Sióstio de Lapa
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PRIVILÉGIOS OU ÉTICA
Tenho dúvidas quanto ao receber privilégios de pessoas amigas que procuram ajudar em detrimento de outras pessoas. Por exemplo, em um serviço do Departamento de Trânsito em que preciso resolver alguma demanda e me deparo com uma enorme fila de pessoas com objetivos parecidos. O esperado é que eu entre no fim da fila e espere a minha vez. Mas, havendo uma pessoa amiga, esta faz sinal discreto para que eu saia da fila e resolve os meus problemas de imediato, sem que as pessoas percebam que ocorreu tal fato. Esta é a questão: foi um privilégio alcançado sem ética? Vamos colocar alguns argumentos...
Sou médico, o amigo sabe da minha profissão e que eu perderia tempo naquela fila, talvez uma vida se perdesse por este atraso de chegar ao hospital. O amigo poderia até explicar a situação a todos na fila e justificar o atendimento precoce, que deixaria de ser um privilégio, e sim uma necessidade, como uma ambulância que anuncia com sua sirene a condição e os demais carros abrem caminho para que ela passe na frente. Porém, se eu ou a ambulância não vamos prestar de imediato o serviço que estamos capacitados, então devemos ficar na fila como todos os outros.
Mas acontece que não estou à serviço, mas o amigo me deve um grande favor, de eu ter salvo a sua vida ou de algum parente, e ele se sente no dever de me render algum privilégio. Será lícito por esse motivo eu passar na frente dos outros? Ele poderá colocar o mesmo argumento para todos na fila para justificar o atendimento precoce? Será que, os frutos do exercício da minha profissão, pelos quais eu tenho o dever de produzir, justifica eu receber privilégios por esse motivo? Todos que estão na fila também são profissionais e todos produzem os seus frutos. Por esse motivo, o funcionário que recebeu determinado fruto de alguém que está na fila irá atender com privilégios a essa pessoa? Parece que esse seria o motivo para o funcionário não explicar o atendimento precoce, pois iria encontrar pessoas que se sentiriam ofendidas por que os frutos do seu trabalho não lhe estariam rendendo tais privilégios.
Esta é uma situação em que a gratidão se defronta com a ética e os privilégios que uma pessoa possa receber se transforma em um ato de iniquidade. O funcionário fica constrangido, pois nada pode fazer para mostrar a sua gratidão àquela pessoa que tanto bem um dia lhe fez, mesmo que fosse por dever de sua profissão.
Para sair dessa situação constrangedora, podemos apelar para a bússola comportamental que o Cristo nos ofereceu para resolver questões de relacionamentos interpessoais como esta: “Fazer ao próximo aquilo que desejamos seja feito para nós”, ou o seu inverso, “não fazer ao próximo àquilo que não queremos para nós”.
Dar privilégios ao amigo como forma de gratidão, é o que eu gostaria de receber na condição de amigo? Sim. Se eu estivesse na fila e tal fato ocorresse, mesmo sem o meu conhecimento, eu iria ficar satisfeito? Aqui estaria o fator decisivo. Pois se a minha consciência apontasse que eu não iria me sentir satisfeito com a ocorrência, eu não deveria praticar. Mas se minha consciência apontasse que eu não iria me importar e até acharia justo que tal acontecesse, então eu praticaria. É como a atual lei que permite que os idosos e seus acompanhantes tenham o privilégio de serem atendidos antes de pessoas de menor idade, e todos acatam, pois todos um dia receberão tais privilégios.
No caso dos amigos, fica a mesma disposição... se eu estou pronto para acatar os privilégios que os amigos dos outros recebam, passando na minha frente, então eu posso usar a bússola do Cristo e fazer o mesmo com os meus amigos.
A consequência disso seria positivo ou negativo para a sociedade? Acredito que positivo, como tudo que o Cristo ensinou. Todos irão perceber a importância da amizade e que nada seria feito que não passasse do crivo daquilo que não se achasse importante para mim mesmo. A sociedade se tornaria mais harmônica, os privilégios da amizade jamais ultrapassariam os limites da ética, da responsabilidade, da gratidão. Jamais se tornariam abusivos ou prejudiciais aos outros, pois todos tinham a mesma capacidade de se tornarem dignos de privilégios dessa natureza. Quanto mais o bem eu possa fazer ao meu redor, mais amizade estarei cultivando e mais frutos delas irei colher. E se todos fizerem isso, teremos uma sociedade que está se aproximando do Reino de Deus.
Mas... cuidado! Não queiramos agir assim para depois usar esses frutos de forma abusiva. E para isso o Cristo nos dá outra lição. Que tua mão esquerda não saiba a caridade que a mão direita pratica. As nossas ações no bem não podem ser alardeadas para atrair sobre nós o olhar beneplácito de todos, pois a humildade se perde, a arrogância se eleva, e a amizade termina murchando.
Em tudo isso observamos que deve ser o amor incondicional a grande energia para motivar os nossos pensamentos, emoções e atitudes. A amizade deve servir de parâmetro, para eu agir com todos como se um grande favor cada um tivesse me feito, para que eu possa agir dessa forma com meus amigos.  
Sióstio de Lapa
Enviado por Sióstio de Lapa em 17/09/2022
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