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CONVERSA COM O MAR
Na última caminhada que fiz da Praia do Meio para Ponta Negra, tive a companhia constante do mar, que sempre estava do meu lado esquerdo, e por cima dele eu percebia a ascensão do sol.
Tive oportunidade de sentar um tempinho na areia e ficar deitado numa pequena piscina feita entre as pedras, protegida das ondas, de aguas claras e refrescantes. Ouvia o som nostálgico e constante das ondas do mar batendo nas pedras, se espalhando pelas areias. Era uma linguagem já conhecida, que está armazenada no fundo da minha consciência, dos tempos remotos, onde deste mar eu fazia meu berço. Lembro a minha formação como uma simples célula, tal qual uma ameba, a passear por esse oceano, sem ter ainda nem um pingo da consciência que tenho hoje. Foram tantos milênios, até eu chegar na condição que me encontro hoje, reconhecendo o meu passado e prospectando o futuro. E tu está aí, querido mar, como ontem, como hoje, guardando segredos ainda desconhecidos, mesmo que já tenhamos pisados na lua. Te demos um Deus, Poseidon ou Netuno, seres miraculosos como dragões ou sereias, mas talvez o mais miraculoso tenha sido nós, gerados no teu ventre e agora viajando pelas estrelas.
Fiquei a meditar a parecia ouvir a voz sem timbre da energia marinha... sim, filho, és fruto das minhas entranhas e até hoje corre em tuas veias o sabor salgado da minha natureza, tua constituição ainda tem 70% da minha participação. O Pai de todos nós delegou a mim a tua formação biológica, saístes do meu seio para a terra com os principais instintos desenvolvidos, capazes de tua sobrevivência. Fico muito satisfeito, que hoje estejas aqui a conversar comigo, sabendo o papel que eu tive para contigo, sabendo da existência do Pai que te criou e me criou. Por isso entendo quando tu corres e me identificas como “irmão mar”, pois é isso que sou, apesar de ter tido um papel de padrasto ao lado de tua madrasta, a terra. Fico satisfeito, pois reconheces tudo isso. Mas, por outro lado estou triste, como se estivesse sofrendo a síndrome do “ninho vazio” que vocês humanos referem, quando os filhos vão embora cumprir seus destinos. Assim também me sinto contigo, pois vejo que estás abandonando o corpo que tanto acolhi, que focas agora o teu interesse na evolução do espírito, a energia própria do Pai. Porém, sei que deve ser assim, e por outro lado, me sinto orgulhoso por você ter atingido esse estágio e estar aqui falando comigo, reconhecendo o meu papel e dividindo comigo os teus afetos.
A brisa acariciava meu corpo trazendo consigo a maresia que eu sentia como se fosse o abraço compreensivo do mar. Senti escorrer uma lágrima pelo rosto e não consegui distinguir o sabor dela salgado com o sabor das águas que me envolvia. Reconheci que por onde eu andasse, enquanto eu tivesse este meu corpo como instrumento, com ele estaria o mar que tanto me ensinou e protegeu.
Vou sim, em direção as estrelas, mas carregarei sempre na bagagem das minhas memórias a importância do “irmão mar” para a minha aproximação efetiva com o Pai.
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 26/04/2019


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr