Guershom Wald riu e disse:
“Em gerações passadas havia avrachim que perguntavam ao noivo no dia seguinte à noite nupcial: descobriu ou encontrou? Se respondia descobriu, eles compartilhavam sua tristeza, e se respondia encontrou, alegravam-se com ele.”
Shmuel perguntou:
“Ou seja?...”
“A palavra descobriu sinaliza um versículo que diz “e descobri que a mulher é mais amarga do que a morte” e encontrou remete ao versículo “encontrar uma mulher é encontrar a felicidade”. E você? Descobriu ou encontrou?
Shmuel disse:
“Eu ainda estou procurando.”
Este trecho do livro de Amóz Oz (Judas) me fez refletir sobre meus relacionamentos íntimos com as mulheres. Não consegui sintonizar esse pensamento “tudo ou nada” expresso pelo autor nestes meus relacionamentos com as mulheres. Com todas que eu me relacionei nunca tive essa expectativa de encontrar a amargura da morte ou a felicidade em uma mulher. A minha expectativa é de encontrar em alguma mulher a capacidade de um companheirismo sem qualquer vestígio de egoísmo, de querer o meu afeto íntimo somente para ela, de hostilizar todas as outras que se aproximarem de mim com esse potencial.
Dizem que não conseguirei encontrar essa mulher, que todas tem o mesmo pensamento de manter o homem com exclusividade para si. Mas acredito que esse comportamento de querer o companheiro com exclusividade está presente tanto no homem quanto na mulher. Eu também sentia assim, mas quando percebi que o Amor Incondicional era incompatível com essa forma de sentir, consegui com muito esforço me libertar desse egoísmo inerente à condição animal, conhecido como machismo dentro da condição humana. Sei também que não sou o único homem que atingiu essa condição e que também não depende do grau de escolaridade, de educação formal. Mesmo entre pessoas consideradas como bárbaras como os mongóis, a partir de seu grande líder, Gengis Khan, observo comportamento livre do machismo, que aceitou a sua esposa que havia sido raptada por seus inimigos, grávida e com um filho do outro no colo. Aceitou-a com o mesmo amor, e reconheceu os filhos delas com os outros como seus. Mesmo no momento em que ele foi vendido como escravo e que a esposa teve que se prostituir para conseguir o dinheiro necessário para a sua libertação, ele em nenhum momento mostrou qualquer ojeriza por ela.
Dessa forma, a capacidade humana de superar essas forças instintivas do egoísmo animal, principalmente no que diz respeito a sexualidade, estão presentes desde muito tempo entre nós. Agora com os ensinamentos do Cristo, na aplicação prática do Amor Incondicional, podemos domesticar os instintos animais e construir novos relacionamentos fraternos, amplos, não exclusivos, tanto para o homem quanto para a mulher.
Enquanto isso não acontece no meu entorno, onde não surge uma mulher com essas características ou minhas atuais companheiras não consigam aplicar esses ensinamentos, vou tentando administrar os conflitos e sofrimentos que a força do egoísmo ainda gera sobre elas e respinga sobre mim.
Portanto, se eu tivesse que responder a Guershom Wald se eu tinha descoberto ou encontrado minha companheira, responderia que até agora estou tentando encontrar a mulher capaz de aplicar o Amor Incondicional, mas até o momento só consegui descobrir companheiras que não conseguem domesticar a força dos instintos.
Encontrei Zaratustra no primeiro texto do livro “Cartas da Humanidade”, compilado e traduzido por Márcio Borges. O texto tem data provável em torno de 6.000 aC e o compilador da obra explica que as influências espirituais de Zaratustra sempre afetaram o pensamento e o raciocínio humanos. Sua meta era mostrar aos homens nossa conexão com uma criação e nossa ligação com uma fonte única. Fiquei curioso em aplicar essas lições ao meu comportamento e ver se há alguma sintonia. Coloco os versos abaixo na íntegra para interpretá-los depois.
1.
Agora falarei com aqueles que me ouvirem
De coisas que o iniciado deveria se lembrar,
Elogios e oração da Boa Mente ao Senhor
E a alegria que verá na luz quem se lembrou dele – o Bem.
2.
Ouvi com vossos ouvidos aquilo que é o Bem Soberano;
Com a mente clara olhai para os dois lados
Entre os quais cada homem tem que escolher para si.
Alertas de antemão, que o grande teste seja cumprido em nosso favor
3.
Ora, no princípio os espíritos gêmeos declararam sua Natureza,
O Melhor e o Mal,
Em pensamento e palavra e ação. E entre os dois
Os sábios escolhem certo, mas não os tolos.
4.
E quando estes dois espíritos vieram juntos,
No princípio estabeleceram vida e não vida.
E que, no final, a pior experiência deveria ser para o mau,
Mas para o íntegro, a Melhor Mente.
5.
Destes dois espíritos, o mau escolheu fazer as piores coisas,
Mas o mais Sagrado Espírito, vestido nos céus mais firmes, uniu-se à Retidão;
E assim fizeram todos aqueles que se aprazem em agradar o Sábio Senhor
Por ações honestas.
6.
Entre os dois, também não escolheram corretamente os falsos deuses,
Pois enquanto ponderavam foram atacados pelo erro,
De forma que escolheram a Pior Mente. Então depressa se uniram à Fúria,
Pois poderiam por ela depravar a existência dos homens.
7.
E a Ele veio a Devoção, com o Domínio, a Boa Mente e a Retidão
Ele concedeu perpetuidade de corpo e respiração da vida,
Para que pudessem ser suas, à parte daqueles,
Como a primeira, pelas retribuições em metal.
8.
Quando o castigo a estes pecadores,
Então, oh Sábio, que o vosso Domínio, com a Boa Mente, seja concedido
Aos que depuseram o Mal nas mãos
Da Retidão, oh Senhor!
9.
E sejamos nós os que renovam esta existência!
- Oh sábio, e vós outros Senhores,
E a Retidão, trazei vossa aliança.
Que os pensamentos possam vigorar onde a sabedoria for fraca.
10.
Então que o Mal deixe de florescer,
Enquanto aqueles que adquiriram boa fama
Colham a recompensa prometida
Na habitação santificada da Boa Mente, do Sábio e da Retidão.
11.
Se vós, oh homens, entendeis as ordens que o Sábio deu,
Bem-estar e salvação para o íntegro
E sofrimento de longa tormenta para o mau –
Tudo doravante será para o Melhor.
São versos de boa ética e espiritualidade, capazes de serem absorvidos pela nossa moral e princípios religiosos. Não vejo dificuldade em acoplar o que acredito e pratico com o conteúdo desses versos.
Primeiro os versos ressaltam a importância da oração, de conversar com Deus, de ser um ente luminoso. Chama a atenção para apurar os ouvidos e para ver sempre os dois lados da questão. Essa é uma dificuldade que tenho na adaptação aos mais diversos grupos que participo, pois sempre procuro ver o outro lado do que meus amigos procuram evitar de considerar como verdade o que me é oposto. Mas se eu ajo dessa forma é como se tivesse feito a melhor escolha de acordo com meus princípios fundamentais e não por interesse de terceiros. Devo ver na Natureza a presença do Bem e do Mal, como foram colocados lá pelo Criador. A minha escolha deve ser sábia e envolve o pensamento, a palavra e a ação. De que vale eu falar cobre o Bem se meus pensamentos estão voltados para o Mal e na primeira oportunidade eu o pratico? Devo saber que o Bem e o Mal são espíritos gêmeos da Natureza, e se eu ajo com integridade estabeleço em mim e ao meu redor o princípio da vida e não da morte. Pois, se eu sou mal escolho fazer as piores coisas, mas se ajo com retidão sei que estou agradando ao meu Senhor, quando escolho fazer as ações honestas. Devo ter cuidado com as ponderações, pois posso ser atacado pelo erro; mas isso é uma necessidade, a ponderação para ser feito a melhor escolha entre o Bem e o Mal. A devoção a Deus, a disciplina, os bons pensamentos e a retidão nas ações é o que dá o sentido positivo da vida. Assim não agindo posso me deparar com o castigo na forma do sofrimento, perco a aliança com Deus, deixo o Mal florescer.
Tudo, então é bem aplicado à luz do Evangelho do qual procuro ser seguidor e portanto estou em sntonia.
Hoje é dia do Natal, do nascimento de Jesus, o divisor de anos do nosso tempo, antes e depois do Cristo. É a noite mais longa do ano e nos cultos pagãos era celebrado com o nascer do sol, como luz na escuridão, como a fertilidade para a Terra e todos os seus filhos. O cristianismo adotou essa data para o nascimento de Jesus mantendo o significado da luz que Ele trazia para o mundo e iluminar as trevas da nossa ignorância, nesta noite mais longa do ano.
Desenvolvo com meus amigos e companheiros um trabalho comunitário na Praia do Meio de inspiração cristã, no intuito de colaborar na construção de uma comunidade parecida com aquela regida pelo Amor Incondicional e que servirá de modelo para o Reino de Deus.
Organizamos um jantar para ser realizado a partir das 20h. Combinei com os amigos que estaria presente por volta das 18h para ajudar nos preparativos finais do evento. Como estava em outro encontro de lazer junto com os familiares numa fazenda em outro município, terminei por chegar por volta das 19h, e com a mesma roupa que estava usando no interior. Mas foi o tempo suficiente para ajudar nos preparativos do evento. Fiquei de posse do microfone no sentido de organizar as diversas atividades que havíamos planejado. Comuniquei aos convidados que já estavam chegando em número além daquele que prevíamos. Notei o grande esforço que os amigos da comunidade fizeram para a realização do evento, envolvendo outras pessoas com o empréstimo de mesas e cadeiras que eles traziam com todo o esforço e com todo amor. Terminei por cometer uma grande falha, pois havia me comprometido a avisar aos meios de comunicação sobre o evento para ter uma cobertura e informar a Natal o que estávamos fazendo, e terminei esquecendo.
Avisei aos presentes de como iríamos servir o jantar para eles a partir das 20h, que seria posta uma mesa ao lado do som com as panelas; que seria formada uma fila onde todos pegariam pratos e colheres e seria colocado o arroz, salpicão de frango, e batata palha. Ao final receberiam uma senha para o sorteio de brindes que havíamos recebido. Nesse momento de falar sobre os brindes, fiz questão de ressaltar o comportamento cristão de fazer o bem sem querer aparecer, fazer o bem no anonimato, pois só assim será reconhecido pelo Pai. Comuniquei que recebemos dois pacotes de brindes de pessoas anônimas, que nem eu mesmo sei quem foi. Deixaram dois pacotes de brindes para meninos e meninas, juntamente com senhas para o sorteio. Foram embora no anonimato como preceitua as lições do Cristo. Portanto, meus irmãos, nesta noite mágica as lições daquele que nasceu hoje servem de exemplo para todos nós e assim o Pai espera que todos nos comportemos dessa maneira.
As crianças começaram suas apresentações musicais, com violões e flautas, com o som de suas vozes cantando as melodias acompanhadas timidamente por um coro das pessoas presentes. Nos intervalos eu falava do Projeto Foco de Luz, da Associação de Moradores e amigos; falava dos amigos que moram fora do bairro, mas que dão grande contribuição ao nosso trabalho e convidei algumas delas para se apresentar e dizer algumas palavras no microfone. Falei que no início do próximo ano estaríamos fazendo a eleição da diretoria da Associação e que todos aqueles que quisessem ser sócios podiam procurar nossas reuniões nas quintas feiras.
O professor de capoeira do bairro levou os alunos de sua escola para uma apresentação no meio das mesas. Todos se afastaram e fizeram uma arena onde ao som do berimbau e de canções próprias daquele esporte os jovens e crianças mostravam toda a disciplina e maleabilidade com o corpo.
Enquanto a apresentação seguia eu tentava organizar a fila com as crianças impacientes querendo serem as primeiras. A apresentação da capoeira terminou e os pratos começaram a ser distribuídos e não consegui atrelar a senha com os pratos. Depois tentei corrigir indo as mesas e deixando uma senha em cada prato, mas muitas pessoas alegavam que já tinham recebido o prato e estavam sem a senha. Resolvi distribuir as senhas restantes exclusivamente com quem saia da fila com o prato e aqueles que alegavam que já tinham passado pela fila e não tinham a senha, pedi para terem paciência que eu estava distribuindo daquela maneira e tinha que manter o padrão até o fim. Mas depois que terminasse a fila eu distribuiria o restante das senhas com quem não tinha recebido. Reforcei que esse trabalho que estávamos realizando era um trabalho motivado pelo próprio Cristo e que Deus estava no comando e assim ninguém iria ser prejudicado nesta noite tão especial. Enfim as senhas acabaram e também a fila. Então disse no microfone que iria aplicar os ensinamentos cristãos para resolver a questão de quem tinha pegado o prato, mas ficou sem a senha. Pedi a todos adultos que estavam nessa condição que se aproximassem da mesa da distribuição dos brindes. Apareceram seis pessoas que fiz questão de identificar para aqueles que estavam com suas senhas. Então expliquei que no Evangelho tem uma passagem que diz “os últimos serão os primeiros” então eu iria aplicar esse ensinamento. Essas seis pessoas que por qualquer motivo não receberam as senhas, que ficaram por último em nossa distribuição, nós iríamos dar a cada, um dos brindes sem necessitar de sorteio. Essa lição serve para cada um de nós aprender como funciona a providência divina. Essas pessoas estavam tristes, pois não iriam participar do sorteio, mas como o Pai ensina que devemos esperar por sua providência em qualquer frustração, eis que essas pessoas que confiaram no Pai, todas ganharam os seus brindes sem necessitar do sorteio. Então cada um que estão agora com as suas senhas irão ficar atentas para ver se serão sorteadas. Então começamos a sortear os números e uma parte dos brindes já estavam sendo distribuídos com as crianças por uma das companheiras, sem passar pelo sorteio. Fiquei um pouco contrariado, pois eu imaginava que todos os brindes seriam distribuídos pelo sorteio, mas depois entendi que o Pai estava influenciando o coração de cada companheiro envolvido com este trabalho, e se assim ela estava fazendo é que foi tocada no seu coração para assim proceder. Poderia, eu, contestar um “toque” de Deus? Absorvi sem mágoas a mudança da minha programação e anunciei que aquelas pessoas que se sentissem de alguma forma prejudicada neste jantar, que procurasse a Associação na primeira quinta feira de janeiro, na Escola Olda Marinho, para fazermos a devida compensação de acordo com a justiça de Deus.
Todo o jantar teve a cobertura musical de um cantor católico que levou os seus CDs e a aparelhagem para nos prestigiar com canções espirituais.
A última etapa do jantar foi a distribuição de pedaços de um enorme bolo que tinha como cobertura o símbolo da Associação de Moradores da Praia do Meio e da Santa Ceia, junto com um copo de refrigerante.
Fiz este relato sem colocar o nome de ninguém com dois propósitos, primeiro de seguir a lição evangélica de ser caridoso sem aparecer, e segundo, porque eu não queria deixar de citar o nome de todos que colaboraram, por menor que seja a colaboração, e isso seria impossível de eu fazer, de registrar o nome de todos neste relato.
O público presente foi avaliado em torno de 400 pessoas. Consideramos um sucesso, apesar das diversas falhas que observamos. Uma delas foi aquela que eu, como apresentador do evento, não ter organizado um plano de atividades onde teria que ser incluído a oração do Pai Nosso, explicando aos nossos convidados a importância de orarmos ao Pai como Jesus nos ensinou.
Fiquei depois de tudo com a impressão de que, muito mais do que ensinar aos nossos convidados a sermos espiritualizados e obedientes ao Pai, fomos nós quem aprendemos mais nesta noite, principalmente com nossos erros. Mesmo assim, sentimo-nos todos gratificados juntos ao Pai, tanto os companheiros presentes ao evento como aqueles que não puderam participar, mas que tudo fizeram para o nosso sucesso.
Ao assistir o documentário “I AM” na Netflix, notei alguns comentários dos participantes que achei conveniente confrontar com as ações práticas da minha vida. Vou reproduzir neste texto com algumas adaptações no sentido de atender as provocações que eles fazem aos meus paradigmas.
As noções básicas de nossa relação com as coisas vêm, de uma verdade e uma mentira na nossa cultura. A verdade é que se voce está nu e com frio, à noite, ao relento, sozinho na floresta e está chovendo, voce está infeliz. Certo? Todos concordamos com isso. E se alguém abrir a porta, convidá-lo para entrar e sentar perto de uma lareira, lhe der roupas, coberta, um lugar quente para dormir e um prato de sopa, de repente voce passa da infelicidade à felicidade com muito pouco, mas são coisas que fazem a diferença, simples assim. Então essa é a Verdade. A mentira é que se estas coisas vão fazê-lo feliz, então ter mais o fará mais feliz. Cem vezes mais o fará cem vezes mais feliz. Mil vezes mais o fará mil vezes mais feliz e Bill Gates vive em felicidade perpétua (Thom Hartmann – Autor de “Last Hours of Ancient Sunlight).
Então é um problema psicológico, pois, tem razão, pois não é a realidade. A realidade é que se você tem dois bilhões ao invés de um, não terá o dobro da felicidade. Mas as pessoas são movidas a acumular, acumular, acumular, sem se perguntarem: “isto vai me fazer feliz ou não?” (Howard Zinn – Historiador, Autor).
Então eu descobri que muita gente era infeliz mesmo parecendo ter tudo, mesmo parecendo estar fazendo ou vivendo o sonho americano. (John Francis – Environmentalist, Author, “Plantwalker”)
A riqueza por si não lhe proporciona a felicidade que achou que lhe daria. (Desmond Tutu – Arcebispo, Cape Town, África do Sul).
Rumi diz para suspeitar do que deseja. Isso é bem subversivo em uma cultura consumista, não é? Devemos multiplicar nossos desejos e satisfazê-los. Mas ele diz: “Voce cava covas para pegar alguém, mas acaba caindo nelas.”. “Trama para conseguir o que quer, mas acaba numa prisão.”. Sabe, “corro atrás de um veado e acabo perseguido por um porco.” (Poeta, Autor – “The Essential Rumi”).
Todas essas opiniões não ferem a minha consciência, não sou incompatível com elas. A fórmula da felicidade não passa pelo acúmulo de bens materiais e sim pelo acumulo de bens espirituais, o tesouro que podemos levar conosco para qualquer viagem, até mesmo a viagem para o plano espiritual.
Hoje à noite fizemos uma demonstração disso com o jantar que oferecemos aos familiares a amigos. O aspecto material fica totalmente fora de cogitação e toda a harmonia é feita em torno dos valores espirituais. Acredito que ainda posso melhorar muito esses momentos, pois perco a ocasião de expor com mais clareza aos convidados o nosso compromisso com os valores espirituais, o que o Pai espera de cada um de nós de acordo com os talentos que Ele deixa no coração de cada um, e das lições do Mestre Jesus que veio nos ensinar sobre o Amor Incondicional, na teoria e na prática.
Tenho que desenvolver a habilidade para reunir as pessoas presentes em torno do aprendizado dos valores espirituais sem que isso se torne monótono, maçante ou deixe transparecer algum tipo de fanatismo. Tenho que ter a habilidade do professor que conduz os seus alunos por terrenos áridos do aprendizado, mas deixando a sensação em todos eles de uma viagem mágica pelos caminhos da evolução.
Devo ter a habilidade de mostrar a todos a fórmula da felicidade que alcancei, mesmo não tendo eliminado o sofrimento que é inerente à condição humana de quem ainda sofre os efeitos dos desejos da matéria, da carne.
Combinei sair hoje à noite para jantar com meu filho e segunda esposa, e aproveitar e tratar dos documentos necessários para o divórcio. No início a minha intenção era jantarmos na casa dela, por um jantar promovido por ela. Podia aproveitar e fazer um momento de reflexão espiritual como um “Evangelho no Lar”. Mas ela entendeu a minha sugestão de “jantar com eles” numa saída para um restaurante. Não fiz qualquer objeção, também não disse qual era minha intenção original. Talvez ela quisesse ficar longe do trabalho na cozinha nesta noite. Disse também que tinha colocado o convite que eu havia dirigido para ela para o nosso filho, ressaltando que se ele não quisesse, ela também não iria para esse jantar. Mas ele não se opôs.
Cheguei na hora prevista e aguardei um pouco sentado no sofá enquanto eles se preparavam para sair. Notei que a casa estava impecável, na limpeza, na arrumação, no bom gosto. Reflete o esforço que ela faz para manter esse padrão numa casa grande na qual ela faz tudo sozinha, e ainda por cima com um cão e um papagaio para cuidar. Antes de sair o meu filho me deu um livro dizendo que eu iria gostar. Um livro espiritual sobre a reencarnação.
No caminho sugeri irmos jantar no Midway. Eles não fizeram objeções. Ainda no caminho sugeri passarmos antes pelo meu apartamento para eles conhecerem onde eu moro. Meu filho foi contrário, mas com as argumentações favoráveis da mãe, que não iríamos demorar, que não tinha ninguém no apartamento, que eu sempre estava querendo mostrar pra ele onde eu morava, ele terminou aceitando.
Ao passar pela avenida da Praia onde moro, em frente ao Shopping do Artesanato onde tenho duas lojas, ela comentou que o prédio não estava funcionando bem, que tinha ido lá com um primo nosso (nós somos primos em primeiro grau) e tinha visto pouca gente, poucas lojas abertas. Confirmei e disse que mantinha as lojas até essa data pagando os encargos e sem nenhum lucro.
Entramos no meu apartamento e mostrei todos os ambientes e disse da condição que os adquiri. Comentei da ótima localização em frente a praia, com um belo visual, mas com o problema da maresia que ataca todos os móveis e eletrodomésticos. Ela notou nos retratos dos meus filhos na parede que o do nosso filho estava inclinado e tentou consertar. Falei que era o prego que sustenta a presilha que foi alterado na loja que tiramos os retratos e ficou daquela forma. Mostrei o visual do apartamento que reformei, que era ótima localização para assistir os fogos do final do ano. Ela brincou com o nosso filho, que ele devia vir passar as férias comigo, que ele ficaria livre dos trabalhos de casa, como tirar lixo e cuidar do cão. Ele rejeitou a proposta sorrindo, encarando como uma brincadeira.
Voltamos para o carro e chegamos ao Midway. Escolhemos jantar no Restaurante Camarões. Enquanto esperávamos os pratos iniciamos nossa conversa. Ela me perguntou se eu estava feliz. Respondi que sim, não no que eu queria, mas no que eu podia. Perguntou se eu encontrara a mulher ideal, que não sofresse com o meu comportamento. Disse que não e ela retrucou que eu jamais iria encontrar essa mulher. Que isso era uma questão de gênero, que está em toda mulher querer somente para si o seu homem. Até mesmo nas culturas orientais onde é permitido o harém, aquela odalisca predileta é atacada pelas outras. Eu disse que essa questão de gênero eu reconheço, está representado pelos instintos que sustentam o egoísmo de querer somente para si a posse do companheiro. Mas eu procuro aplicar os fundamentos espirituais do Amor Incondicional em busca da Família Universal que construirá o Reino de Deus, assim como Jesus ensinou. Sei que isso não é impossível, pois acredito que eu tenha alcançado esse estágio, eu matei o meu machismo inerente ao amor exclusivo do egoísmo e posso tolerar e desenvolver amor pelos namorados que minhas companheiras achem conveniente ter. Ela disse que eu poderia até ser assim, mas que eu não iria encontrar nenhuma mulher que conseguisse essa façanha. Até mesmo a primeira esposa que eu coloco como exemplo de uma companheira que desenvolveu uma paixão por terceiros e que eu tolerei, ela não consegue até hoje digerir o meu comportamento e tem certeza que ela mantém os seus ressentimentos. O meu silêncio confirmou a sua opinião. Disse que as pessoas que hoje estão tentando viver ao meu lado sabendo desse meu comportamento, todas estão se iludindo ou esperando uma oportunidade de “chutar o balde”, que eu não iria encontrar a fraternidade como eu quero dentro desses relacionamentos. Eu disse que até o momento ela está com a razão e disse o dia em que ambas estiveram juntas em um encontro na casa do meu irmão e foi um desastre. Apesar de não ter ocorrido agressões escandalosas, mas o nível de hostilidade implícita foi altíssimo o que impede um novo encontro até o momento atual. Mas eu continuo com a esperança que o egoísmo seja vencido pelo Amor Incondicional, afinal esta é a maior força do Universo e que representa a força e sabedoria do próprio Deus. Ela fez um muxoxo de quem diz “não acredito nessas balelas” e mudamos o assunto.
Perguntei pelos seus namorados, se houve algum, se tem algum. Ela disse que não, que não é mulher de ficar e que não iria fazer o que criticava, de viajar com uma pessoa sabendo que ele tinha mulher em casa. Não quis replicar que isso acontecia comigo, pois ela não queria viajar comigo e como já vivíamos como amigos dentro de casa, não via inconveniente em convidar uma amiga para ir comigo.
Abandonamos esse assunto afetivo. Disse dos documentos que estava precisando para efetivar o divórcio e dos bens que devíamos citar para a oficialização do proprietário. Ela disse que já estava com um advogado e que na citação isso seria resolvido. Não coloquei o fato de que nós já havíamos dividido os bens há mais de 10 anos e que não haveria dificuldades em fazer isso, pois poderia transformar o jantar em uma arena de discussão, fato que eu não queria, pois a intenção era de aproveitar o clima natalino para esse primeiro encontro de nós três. Nosso filho se mantinha calado durante toda a nossa conversa. Depois dessa colocação dela de que já estava com advogado e eu não repliquei sobre os acordos que nós havíamos feito no passado, houve um momento de silêncio onde aparentemente ninguém tinha o que falar. Notei que ela passou a se comunicar com nosso filho através de gestos, “dizendo” que o ambiente não estava bom, que ele estava constrangido. Ele fazia sinais com a face que era isso mesmo. Ela jogava um olhar de piedade sobre ele. Acredito que isso seja o nível de comunicação no cotidiano que ela passa para ele, mesmo que ela não perceba, que me afasta afetivamente do nosso filho.
A comida chegou e nossa atenção se voltou para os dois pratos que pedimos com a ajuda dela. Dividimos para que todos provassem de tudo. Conversamos amenidades de forma educada e pedimos a conta.
Paramos na livraria para comprar um livro de presente para nosso filho, apesar dele ter dito que não queria. Mas como ela também gosta de livros, não ofereceu resistência. Escolhi quatro livros para mim e ofereci para eles escolherem o que desejassem. Nenhum aceitou. Fui para o caixa pagar os meus livros e logo depois ela chegou com um livro para aproveitar o meu momento no caixa. Era um livro de poesias de Mário Quintana que ela fez questão de passar o cartão dela.
Voltamos para casa. Esperei um pouco enquanto ela encontrava os documentos para me entregar uma cópia. Entrei na cozinha para tomar água e acariciar o nosso cão, que agora estava doente, sem animo para responder aos meus afagos.
Recebi os documentos, dei um até logo a ela, uma abraço em nosso filho, dizendo um “eu te amo” ao me despedir.
Agora que acabo de digitar essas lembranças, vem à mente o porquê eu também não abracei ela... será que aquele laço que eu falei há poucos dias terminou sendo rompido definitivamente? Mas não cabe nenhum abraço? Isso é incompatível com o meu Amor Incondicional. Mesmo que eu fosse rechaçado eu teria que ter tentado lhe dar um abraço fraterno. Mas, talvez no fundo do meu inconsciente eu tenha agido assim para respeitar a forte questão de gênero que existe dentro dela e que sufoca qualquer mostra de espiritualidade superior que ela possui.
Continuarei esperando pelo tempo de Deus, afinal foi Ele que proporcionou o nosso encontro e de ter vivido com ela tantas experiências, ela que foi uma das minhas mais fortes paixões. Talvez ainda tenhamos muito que aprender um com o outro, mesmo morando em casas diferentes, pois a convivência ficou definitivamente incompatível.