas paredes internas cheias de calor afetivo, de amor, de solidariedade? Sou testemunha de quantas vezes ele falou com alguém, em grupo ou em particular, para elevar a alma, combater o sofrimento, ser solidário nas dificuldades? As minhas paredes externas, eu vejo o seu esforço para me encher de flores, arrancar com as mãos as plantas daninhas, podar o excesso das folhas, adubar, regar, alimentar beija-flores, tolerar os sapos e pererecas. Vejo quando ele vai dormir tarde sobre os livros, procurando aperfeiçoar a sua sintonia com o Divino, quando ele acorda cedinho ao toque do despertador e vai fazer exercício para disciplinar o corpo dado por Deus, vejo o suor pingando o esforço para cumprir a ordem da consciência. Não posso fazer nada, a não ser manter o meu chão firme e acolhedor ao esforço do corpo, mas vejo as plantas e aves se solidarizarem com seus esforços, jogando pétalas de rosas e penas branquinhas que o vento suavemente depositam ao seu lado.
Agora eu vejo ele chegar, com toda boa disposição de festejar o aniversário dela que se realiza hoje... mas o que acontece? Parece que as trevas encontraram lima brecha em seu coração e o encheu de ciúmes, o monstro de olhos verdes da mitologia. Assim dominada ela me fechou toda. Vejo meu amigo tentando me abrir e consegue com a chave que ele possui, mas sua consciência não permite ficar onde alguém não lhe deseja. Eu não posso contar, não posso votar, nem mesmo falar. O máximo que posso fazer é derramar minhas lágrimas no ventre frio das minhas paredes e que se confunde com o vazamento de minhas torneiras.
Vejo ele sair carregando os livros, companheiros de seu infortúnio, de quem quer obedecer ao Pai, não importando que tenha de pagar o preço da solidão, do golpe triste da ingratidão.
Vai, meu amigo, segue o teu destino ao lado do Pai, pois sei que por onde andares estarás plantando flores, mesmo que regadas com suas lágrimas.
Eu ficarei aqui disfarçando as minhas emoções que eu pensava não existir, com as lágrimas da chuva que agora te acompanha, como solidariedade da Natureza a que tu tanto ama.

Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 18/04/2019
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