Marcel Proust dizia que “a verdadeira viagem de descoberta não consiste em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos.” É uma verdade! Eu sinto que a cada momento estou descobrindo novas paisagens, principalmente quando estou lendo algum livro. Até o descobrimento desta frase que eu não conhecia, serve como exemplo. Agora sei que cada novo descobrimento, novo conhecimento adquirido meus olhos passam a contemplar o mundo de forma diferente. Isso vai ajustando o meu pensamento a se aproximar cada vez mais da verdade universal. Se a nossa procura é verdadeira, intensa e honesta, terminamos por ter uma visão de mundo muito diferente daqueles que convivem conosco e que não tem a mesma preocupação de descobertas. Sinto isso muito salutar na minha vida, mas quem está de fora e percebe a discrepância do meu comportamento com relação aos das outras pessoas, pode desenvolver um sentimento de compaixão por mim, por entender o quanto isso me trará de sofrimento n desenvolver dos relacionamentos. Só uma pessoa muito amiga pode ouvir esse relato da minha forma de pensar e agir, perceber a diferença marcante, e mesmo assim ter tolerância e olhar fraterno para o caminho que enveredei. Hoje me considero muito distante nessa trilha que minha mente descortinou, sinto a solidão do caminhar sozinho, apesar de ter boas companheiras que se dispõem a caminhar comigo, se dispões a aprender a trilha por onde caminho para que também elas adquiram novos olhos. Sei que elas, tal como eu, também são vistas com críticas severas ao que pensam e procuram colocar em prática. Mas, com nossos novos olhos, percebemos a beleza desse caminho que por ele vamos, pois lá a distância nos espera o Reino de Deus!
Co-dependência hoje é reconhecida como uma doença. Pode ter diversos matizes de acordo com o tipo de dependência que se instala. A mais comum é a co-dependência química, quando uma pessoa, geralmente um homem, passa a ficar dependente de uma droga, quer seja álcool, maconha, cocaína, e a pessoa mais próxima, seja mãe ou esposa, no anseio de ajudar termina por ficar com o emocional tão ligado que termina adoecendo também. É a co-dependência química. Existe uma outra dependência que gera co-dependência que talvez seja mais perversa que a co-dependência química. É a co-dependência afetiva. Talvez seja mais perversa porque é construída desde a infância. Geralmente é a mãe que dedica um amor tão especial por um dos filhos, uma dependência afetiva tão forte, que o outro responde com a co-dependência. Sofri esse problema na pele. Fui criado por minha avó e esta despejava sobre mim toda sua atenção, cuidados e privilégios. Todos os outros netos eram desconsiderados, todos eram os demônios, só eu era o santinho. Evitava que eu namorasse, que tivesse amigos... só vim saber como era que se realizava o ato sexual por volta dos 17 anos de idade. Mesmo servindo a Marinha, não tinha coragem de chegar perto dela e apresentar a minha namorada. Hoje lembro de tudo isso com a nostalgia daqueles tempos e também da minha fraqueza em não tomar decisões fortes na frente da minha avó. Mesmo sendo independente financeiramente e tendo o status social de um militar. Hoje vejo pessoas com o mesmo grau de co-dependência, sofrendo cerceamento da liberdade em nome desse amor tão possessivo. Vejo como ficam fragilizadas essas pessoas. Sinto empatia por elas, sinto o sofrimento delas hoje, como o meu que foi ontem. As vezes não sei nem como orientar de como sair dessa arapuca, pois ela é forjada com o material intitulado de amor. Mas o amor não é paralelo à liberdade? O amor não deve respeitar as decisões do ser amado e ficar de prontidão para ajudar se necessário? Que as orientações e conselhos não podem ter as características do autoritarismo? Não, a melhor forma de sair dessa situação é evocar o verdadeiro amor com toda as suas características, de tolerância, liberdade, fraternidade, mas também com firmeza para que o falso amor não continue a prevalecer anos e anos.
Fui advertido por uma amiga que estava sendo muito arrogante e prepotente quando observou que eu sempre estava disposto a perdoar, como se eu me considerasse o correto em todos os assuntos e todos que se relacionam comigo estavam errados em seus pontos de vista e que eu deveria perdoá-los por suas ignorâncias. Confesso que não imaginei que pudesse passar essa impressão, de algo que eu procuro evitar, ser arrogante ou prepotente. Talvez eu deva explicar melhor porque o sentimento de perdoar é tão forte dentro de mim.
Sei que tenho um pensamento muito diferente das demais pessoas quando defendo com veemência o amor não-exclusivo, incondicional, quando todos estão sintonizados com o amor exclusivo, romântico. Quando inicio um relacionamento, mesmo explicando essa minha forma de pensar, sempre gero expectativas na outra de que eu possa mudar o meu pensamento e me comportar como elas esperam. Quando isso não acontece, vem a decepção, a raiva, o ódio, o sofrimento. Nesse momento é quando não canso de pedir perdão a quem quer que seja, a todas elas que sofreram por esse motivo. Talvez eu não tenha divulgado bem esses pedidos de perdão para minhas queridas “prejudicadas”. Talvez eu tenha divulgado mais o perdão que eu ofereço das agressões que eu recebo, mesmo eu sentindo que não sou merecedor, pois não deixei nenhuma delas enganada em nenhum momento de nossas relações. Nunca deixei aberta nem mesmo a possibilidade que poderia recuar de minha posição do amor não-exclusivo. Também ofereço o perdão as agressões que recebo pelo meu modo de ver a verdade, de entender que o amor incondicional está mais associado ao amor não exclusivo do que ao amor exclusivo. Não condeno ninguém que queira viver o amor exclusivo, que tenha um só parceiro ou parceiro pela vida inteira e aceite conter todos os impulsos de amar uma outra pessoa, que tenha essa fidelidade como um paradigma de vida. Mas caso não aceite essa condição, que não traia a confiança do parceiro. Acabe a relação para se unir a nova personagem que surgiu e que isso se repita ao longo da vida quantas vezes seja oportuno. Ou então aceite a proposta do amor não-exclusivo com o direito de amar para ambos os parceiros quando essa oportunidade surgir na vida de qualquer um. Sei que minha forma de pensar pode ser atacada de prepotência ou arrogância, por imaginar estar certo quando a maioria pensa ao contrário. Mas eu gostaria apenas que todos que pensam ao contrário que honrassem a sua filosofia de vida assim como eu tendo honrar a minha, sendo honesto com o que digo e com o que faço. Mas acredito que o diálogo deva continuar e procurar dissecar em profundidade o pensamento para verificar com o nosso raciocínio onde existe uma maior dose de verdade.
Ao ler o livro VOIS SOIS DEUSES, de Arandi Gomes Teixeira/J.W.Rochester (Editora Correio Fraterno, 2011), me deparo com o seguinte diálogo, quando Plínio, o mentor e dirigente de uma das primeiras comunidades cristãs, fala ao seu jovem interlocutor, que o acusa de vaidoso, devido a disposição de ser martirizado em função da fé que possui:
“Não, meu amigo, não é a vaidade que nos move e sim um novo entendimento, uma nova proposta de vida: a de não-violência, de fidelidade ao bem e ao amor. Esse comportamento, que à maioria, parece fraqueza, é, em verdade o exemplo que nos cabe dar ao mundo que parece caminhar para um terrível abismo... Um dia, Bem Azir, nós seremos compreendidos... Posso ver desde agora, esse tempo... Meu coração bate mais forte e anseia por ele...”
Meu coração também bateu mais forte, pois senti a intensa sintonia de pensamento que se formou, apesar da distância no tempo e das transformações positivas que já atingimos, apesar de ainda estarmos mergulhados nos preocupações do terrível abismo à nossa frente. Agora também surge em muitas consciências um novo entendimento da necessidade de aplicarmos com mais honestidade, sinceridade e determinação a Lei do Amor Incondicional nas nossas relações sociais. A nova proposta de vida, do amor não-exclusivo, da fidelidade ao bem e ao amor é o entendimento de uma nova qualidade de vida. Esse comportamento que a maioria parece libertinagem é na verdade um exemplo que nos cabe dar ao mundo que parece caminhar por interesses de grupos (familiares, políticos, nacionais, étnicos, etc) a justificar corrupções, greves e guerras em todos os rincões do planeta. Temos nas lições do mestre Jesus a base moral motivadora, tanto ontem quanto hoje, associado ao nosso racional de perceber a coerência dos conceitos e filosofias e suas aplicações na prática.
O meu pensamento hoje está integrado ao pensamento cristão. Procura cumprir a principal Lei de Deus, a Lei do Amor com todos os seus derivativos, usando a bússola que Jesus nos ensinou, de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Entre os derivados da Lei do Amor, existe o princípio da Liberdade que deve garantir a integridade do amor. Caso nossa liberdade seja cerceada, por qualquer que seja o motivo, excluindo aqueles que prejudiquem a terceiros, isso atenta contra a Lei do Amor e contra nós mesmos. Nesse caso a liberdade de pensamento também é fundamental para manter a fluidez do amor também à nível cognitivo. Posso conhecer qualquer linha de pensamento, mesmo que aparentemente seja diferente da que acredito no momento. Posso participar de rituais, de culturas diferentes da minha e em tudo procurar avaliar com senso crítico o que outros grupos professam, acreditam e realizam. Descobrindo valores ou verdades, maiores ou mais consistentes que a minha verdade assim acreditada até o momento, o meu senso de coerência deve modificar o meu pensamento e/ou comportamento para a integração da nova verdade. Assim fazendo cada um, teremos o crescimento evolutivo e desenvolvimento consciencial e moral da humanidade. Hoje eu me deparo com uma espécie de dilema no meu caminhar consciencial. A instituição do casamento como eu imaginava antes, hoje perdeu o sentido para mim. A ideia do Amor Incondicional que aceitei como uma verdade mais pura e completa, colocou em cheque a prática do amor exclusivo que eu mantinha no meu relacionamento conjugal. Passei a entender que o amor inclusivo (não-exclusivo) era mais simpático ao Amor Incondicional do que o amor exclusivo, romântico, que mantém as famílias reunidas em grupos fechados e abre diversas justificativas para o exercício do egoísmo em todos os planos. Tirei então a instituição do casamento de minha vida e passei a defender e aplicar o amor inclusivo, alicerçado pelo Amor Incondicional. Isso então me coloca fora da cultura da minha comunidade, pelo menos da que é aceita de forma oficial. Então vem outra preocupação. Será que isso vai de encontro ao meu pensamento cristão? Mas vejo que o pensamento cristão também está alicerçado no Amor Incondicional. Mesmo que os textos cristãos defendam o casamento como forma de relação de justiça entre homens e mulheres, não vejo que essa questão esteja fechada. Para aqueles que aceitam as condições e cumprem com honestidade os seus preceitos, tudo está correto. Mas para alguém como eu que coloca restrições com suporte da lei maior, da Lei do Amor Incondicional, acredito que deve ser encontrado outra alternativa de relacionamento que se ajuste melhor a liberdade que a Lei favorece. Então, a aplicação do amor inclusivo nesse contexto, mesmo criando uma espécie de cultura diferente, tem o Aval superior. E nesse conflito de cultura e de pensamento cristão, lembro o debate que havia entre os primeiros cristãos. Existia uma corrente que defendia que para ser cristão era necessário fazer a circuncisão o que era difícil de aceitar pelos gentios. Paulo defendia, e foi entendido pela maioria, que a pessoa poderia ser cristão sem fazer a circuncisão, pois isso era uma prática da cultura judáica e que não poderíamos enquanto defensores de uma crença que tinha o caráter universal ficar restrito a uma cultura local. Isso me deixa mais confortável, pois a cultura do casamento tradicional com suas implicações, não atinge o meu pensamento cristão universal; é uma faceta da cultura a qual estou integrado, da qual posso abrir mão, sem comprometer o meu papel de cidadão e principalmente de cristão.