AÇÃO INTEMPESTIVA
Quando procuramos seguir os caminhos que Deus coloca à nossa frente, pode ser que algumas pessoas incluídas neste caminho se sintam impactadas negativamente, quando o resultado que esperávamos seria o inverso. Vem a questão: fomos intempestivos? Ação parecida foi realizada pelo presbítero Corvino, na história que Emmanuel contou através de Chico Xavier, no livro “Ave Cristo”. Corvino queria fechar com “chave de ouro” a atenção que dera ao seu filho, Taciano, que não o reconhecia como pai e que imaginava que ele, seu pai, havia sido assassinado por escravos cristãos. Daí, desenvolveu verdadeiro ódio aos cristãos. Depois de ter lutado tanto tempo para o filho se recuperar de uma doença, teve a ideia de trazer as crianças que assistia em seu espaço, para se apresentarem como um coro infantil para Taciano. Depois da bela apresentação, Corvino pediu para criança fazer a prece final, e quando ela citou o nome de Jesus, desencadeou uma forte reação emocional de ódio e violência do homenageado, que liberou o cão de guarda e terminou com a morte da criança que orava. Corvino ficou muito impactado com essas ocorrências, abatido e desencantado perguntava a si mesmo se não fora precipitado nessa homenagem, sabendo da resistência do filho contra os cristãos.
Entretanto, ele refletia: seria leviandade oferecer alguém o que possui de melhor, com pureza de sentimento? Guardava nos pequenos aprendizes do Evangelho a coroa do seu trabalho. Poderia ser acusado pela circunstância de tudo fazer por despertar um filho para a verdade? Como entender-se com Taciano, sem ranger-lhe as fibras mais íntimas? Restabelecido no equilíbrio físico, o jovem seria convocado à vida social intensa. Conhecer-lhe-ia o ministério. Seria constrangido a decidir-se. Não seria, pois, aconselhável informa-lo, indiretamente, quanto às suas atividades cristãs? E que melhor maneira de fazê-lo, além daquela de apresentar-lhe os seus princípios em uma demonstração prática de trabalho? Se o filho não conseguisse ouvir qualquer referência à Boa-Nova, pelos lábios de uma criança, em prece, como suportaria qualquer alusão a Jesus, em discussões estéreis? Não podia ele, Corvino, hesitar entre qualquer sentimento pessoal e o Evangelho. Seus deveres para com a humanidade superavam-lhe as ligações consanguíneas. Embora reconhecesse semelhante verdade, entendia lícito operar, de algum modo, em favor do filho querido. Taciano, porém, mostrara-se impermeável e rígido. Parecia muito distante de qualquer acesso à própria justiça. Petrificara-se-lhe na mente, no orgulho racial e na falsa cultura. Pela explosão de cólera a que se atirara, ao ouvir a simples enunciação do nome do Cristo, denunciava o antagonismo talvez irremediável que os separava...
O dilema enfrentado por Corvino, também enfrentei. Fui acusado de intempestivo por ter colocado na mesma sala duas pessoas em conflito. Na sala iria ser apresentada a lição de Jesus sobre a Compreensão. Da mesma forma que Corvino entendia que a demonstração prática do trabalho cristão iria sensibilizar e atenuar o ódio que seu filho sentia pelos cristãos, também eu entendia, que as duas pessoas em conflito, por já saberem em profundidade as teorias cristãs, poderiam absorver as lições dadas pelo Cristo e atenuarem seus sentimentos negativos.
Mas tal como aconteceu com Taciano nos arredores de Roma, aqui em Natal, a atitude da pessoa mais revoltada não foi nem um pouco atenuada, acredito que ela não conseguiu nem sequer ouvir as lições do Cristo que estavam sendo dadas. Só pensava que tinha sido desrespeitada por ter vindo aquela sala sem saber que a sua oponente estaria presente. Da mesma forma que Taciano ficou revoltado quando percebeu que todo aquele mimo que havia recebido de Corvino e suas crianças tinha uma origem cristã.
Teríamos sido, eu e Corvino, intempestivos? O trecho que sublinhei dá a resposta: não podíamos hesitar entre qualquer sentimento pessoal e o Evangelho. O nosso dever é transmitir as lições evangélicas e incentivar a sua prática, pois sem a prática qualquer teoria cai no vazio. A prática do Evangelho, trazendo como resultado a atitude de Corvino e de suas crianças, não foram suficientes para quebrar a resistência maldosa de Taciano; as lições de Jesus, apresentadas a pessoa que já conhece o Mestre suficientemente, não foi, no entanto, suficiente para faze-la refletir e procurar praticar a lição. O ressentimento maldoso continuou reverberando nas fímbrias do coração, sem qualquer indício de modificação.
Porém, tanto Corvino lá, quanto eu cá, compreendemos que estamos comprometidos com a humanidade, com a construção da família universal, da viabilização do Reino de Deus. Não são ligações consanguíneas ou de qualquer afeto condicionado que irá nos tirar dessa trajetória.
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 05/05/2019