Ah! Minha vida foi longa, hoje eu sei
Por caminhos de rosas ou espinhos
Por ter amores e paixões eu encontrei
Quantas delícias entre mesas e bons vinhos
Mas, me parece tudo um sonho do passado
Minha potência, meu vigor, minha beleza
Agora acordo e vejo tudo transformado
E das alegrias vem do fundo uma tristeza
Cada memória que existe em minha mente
Mas não encontro quando olho no espelho
Mesmo que use a minha melhor lente
A consciência, enfim tá despertando
Num mundo carregado de vermelho
Quero voltar a dormir... me aniquilando
Quando digo pra você eu tenho fome
E tu me oferece um prato de comida
Não percebe o que tanto me consome
É o desejo de tê-la em minha vida
Quando eu digo pra você, eu tenho sede
E tu me oferece um mero copo d’água
Não é de água que pereço, em mim crede
É de tua boca, para mim sexuada
Porém não posso meus desejos confessar
Como dizer para ti minha agonia?
Da qual eu sinto minha alma sufocar?
Como posso te dizer, sem medo de açoite
Te mostrar meu coração ao meio-dia
Se ele vive encarcerado à meia-noite?
O meu amor por ti é proibido
Puro tabu, grande contravenção
Não sei se sentes como eu tal emoção
Deixa-me ser, querida, um mero amigo
Será que este amor tão proibido
Gera a causa da minha grande dor?
Que transforma o doce mel em amargor?
Palavras de carinho em som maldito?
Mesmo assim não desiste o coração
Se não pode os lábios, beija a tua mão
De querer-te amante, sou teu amigo
Construo na mente a fantasia louca
De um dia poder beijar a tua boca
Tornar real este sonho tão antigo
Taça de fel para mim, tu se tornou
O que era tão gostoso, puro mel
O tempo sem clemência transformou
Neste inferno que antes era o céu
Quando penso tão grande nosso amor
Que causou entre os deuses tal ciúme
E num feitiço nos encheu de amargor
Do brilho estelar, um mero vagalume
Mas a lembrança, doce-mel, não se apaga
E por mais que peça a Deus que traga
Não é o doce que sinto, é amargura
Quem me dera mudar minha desdita
Mas ninguém a minha vida facilita
Quem se importa minha sina, noite escura?
O carro avança por estrada afora
Pavimentada de tristeza e mágoa
Nem os pássaros que cantam nesta hora
Fazem enxugar dos meus olhos a água
Ela não quer a minha companhia
Não se importa com a minha solidão
Que na curva eu capote e vá pra tumba feia
Sem ato de amor ou consolação
Por que eu tenho que ainda viajar?
Se assim aumenta minha saudade?
E cada metro percorrido parece perguntar...
Ei! Cadê ela, a musa que eu via ao teu lado?
E que com ela nós fazíamos a Trindade?
Eu, só contigo, é puro e acre enfado!