Mais uma lição sobre o tema da escravidão eu viria a receber durante a reunião de estudos na Cruzada dos Militares Espíritas, onde faço um trabalho com os dependentes químicos. A colega de trabalhos trouxe um trecho de Joana de Ângelis para iniciar os estudos. O texto falava que já existiam muitas pessoas no mundo que estão encarnadas e tem conhecimento que devem alcançar um melhor nível de virtudes, que devem corrigir os seus defeitos. Mesmo assim essas pessoas sentem que não conseguem fazer essa correção a contento, sempre estão tropeçando e caindo naquilo que elas já tinham determinado corrigir. Levantava Joana a importância do cair e se levantar, pois durante o nosso processo evolutivo as quedas são esperadas, assim como o levantar. O que se considera negativo é quando se cai e não há o esforço para se reerguer outra vez e quantas vezes forem necessárias.
Aproveitei para colocar o meu exemplo com relação à gula, que eu devia ter disciplina e não me alimentar além do necessário, mas sempre estou recaindo nesse erro, e quando verifico já estou alimentado abusivamente. A lição que acabei de ouvir me fornece um método que eu já sabia, mas que não havia colocado como uma meta a ser atingida nas próximas oportunidades de alimentação. Devo colocar no prato uma quantidade que eu avalie necessário para alimentar o meu corpo e não para atender os seus desejos. Isso deverá ser feito de forma constante para que eu adquira e incorpore esse comportamento como hábito. A partir daí eu terei desenvolvido uma nova forma de conduta que irá substituir aquele hábito de comer exageradamente que eu considerava negativo.
A lição foi legal e acredito que posso colocá-la em pratica. No entanto foi desviado para outro assunto. Foi dito que eu estou equivocado em considerar a quantidade de alimento como um erro, pois eu tenho o hábito de não comer de forma adequada. Realmente, disse eu, o meu hábito é diferente daquele da maioria das pessoas, mesmo porque a minha rotina é comer só uma vez por dia. Também posso ficar três dias e até cinco, sem me alimentar. Isso para mim já é possível, consegui condicionar o meu corpo a atingir esse nível de controle quando faço essa determinação, geralmente apoiado em algum tipo de compromisso, principalmente espiritual. O período mais comum disso acontecer é durante a quaresma, pois faço um planejamento de restrição alimentar que inicia com esse jejum de três a cinco dias.
Todos os presentes à reunião e que não conheciam essa história, ficaram surpresos. Eu justifiquei a minha posição criticando opinião deles de que o erro era a minha forma diferente de agir que ia de encontro aos hábitos naturais desenvolvidos por todos. Eu lembrava que o fator determinante para se considerar algo como errado, era os prejuízos que determinado comportamento provocaria. Se chegasse hoje uma pessoa em nossa reunião dizendo que bebia todos os dias, mas que isso não estava causando nenhum tipo de prejuízo em sua vida ou na vida de terceiros que convivessem com ele, ninguém poderia acusar essa pessoa de estar errado por ter esse hábito. Então, era isso que eu estava tentando dizer. A minha forma de agir pode ser anômala quando se compara aos hábitos prevalentes na comunidade. No entanto essa forma de agir não causa nenhum prejuízo para mim, pelo contrário, acredito que minha saúde tem uma base nesses hábitos que desenvolvi. O que a minha consciência acusa como nociva e deseja corrigir, é com a quantidade de alimentação. Nem mesmo a qualidade dos alimentos que também é criticada, minha consciência acusa como errada, pois também essa variedade de alimentos que ingiro, principalmente massas, também não me causa prejuízo se eu consigo controlar a quantidade de alimentos. Então, a meta que minha consciência aponta de correção de erro é com relação à quantidade. É com ela que fico incomodado e com a sensação de derrota quando vejo que não tive a disciplina de controlar a quantidade que deveria comer.
Enfim, defendi a minha forma anômala de viver como uma atitude saudável para a condição de vida que alcancei. Tudo isso foi discutido apenas num simples aspecto fisiológico, quanto mais se fosse discutido a questão dos relacionamentos, onde parece que o meu comportamento aparece com muita mais anomalia, comparada a forma de relacionamentos da maioria.
Após o fracasso na tentativa de libertação do meu espírito da escravidão que o corpo impõe sobre ele, li na minha agenda, “Diário Bíblico” da Editora Ave Maria, um trecho do Evangelho escrito por João (16, 20-23):
“Em verdade, em verdade vos digo: haveis de lamentar e chorar, mas o mundo se há de alegrar. E haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza se há de transformar em alegria. Quando a mulher está para dar a luz, sofre porque veio a sua hora. Mas depois que deu à luz a criança, já não se lembra da aflição, por causa da alegria que sente de haver nascido um homem no mundo. Assim também vós: sem dúvida, agora estais tristes, mas hei de ver-vos outra vez, e o vosso coração se alegrará e ninguém vos tirará a vossa alegria. Naquele dia não me perguntareis mais coisa alguma.”
Essa lição do Mestre veio me trazer a compreensão de que é preciso o sofrimento para acontecer a libertação. Como é que eu iria alcançar a libertação da minha alma, se eu não deixo de atender os desejos do corpo? Para ser objetivo e focando nos motivos da última postagem, como eu iria alcançar a liberdade do espírito do jugo da gula, se eu não me abstive de ter o prazer decorrente da degustação de pratos saborosos? Este é um exemplo pequeno comparado com a missão que recebi do Pai de construir uma comunidade onde os relacionamentos aconteçam com obediência à Lei do Amor Incondicional. Para atingir essa meta eu tenho que me livrar dos vícios e defeitos que minha alma carrega. E para me livrar disso é preciso que eu esteja disposto a enfrentar o sofrimento, pois somente assim eu poderei me alegrar ao ver o Cristo no futuro, como Ele mesmo afirma.
Tudo parece ainda mais difícil, pois quanto mais eu estudo e adquiro conhecimentos sobre o mundo espiritual e o que se deve fazer para caminhar dentro da evolução espiritual, mais eu percebo que tenho defeitos e vícios, e que não são tão fáceis de corrigir. É preciso que eu esteja disposto a sofrer para conseguir me libertar do jugo da escravidão do egoísmo animal e assim ter condições de ficar alegre nesse encontro com Jesus.
Com essa nova compreensão eu fico mais conformado com as falhas e fraquezas dos últimos dias, e ainda mais sabendo que estava com o Pai na “torcida”. Mas sei que Ele perdoou automaticamente esses meus erros e que volta a “torcer” pelo meu sucesso. Da minha parte estou disposto a recomeçar mais uma vez, agora sabendo mais detalhes de como pode acontecer uma recaída. Muito parecido com a dependência química, onde a pessoa que sofre uma recaída deve lembrar dos mecanismos que foram usados para ela recair, como forma de ficar no arsenal de coisas e sentimentos que devem ser evitados para não voltar a usar sua droga de desejo.
Com relação a gula aprendi que minha mente gera pensamentos e sentimentos que me aproximam de ambientes de alimentação. Fico a imaginar pessoas que poderiam me acompanhar nas refeições, serviços que possam oferecer tal alimento da minha preferência, etc. Quando isso acontece o desejo se inflama e parece que anestesia a vontade, a voluntariedade. A recaída é fatal!
Estava animado para aproveitar o dia 13-05 e me libertar das cadeias internas, do jugo da preguiça e da gula. Pensava que não era tão fácil, mas que eu poderia conseguir, mesmo porque eu sentia que o Pai estava na torcida por mim. Ledo engano! Falhei vergonhosamente à primeira visão que tive da carne de charque, bem assadinha, cortada em miudinhos... como a me chamar. Agora estou aqui, digitando mais uma vez essa questão da escravidão e agora com a certeza que continuo sendo escravo e que essa libertação é mais difícil do que aquela libertação física que Zumbi conquistou ao fugir para Palmares. Eu não posso fugir de mim, onde eu estiver, ali estarei eu com todas as minhas cargas de vícios e defeitos.
Olho para frente e vejo a responsabilidade que o Pai colocou em meus ombros, e olho no espelho e vejo uma figura frágil sem forças para o enfrentamento do próprio egoísmo, quanto mais o egoísmo de terceiros. Antes de seguir em busca de retirar o cisco do olho dos irmãos, eu não consigo tirar a trave que está no meu. Pelo menos eu tenho a consciência disso, que tenho uma trave no olho e que devo retirá-la.
Lembro-me de Moisés que foi convocado por Deus para uma missão que ele sabia que não tinha forças suficientes para cumpri-la, não sabia nem falar. Deus, no entanto, falou com ele, incentivou-o e colocou o seu irmão Aarão para ser o seu intérprete frente ao Faraó. Mas se eu não consigo esse tipo de contato com Deus? Não consigo vê-lo ou escutá-lo? Posso estar agora simplesmente delirando sobre conjecturas que não se apoiam na lógica da realidade material?
Este corpo que Deus me deu, tão saudável, vigoroso, é, no entanto, um exímio carcereiro. Eu não consigo ver ou ouvir nada do mundo espiritual. O que eu aprendi do mundo espiritual foi simplesmente devido o uso da lógica frente os fatos e argumentos ao meu redor. Esta mesma lógica é que me aponta a condição de escravo. Sei da importância do meu espírito, que ele está encarnado neste corpo físico para aprender a administrar os diversos desejos que ele emite, sem prejudicar a minha evolução, tanto no ponto de vista material, quanto do ponto de vista espiritual.
Sei o que devo fazer para executar o comportamento necessário para a evolução do espírito. Basta usar a ferramenta da vontade para eu quebrar as algemas da escravidão ao corpo físico e construir novos esquemas comportamentais necessárias à evolução do espírito. Mas não consigo sucesso. A minha vontade de fazer o que é importante, logo fracassa frente aos desejos do corpo.
Tenho um monte de tarefas para realizar, mas o peso dessas duas faltas faz um prognóstico ruim do meu sucesso. Vejo com pessimismo tudo que fiz até agora. Estou numa posição social anômala frente à prática “normal” que vejo ser executada pela maioria. Moro sozinho, com os entes queridos à distância, pois a forma deles pensarem e agir não tem afinidade com a minha forma de pensar e agir.
Meu espírito está preso na senzala organizada pelo meu corpo. Mesmo que eu tenha toda essa compreensão, não consigo a liberdade do meu espírito. Rogo a Deus que me dê forças e sabedoria, pois não consigo sozinho sair desse labirinto de desejos e emoções, de desvios e de quedas.
Ontem, 13 de maio, é a data que se comemora a abolição da escravatura no Brasil, através da Lei Áurea (Lei Imperial nº 3353), que definiu a liberdade total e definitiva aos negros.
A minha tez é considerada morena, mas com tonalidade mais para o negro que para o branco. Isso implica dizer que eu sou mestiço, mas que prevalece o negro em meu sangue. Portanto, devo ter motivo de alegria e também festejar os efeitos dessa Lei, que com certeza libertou os meus antepassados, facilitou a minha vida e dos meus descendentes.
Com certeza, este foi um momento de grandeza na historia do Brasil, da África, na história da humanidade, onde todos estamos conectados. Estamos assim, livres das correntes, das algemas, dos pelourinhos, dos paus-de-arara, da forma de escravidão mais brutal e explícita. Mas continua a existir escravidão, não tão localizada como no Brasil e África, nem tão explícita com os instrumentos de tortura. Essa escravidão que refiro é mais sutil e está presente em todo o planeta, onde existir um ser vivo que pertença à humanidade. É a escravidão exercida pelo egoísmo do corpo sobre o espírito ignorante de sua origem e destinação divina. Em função disso aquele que demonstra mais inteligência ou poder, financeiro ou político, conquistado ou herdado, passa a humilhar e explorar os seus semelhantes para se manter no poder e usufruir do suor alheio com o apoio da leis que eles promulgam. Assim são formadas legiões de miseráveis escravizados pela perversa ignorância dos poderosos. Quando olhamos à distancia essa cena, observamos com clareza o poderio de países ricos sobre os pobres, de comunidades ostensivas, sobre os favelados ou despossuídos. Podemos até fazer essa crítica contundente a essa situação que existe desde que o homem se relaciona em sociedade, seja culta ou ignora. Mas se olharmos para dentro de nós, se refletirmos sobre os nossos pensamentos, sentimentos e ações, verificaremos que os mesmos defeitos que estão sustentando a escravidão dentro da humanidade também existem dentro de nós. Vai ser impossível a criação de uma lei que corrija essa escravidão, se nós não aceitamos a realidade desse fato e lutar pela liberdade do nosso espírito frente ao domínio do ego.
Ao fazer essa reflexão constatei que o Pai mais uma vez preparou o terreno para me dar uma forte lição. No dia 11-05-15 eu havia postado um texto neste diário com o título “Fracos, escravizados e viciados”, onde eu me incluía dentro desses adultos com esse perfil que Jesus chamava de crianças intelectuais. Hoje faço essa reflexão sobre a escravidão da escravatura no Brasil e pressinto aonde o Pai quer chegar. Ele quer que eu entenda que da mesma forma que fui libertado das algemas físicas por uma lei humana, eu devo me libertar das algemas psicológicas do egoísmo intrínseco ao meu corpo por uma Lei divina que eu já tenho conhecimento, a Lei do Amor Incondicional.
Tenho oportunidade de hoje, dia 13-05, como aconteceu no passado, eu adquirir a minha liberdade das exigências que o corpo faz e que oprime o meu espírito. As duas principais algemas que me prendem às exigências do corpo, a gula e a preguiça, posso a partir de hoje quebrá-las, é isso que o Pai espera que eu consiga fazer. Devo fazer um agendamento meticuloso onde possa colocar meus compromissos espirituais e o repouso necessário à vitalidade do corpo.
No segundo capítulo do livro “Retratos de Nazaré” ditado pelo espírito Léon Tolstoi, ele abre com um trecho do “Evangelho Segundo o Espiritismo”, capítulo IX, organizado por Allan Kardec: “A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus pontos, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem que os homens erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão, a resignação é o consentimento do coração, forças ativas, ambas, porquanto carregam o fardo das provações que a revolta insensata deixa cair. O pusilânime não pode ser resignado, da mesma forma que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obediente.”
Essa abertura serviu para Tolstoi contar a história de duas pessoas que se conheceram durante uma palestra que Jesus fazia na comunidade, e logo o amor despertou entre os dois com toda a intensidade. Mas como ele era um judeu pobre e ela uma jovem de poderosa família romana, logo perceberam que se continuassem com o seu idílio iriam afrontar suas famílias e muito sofrimento iriam gerar devido aos preconceitos e intolerâncias da época. Por esse motivo eles decidiram não mais se encontrar, e a moça aceitou se casar com a pessoa também poderosa que o seu pai indicou. O rapaz nunca casou, ficou ajudando o pai até a morte dele. Pegou sua parte da herança e foi em busca dos discípulos do Mestre, já que este já não estava entre os encarnados, pois fora crucificado. Construiu uma espécie de abrigo à beira da estrada onde todos os desamparados da sorte podiam ser acolhidos.
Este foi o exemplo de obediência que cada um acatou ouvindo as razões do coração e continuando as suas vidas sem mágoas, por sentirem que fizeram a coisa certa. Também é um exemplo de resignação, pelo coração ter consentido a viver longe da sua amada sem com isso levar a pessoa à depressão ou outras formas de autodestruição.
Agora eu passo a refletir nas decisões que tomei na vida e que parece que vai na contra mão dessas lições oferecidas pela espiritualidade maior. Será que eu, ao ceder aos desejos de me relacionar intimamente com outra pessoa fora do casamento, causando com isso o rompimento da família nuclear que eu havia construído, não levou a sofrimentos em pessoas que viviam sob minha influência direta? Não poderia ter convencido o meu coração a ser resignado e não procurar nutrir aquele desejo que surgia agora na minha frente, como aconteceu na história? Se eu faço essa comparação direta, é claro que vou me considerar culpado, que falhei na obediência aos votos que fiz no altar e não tive a resignação necessária para abrandar os desejos do coração. Se eu fosse aplicar o meu juízo atual com aquela situação do passado, sem nenhuma outra consideração, eu iria me declarar culpado. Acontece que eu tenho uma consideração fortíssima que justifica minhas ações naquele momento distante no tempo e que se consolida no momento atual.
No momento atual eu tenho a firme convicção que estou seguindo a vontade de Deus, cumprindo o programa do Amor Incondicional em todos os ângulos que eu seja avaliado. E isso só se tornou possível porque eu tomei aquela decisão no passado, deixando fluir o amor por onde ele queria se manifestar e ao mesmo tampo agindo com justiça, permitindo que o mesmo fluxo de amor que perpassa por mim e minhas companheiras de momento, também pudessem passar por minha esposa e seus prováveis companheiros de momento.
Então, a obediência e resignação que eu não tive no passado, deixaram livre a manifestação de uma força maior, a força do Amor Incondicional associado a um firme padrão de justiça e solidariedade. Considero que esta força maior deveria ser expressa em algum momento acima dos seus derivados como obediência e resignação. Agora o Amor pode se expressar acima e apesar da obediência a regras de natureza egoísta, e da resignação que deixa a situação permanecer como sempre foi, no intuito de não trazer sofrimento. Talvez seja nesse ponto que o Cristo orientou que não viera para trazer a paz das conveniências, dos preconceitos, das intolerâncias; ele viera para trazer a espada que iria ser bramida dentro da própria casa com os próprios parentes.
Tudo isso sinaliza que eu fui além dessas lições comportadas da obediência e da resignação, mas acontece que terminei servindo de instrumento de Deus para atingir o nível em que me encontro e ser modelo para o mundo que eu quero construir, no dizer de Mahatma Gandhi.