É comum nas escolas regulares o mestre dar suas lições e os alunos interpretarem à sua maneira, de acordo com os valores já estabelecidos na consciência de cada um. Por isso é importante as perguntas para melhorar a compreensão, tirar dúvidas, até que toda a classe tenha uma compreensão próxima do homogêneo aquela situação em destaque. O mesmo acontece com as lições que o Divino Mestre deixou para toda a humanidade na forma dos Evangelhos. Eu, que me considero um aluno regularmente matriculado nas suas aulas, que procuro aprender e aplicar com seriedade e profundidade as lições recebidas, me deparei com essa questão de dúbia interpretação por parte de outros alunos também da mesma forma que eu, envolvido nas lições do Mestre. A questão dizia respeito ao casamento tradicional que forma a família nuclear. Alguns entendem que Jesus defende de forma clara e definitiva esse aspecto do relacionamento humano, e eu tenho interpretação oposta. Pedi para eles darem os argumentos que justificam a posição e aqui, antecipadamente, vou colocar os meus.
Jesus disse que a Lei Maior pela qual temos que orientar nosso comportamento é a Lei do Amor e que se expressa em AMAR A DEUS SOBRE TODAS AS COISAS E AO PRÓXIMO COMO A SI MESMO. Então, guardei essa informação como central para a minha compreensão do que eu deveria fazer para seguir suas lições. Mais adiante entrei numa situação paradoxal. Também havia guardado as lições do valor do casamento, da fidelidade, da sua indissolubilidade e no começo de meus relacionamentos afetivos, isso não trazia nenhuma dificuldade para mim. Sonhava encontrar a mulher amada, com ela casar, ter filhos e viver a amando exclusivamente, com fidelidade para todo o sempre. Encontrei essa mulher, casamos, tivemos filhos e eu a amava como sempre sonhei. Mas não imaginava que o amor, da mesma forma que nascera por essa mulher, pudesse surgir por outras mulheres. Isso foi um impacto nas minhas convicções, paradigmas, cosmovisão... meus “óculos” começaram a ficar embaçados. Procurava ler a principal Lei e não via impedimento para esse amor que surgia; lia os mandamentos e via a proibição vigorosa de manter a exclusividade do amor, da proibição clara da realização do sexo fora do casamento. A quem eu deveria obedecer? A Lei Maior ou a lei menor? Racionalmente a conclusão é fácil: a Lei Maior! Mas culturalmente os obstáculos eram enormes, principalmente dentro dos próprios livros sagrados. Então conclui que eu não deveria manter ou construir novos relacionamentos na base do casamento tradicional, ele entrava em desacordo com a Lei Maior e isso eu não poderia aceitar. Então, hoje não sou casado, não tenho compromisso com a família nuclear e procuro nortear meu comportamento pela Lei Maior. Com essa perspectiva, os comportamentos que tenho tendem a construir uma “família ampliada” onde não existe exclusividade para nenhuma forma de amor, inclusive a sexual. É aqui que surge a dúvida de meus colegas que estudam na mesma classe de Jesus. Espero os argumentos deles. Espero do Pai a serenidade, humildade, sabedoria e coragem para receber informações e conclusões que antes eu não percebia, de reconhecer meus prováveis erros de leitura e de interpretação, corrigir o meu paradigma, a cosmovisão, mudar as lentes dos “óculos” e implementar o comportamento que a Verdade apontar como o mais correto.
O clímax da atividade criativa de Deus foi a criação dos seres humanos que chega ao ponto de ser considerado como a imagem do próprio Deus. Isso diz respeito não à perfeição de Deus, mas aos atributos ou capacidades humanas que nos diferenciam dos animais e nos aproximam dEle. Esses atributos são identificados como a racionalidade, a qualidade que proporciona a consciência de nós mesmos, da existência no mundo, da individualidade, do livre arbítrio; a segunda é que somos seres morais, temos uma consciência que nos conclama a fazer o que percebemos como certo; a terceira é que somos criativos, tal como nosso Criador, capazes de apreciar aquilo que é belo aos órgãos dos sentidos e de criar derivativos com a beleza aproximada da arte divina; a quarta é que somos sociáveis, capazes de estabelecer relacionamentos de amor com outras pessoas, pois Deus é Amor e, ao nos fazer sua imagem e semelhança Ele nos deu a capacidade de amá-Lo e de amar aos outros; e por último, temos a capacidade espiritual que nos faz sentir a necessidade de Deus e a intuição da existência do mundo original das forças espirituais que moldam os aspectos fugazes da matéria. Assim somos os único seres capazes de pensar, escolher, criar, amar e adorar, tudo na dimensão mais próxima de Deus.
Quando percebo essas características da minha individualidade enquanto criatura privilegiada do Pai de toda a criação, sinto uma onda de orgulho invadir minha consciência, mas logo em seguida, em seu rastro, vem uma onda de responsabilidade. Responsabilidade de que estou agora mergulhado no mundo material sofrendo todas as pressões que este faz, a partir do próprio corpo, para agir no sentido de obter os seus desejos e prazeres sem consideração para os compromissos espirituais. Vergonha por saber de tudo isso e ainda ser subjugado por prazeres tão menores como os prazeres da gula que me faz exagerar na quantidade e qualidade da alimentação atingindo um sobrepeso, prova da minha incompetência espiritual. O que traz alívio à minha consciência, é saber que o Pai é bondoso e misericordioso, que tudo sabe inclusive o que vai dentro do meu coração, que sabe das minhas intenções e da vontade sincera de vencer esses obstáculos. É tão misericordioso e magnânimo que coloca em minha consciência uma tarefa de Seu máximo interesse, de colaborar para a construção do seu Reino no mundo material, e faz chegar ao meu lado as pessoas importantes para a implementação dessas ações.
Nunca dei o devido valor a essa questão. Desde criança sei do domingo como o dia de feriado, que estamos livres do trabalho, mas sempre trabalhei junto as atividades da minha avó que se processava principalmente aos sábados e domingos. Hoje com os conhecimentos mais aprofundados, principalmente do mundo espiritual que considero hierarquicamente superior a este mundo material, faço uma reflexão da importância que é dada ao dia de descanso. Reconheço a necessidade do corpo em ter esse descanso para repor essas energias e nosso principal livro espiritual, a Bíblia, defende o sábado como esse dia. Mas Jesus já chamava a atenção de que “o sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado.” (Mc 2,27).
Isso mostra que o Divino Mestre já chamava a atenção para que nosso comportamento não fosse algo sólido, estanque, coercitivo; deveria ser adaptável às nossas circunstâncias de vida e as necessidades que surgissem ao redor, principalmente na atenção imediata que o próximo demandasse.
Com essa compreensão tenho agora que rever meu comportamento e verificar a intensidade do meu trabalho, da necessidade de garantir o dia de descanso com a gravidade que exige e também com a flexibilidade que as condições apontarem. Vejo que não estou muito distante deste projeto, já faço de forma intuitiva o respeito a um dia da semana de repouso que geralmente é no domingo. Já me livrei de compromissos profissionais que geralmente me ocupavam esse dia e procuro ficar com ele livre para o descanso, o lazer e a família. Tem um aspecto que tenho que introduzir com maior profundidade, pois geralmente é negligenciado nesse dia: a adoração ao Senhor.
Assim compreendido vou redirecionar minhas ações no sentido de garantir um dia de descanso na semana, qualquer que seja ele, mas de preferência aos domingos, onde possa praticar também o lazer de forma construtiva, educativa, lúdica; dar atenção a família, que no meu caso da família ampliada se estende por várias residências colaborando pela inclusividade de todos os membros num clima de harmonia e fraternidade; e agradecer a Deus por tudo que Ele já proporcionou na minha vida, e adorá-Lo na forma de respeitar a sua criação, animada ou inanimada e principalmente amar os seres humanos como se fosse Ele.
A cosmovisão (ou paradigma) pode ser considerada como os óculos pelos quais olhamos para a vida e tomamos posição. Se os meus óculos fossem do tipo “quero muito ser rico” seria insensato perder qualquer oportunidade de ganhar mais, mesmo abrindo mão do descanso. Tenho um amigo que usa esses óculos. Assume uma grande quantidade de plantões mesmo prejudicando os momentos de descanso e lazer. Também assumo uma grande parcela de trabalho, mas procuro preservar um espaço para o descanso e o lazer, mesmo que para isso eu abra mão de recursos financeiros. Mas esse é apenas um aspecto da minha cosmovisão.
Cada pessoa termina assumindo determinado comportamento e mesmo sem saber da existência desses conceitos, aplica uma cosmovisão ao seu redor. Paulo de Tarso deixa claro nas suas atitudes depois da conversão de Damasco, que sua cosmovisão era ser imitador do Cristo. Ele havia compreendido que foi criado para ser gente, mas por causa da desobediência (pecado) se tornou menos gente. Paulo enxergou em Jesus o modelo e entendeu o alvo divino para nós: fazer-nos gente de novo, segundo o modelo de gente perfeita: Jesus Cristo.
O mundo oferece inúmeras opções de óculos: ser rico, ter poder, fama, carreira profissional, viagens, prazer, etc. Também devemos considerar a transitoriedade das opções, pode ser que aquilo que desejamos não tenha constância ao longo do tempo.
O centro da minha cosmovisão é aceitar a existência do mundo espiritual como hierarquicamente superior ao mundo material, que existe uma evolução constante que acontece ao longo da eternidade, que devo priorizar a evolução dos aspectos morais associados ao meu espírito e atender as exigências do corpo naquilo que for necessário para a sua correta subsistência e reprodutividade, sem exageros de qualquer espécie. Para cumprir a jornada dentro desta cosmovisão, aceito os ensinamentos de Jesus como os mais coerentes, da Lei do Amor incondicional como a principal Lei do universo e que se confunde com o próprio Deus.
São Francisco na sua Carta aos Fiéis (segunda recensão) se dirigiu a todos que habitam o mundo inteiro, com reverente submissão, e disse entre outras coisas que Jesus quer que sejamos salvos por Ele e que o recebamos com o coração puro e com o corpo casto.
Fiquei a meditar sobre essas duas condições que São Francisco adverte para recebermos o Cristo: coração puro e corpo casto.
Passei a meditar sobre essas duas condições. Quanto o coração puro entendo estar ele livre do pecado e cheio de virtudes. Quanto ao corpo, o entendimento é mais complexo. O corpo é parte da matéria, matéria viva com responsabilidade na reprodução, senão deixa de existir. A castidade é a virtude moral que inclina o homem ou a mulher a oferecer amorosamente sua intimidade a Deus e aos demais, de acordo com sua própria condição e características, masculinas e femininas. Consiste no hábito que ordena retamente o uso da faculdade procriativa. O Papa Bento XVI ensinou em sua primeira Encíclica “Deus Caritas Est” que tanto Eros quanto Ágape são aspectos do mesmo amor divino.
Dessa forma compreendo que o ato sexual por si só, não consiste em pecado, é uma atividade importante da conduta humana e que tem também a sua essência divina. O pecado consiste na sua utilização mundana, com o objetivo de obter apenas o prazer dos sentidos e até exagerá-los nas formas das diversas taras, pornografias, pornofonias e demais pornôs. Compreendo que existe uma série de regras, regulamentos, tabus culturais, todas com o objetivo de disciplinar a força do instinto sexual e evitar injustiças de toda espécie. Estamos dessa forma dentro de um emaranhado de leis e normas culturais que muitas vezes não evitam as injustiças a que se propõem e ainda impedem o fluir do amor incondicional.
Com essa compreensão é que lembro das lições de Jesus quando Ele diz que a maior Lei é a do amor incondicional, que é expressa no “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Então o meu foco é o Amor Incondicional. Quando surge o amor romântico, reconheço ser ele um derivativo do amor incondicional, como assim é o amor paterno, filial, fraterno, conjugal, patriótico, etc. qualquer derivativo do amor incondicional pode e deve ser expresso, pois são as diversas expressões do Amor Divino, o amor do Pai por todas as suas criaturas. O Amor romântico que tende a exclusividade e à sexualidade deve também ser expresso. Cuido que isso aconteça dentro da minha filosofia e pratica de vida, mas sem que jamais seja contrário ao amor incondicional, pelo contrário, que sirva para o reavivar e o disseminar com força ao redor das minhas influências nos relacionamentos, quer sejam próximos ou distantes.