Para quem atingiu um nível de espiritualidade, esses dois sentimentos não são desconhecidos, pelo contrário, muito comuns. Quem é espiritualizada caminha sempre ao lado da verdade e isso muitas vezes machuca quem está ao redor, principalmente pessoas que amamos, e o sofrimento delas causa sofrimento em nós da mesma intensidade. Ainda tem outro agravante, é que na relação o lado menos espiritualizado tende a gerar raiva, ressentimento e sentimento de vingança, de retaliação e de potencial realização. O lado mais espiritualizado ver toda essa movimentação de sentimentos negativos e de hostilidade e desenvolve o sentimento da compaixão. Compaixão pelos seus carrascos, pois eles não têm a dimensão espiritual para tirar a venda de ignorância que lhes cobrem os olhos; fazem o mal sem saberem a dimensão que isso tem. Então o espiritualizado tem uma carga dobrada de sofrimento e somente a compaixão por todos os envolvidos, inclusive ele, faz a devida compensação: quanto maior o nível de sofrimento, maior o nível de espiritualização adquirido, mais perto de Deus nos colocamos.
A verdade pode ser uma companheira inconveniente em determinadas situações, se a apresentarmos irá causar constrangimentos e sofrimentos a quem estar ao nosso lado, até mesmo pessoas que amamos. Tem momentos que é justificado a sua omissão ou mesmo a negação em função da harmonia que desejamos ter ao nosso redor. Isso corresponde ao que chamamos hoje tecnicamente de habilidade social. É uma habilidade positiva que tira a crueza da assertividade, mas por outro lado, se persistir por muito tempo, gera uma realidade falsa amadurecida e aí reside o perigo. Vejamos só os passos: em nome da harmonia aplicamos a habilidade social; montamos ao nosso redor uma farsa que amadurece ao longo do tempo; essa farsa se dissolve ao menor contato com os fatos reais com grande prejuízo aos seus autores. Se somos pessoas boas, com boas intenções, a habilidade social que escamoteia a verdade não pode se cronificar. É elegante e digno que, antes da realidade destruir o falso mundo que está em construção, nós mesmos, os seus construtores, armados com a coragem de pedir perdão, colocar os motivos pelos quais isso foi feito, apresentar os ideais que justificaram os nossos atos até esse ponto. Com essa explicação o conflito se instaura, a harmonia se perde. Mas por outro lado a verdade impera! E isso é o mais importante. Pois, se o fato que causou o afastamento da verdade é realmente importante, ele deve ser trazido à luz da verdade com todos os detalhes; caso esse fato não seja importante, também não é importante que ele seja repetido, fortalecido e amadurecido, o próprio tempo se encarregará de sua destruição por inanição, e aquela omissão/mentira inicial perde importância também.
Depois de tudo esclarecido, o conflito formado, resta agora lutar pelo restabelecimento da harmonia, agora sob a luz da verdade. Vamos verificar que os lados opostos possuem opiniões diferentes sobre os fatos praticados, cada um com seus argumentos sólidos. Caso esses fatos estejam cumprindo metas do meu ideal de vida, não posso abandoná-los, a não ser que os argumentos contrários venham trazer motivos para uma mudança de opinião. Caso isso não aconteça, nem de um lado nem de outro, o único recurso que viabilizará a convivência entre os contrários será a TOLERÂNCIA. Não existindo, o lado mais forte tende a subjugar o mais fraco, o que abre as portas para diversos sentimentos e atitudes negativas: medo, raiva, prepotência, ansiedade, depressão, vingança, etc. Para evitar que chegue a esse nível, o lado mais forte do relacionamento tem duas opções: a ABNEGAÇÃO ou o ROMPIMENTO.
Na abnegação a pessoa renuncia, faz o sacrifício do seu próprio interesse em função do interesse alheio. A pessoa vai negar voluntariamente seus desejos e ideais em função dos desejos e ideais do outro. Pode oferecer sua vida a uma causa religiosa, política, familiar, social de qualquer natureza, mas que não é a sua causa. Então passa a viver de forma robotizada, sem sentido próprio, esperando de Deus apenas o seu término e às vezes o acelerando com ações diretas ou indiretas.
O rompimento é o outro caminho que parece ser o mais saudável, de acordo com a independência financeira e emocional. Não é que esse rompimento leve obrigatoriamente a uma perda do relacionamento, e sim à quebra da convivência. Convivência essa que poderia estar existindo do nascimento até esse instante. Por isso é um momento doloroso, muito difícil, mas necessário. As partes devem compreender, à luz da razão, que cada um tem o direito de viver os seus ideais, ninguém tem o direito de impor o seu ideal sobre o ideal do outro.
Deve ficar também claro que toda essa movimentação de sentimentos, emoções e razões, só têm condições de levar crescimento a todos os envolvidos, se estiver sempre ao lado da verdade. Pode até ser que falte tolerância, compaixão, perdão, mas jamais deverá faltar a verdade!
Existem momentos que mesmo sendo especiais as circunstâncias os tornam apagados, sem brilho, que gostaríamos até que fosse adiado para outro momento. Mas os trilhos da vida que correm em consonância com o tempo é quem decide o momento de chegar ou não qualquer situação negativa com potencial de cobrir e enevoar o evento mais alegre e importante que estaria em nossa programação. Assim é um aniversário. A cada ano elegemos o dia que nascemos como importante, que motiva receber os amigos, de receber presentes, elaborar festas e por aí vai. Mas quando coincide de uma circunstância negativa acontecer no dia do aniversário, tudo isso perde a importância. Não há mais tanto motivo para riso, alegria... A vontade agora é de ficar isolado do mundo, não falar com ninguém e num extremo, pensar até em auto-destruição. Sei que essa sensação é ruim, mas não podemos deixar que isso consiga desviar nossa rota de vida, muito menos a exterminar. Do mesmo jeito que o tempo trouxe essas circunstância ruim, da mesma maneira irá levar para longe e outra circunstância surgirá, geralmente de natureza oposta. É o velho segredo que devemos ter em mente: TUDO PASSA!
Enquanto perdurar a circunstância negativa e ficarmos exposto ao sofrimento, devemos aproveitar o momento e procurar ver qual o aprendizado que teremos. Sempre há! Então não vamos encarar isso como um castigo gratuito. Vamos entender como uma aula e que se isso acontece é porque de alguma forma eu contribui para sua ocorrência. Vale a pena verificar se a minha contribuição para o surgimento da circunstância é algo que fiz com a consciência tranquila, então devo suportar o sofrimento como uma consequência de algo que quero construir. Mas se é devido a algo que fiz de forma contrária a minha consciência, então vou suportar o sofrimento como uma espécie de castigo para purgar a minha culpa. Caso eu não seja o protagonista direto, mas sim um elemento que contribuiu para o sucesso ou insucesso do outro, passarei a ficar alegre ou triste, respectivamente. Pode até parecer um paradoxo, ficar alegre com o sofrimento de alguém, mas se é para o crescimento... justifica!
Na viagem que fizemos a Pernambuco, estávamos todos ligados aos prazeres do mundo, mas eu estava também sintonizado com a minha missão espiritual, de colocar nessa viagem sempre os pontos de harmonia, solidariedade, mas também precisava colocar de forma mais evidente os valores do mundo espiritual. Mas eu não sabia como encontrar a forma de fazer isso sem parecer enfadonho ou carola. Não que eu tivesse medo de ser visto dessa forma, mas é que se a visão formada fosse desse tipo eu perderia muita força de convencimento. Estava nessa encruzilhada de decisão quando li um texto que me trouxe a solução.
O texto tinha o título, A SURPRESA DO CRENTE e falava de uma pessoa temente a Deus e que encontrou Jesus quando voltou para a pátria espiritual. Ele vivia agora o instante supremo da realização, que esperara pacientemente aquele minuto divino. Suspirara muitos anos para repousar na bem-aventurança. Recolhera-se em si próprio, no mundo, aguardando aquela hora de imortalidade e beleza. Fugira aos homens, renunciara aos mais singelos prazeres, distanciara-se das contradições da existência terrestre, afastara-se de todos os companheiros de humanidade que se mantinham possuídos pela ilusão ou pelo mal. Assombrado com as perturbações sociais de seu tempo e receoso de complicar-se, no domínio das responsabilidades, asilara-se no místico santuário da adoração e aguardar o Senhor que resplandecia glorificado, ali, diante dos seus olhos. O Divino Mestre sorriu e perguntou-lhe:
-Dize-me, discípulo querido, onde pusestes os ensinamentos que te dei?
O crente levou a mão direita ao tórax opresso de alegria e respondeu:
- No coração.
- Onde guardaste – tornou o Amigo sublime – minhas continuadas bênçãos de paz e misericórdia?
- No coração – retrucou o interpelado.
- E as luzes que acendi, em torno de teus passos?
- Tenho-as no coração – repetiu o devoto, possuído de intenso júbilo.
O mestre silenciou por instantes e indagou novamente:
- E os dons que te ministrei?
-Permanecem comigo – informou o aprendiz – no recôndito da alma.
Silenciou o Cristo e, depois de longo intervalo, inquiriu, ainda:
- Ouve! Onde arquivastes a fé, as dádivas, as oportunidades de santificação, as esperanças e os bens infinitos que te foram entregues em meu nome?
Reafirmou o discípulo, reverente e humilde:
- Depositei-os no coração, Senhor!...
A essa altura, interrompeu-se o diálogo comovente. Jesus calou-se num véu de melancolia sublime, que lhe transparecia do rosto.
O devoto perdeu a expressão de beatitude inicial e, reparando que o Mestre se mantinha em silêncio, indagou:
- Benfeitor divino, poderei doravante abrigar-me na paz inalterável de tua graça? Já que fiz o depósito sagrado de tuas bênçãos em meu coração, gozarei o descanso eterno em teu jardim de infinito amor?
O mestre meneou tristemente a cabeça e redarguiu:
Ainda não!... o trabalho é a única ferramenta que pode construir o palácio do repouso legítimo. Por enquanto serias aqui um poço admirável e valoroso pelo conteúdo, mas incomunicável e inútil... Volta, pois, à terra! Convive com os bons e os maus, justos e injustos, ignorantes e sábios, ricos e pobres, distribuindo os bens que represaste! Regressa, meu amigo, regressa ao mundo de onde vieste e passa todos os tesouros que guardaste no santuário do coração para a oficina de tuas mãos!...
Nesse momento, o devoto, em lágrimas, notou que o Senhor se lhe subtraia ao olhar angustiado. Antes, porém, observou que o Cristo, embora estivesse totalmente nimbado de intensa luz, trazia nas mãos formosas e compassivas os profundos sinais dos cravos da cruz.
Ao terminar a leitura eu sabia que aquela lição foi dirigida para mim, para que eu pudesse distribuir os bens que Jesus me proporcionou, no meu ambiente de convivência. Pedi a todos meus parentes que fizeram o favor de ouvir esse texto, que interpretassem o que acabaram de ouvir aplicados à minha vida. Ao término da leitura e sua interpretação como uma lição pessoal, onde todos se comportaram com máximo de atenção, e por tudo isso, agradeci convicto ao Mestre. Disse ao meus ouvintes que eu sentia que a lição dirigida ao crente se aplicava com perfeição a mim. Pois então, ali estava eu a procurar uma forma de distribuir aquilo que Deus me deu e que trago guardado em meu coração.
Ontem, durante o passeio a Pernambuco, do Recife fomos até a praia de Porto de Galinhas, que era o nosso objetivo final, de acordo com a sugestão unânime antes da viagem. Ao chegar na praia fomos logo abordados por um rapaz que se ofereceu para nos ajudar a estacionar em frente a praia. Pagaria apenas 10 reais. Aceitei a ajuda, mesmo porque eu nem ninguém que comigo estava conhecia a região e a praia estava lotada. O rapaz pegou sua bicicleta e pediu párea que o acompanhasse. Fizemos logo a comparação com a Ilha de Itamaracá. Ressaltamos apenas a particularidade de que lá o rapaz que nos conduzia, corria na nossa frente correndo. Estacionamos e verificamos que o rapaz havia falado a verdade. Ficamos com o carro à beira da praia com uma série de banquinhas cobertas com guarda-sol. Sentamos em duas delas e pedimos para ver o cardápio. Para nossa surpresa, a mesma porção de agulhas fritas que compramos na Ilha de Itamaracá estava também relacionada no cardápio pelo dobro do preço. Chamei a tenção de todos para o fato. Ontem saíamos da Ilha com a sensação de termos sido explorados de forma vergonhosa, mas pela realidade da região os preços praticados eram aqueles mesmos e lá na Ilha a sensação dos comerciante até poderiam ser opostas à nossa. Poderiam ter a sensação de vender seu produto por um preço bem inferior.
Assim, fica a lição, que antes de partirmos para um julgamento precipitado das pessoas, que procuremos saber quais as condições de vida que eles se sujeitam.