A partir do dia 5 deste mês foi iniciado um novo tempo litúrgico, a Quaresma. Após a folia mundana do Carnaval surge o tempo de nos recuperarmos dos excessos cometidos. Não fiquei dentro de nenhuma folia carnavalesca nesse período, pelo contrário, procurei desenvolver ações que acredito ser da vontade de Deus. No entanto, esse clima da Quaresma é propício para um aprofundamento da espiritualidade, de interiorizarmos o sentimento da divindade. É o momento de eu ficar mais atento a uma atitude de conversão dos interesses egoísticos, materiais, aos interesses de Deus e dos meus irmãos.
É um momento importante para que eu faça uma reflexão profunda e sustentada durante esses 40 dias de introspecção. Avaliar a minha caminhada enquanto discípulo de Jesus, que pretende aplicar suas lições com todos os recursos que possuo.
Como pretendo acolher o Reino de Deus como uma verdade a se realizar, devo cumprir sem alardes a vontade do Pai em qualquer ocasião que eu sinta a necessidade, sem alardes ou ostentações de qualquer tipo. Devo observar os três principais atos de piedade: a esmola, a oração e o jejum.
Desses três atos a esmola é a que ofereço maior resistência. Não é que minha essência egoísta impeça essa caridade, mas é a minha avaliação racional que impede. Fico logo a imaginar que a criança que estende a mão pode ter por trás um adulto inescrupuloso que explora a sua inocência e fragilidade; que o adolescente estar juntando as pratinhas para ir à boca de fumo; que o adulto ou idoso que apresenta uma ferida aberta, um membro decepado ou qualquer deficiência física, pode já ser um aposentado e que sua ação de arrecadar dinheiro da caridade pública pode lhe render muito mais do que um dia de trabalho assalariado.
O segundo ato de caridade, a oração, eu tenho tido um bom desempenho, apesar de em muitos momentos eu ficar travado ou envergonhado de falar com o Criador. Mas já estou consolidando um hábito de fazer a oração rigorosamente a meia noite, antes de dormir, e pela manhã logo ao acordar. Tenho treinado bastante na oração, a conversa com Deus, o momento que eu falo para Ele, e também a meditação, um momento dentro da oração onde fico calado e deixo surgir na minha mente o que o Pai deseja falar comigo.
O terceiro e último ato é o jejum. Desse três é o mais aplicável para mim. Consigo ficar três dias sem nenhuma alimentação e com capacidade de aumentar ainda esse período. É o momento de corrigir o excesso de peso que me ameaça a obesidade, tenho também que o jejum não pode ser só de alimento, mas de toda ação que não seja agradável aos olhos de Deus.
O sentido do jejum é acima de tudo uma renúncia aos velhos conceitos, às velhas estruturas sociais, as velhas mentalidades de vida que impedem a libertação daquilo que não nos faz ver Deus.
O Reino de Deus que devemos construir, não pode ser recebido como uma simples reforma, mas requer uma mudança e uma renovação radical, requer a conversão. A verdade é eterna, dinâmica, reveladora, jamais se esgota nas estruturas. A formação de uma família ampliada, com a perspectiva da família universal, é a conversão que precisamos fazer no tecido social para romper com as velhas estruturas que se tornaram ninhos de egoísmo, intolerância e prepotência.
Vou procurar cumprir nesses 40 dias, todos os três atos de caridade, mas sei que terei mais eficiência com a oração e o jejum. Mesmo não sendo tão radical com o jejum como das vezes anteriores, mas procurarei ser persistente até o último dia.
Francisco Daudt, psicanalista e médico, colunista da Folha de São Paulo, fez um artigo intitulado “Coitadismo” onde mostra o comportamento dos miseráveis que escancaram suas misérias para obter a caridade pública. Diz que assim o nosso sentimento de culpa assume a consciência e se alia aos objetivos dos miseráveis.
Não digo que o nobre colega esteja equivocado, pois acontece muito isso que ele aponta, entre os miseráveis e entre nós que alimentamos essa gangorra da miséria. Porém eu posso lançar um olhar que ultrapassa o simples fato e se dirige a origem. O que causa essa população de miseráveis que a cada dia parece que aumenta mais? Afinal, se eu ou qualquer pessoa tivesse nascido nas condições daquele miserável, será que teríamos um destino diferente do deles?
Prefiro olhar pelas lentes do Evangelho e procurar ajudá-los, mesmo sabendo que de lá é que surgem os criminosos que realizam tanta violência na comunidade. A melhoria do aparato policial, o aumento do número de cadeias, não está resolvendo a situação. Procurar entrar no foco da miséria e dentro dela ver o que é possível fazer para corrigir um pouco do mal engendrado.
Os dois projetos que estão sendo desenvolvidos dentro da comunidade tem esse objetivo. Sei que eles vão exigir doação da parte de quem se voluntarie e também uma grande dose de paciência. Paciência em todos os aspectos, entre nós que já estamos dentro do projeto, entre aqueles prováveis parceiros que tem o potencial de participar e entre os próprios beneficiados.
Muita gente que reclama e na hora de fazer alguma coisa não consegue estar junto; alguns esquecem, outros colocam diversas prioridades... e o trabalho termina morrendo por inanição.
Paciência comigo mesmo, pois eu vejo tantas falhas nas boas intenções que não se realizam, mas que existem também falhas comigo mesmo. O nível de doação que eu deveria ter é muito pequeno, tendo em vista o meu potencial. O trabalho que eu poderia fazer é desperdiçado em outras atividades sem o mínimo valor dentro do projeto.
Tudo isso parece traças dentro do conjunto do trabalho que deveríamos realizar. O coitadísmo que Francisco Daudt identifica na sociedade com relação aos miseráveis que expõe as suas misérias em troca da caridade daqueles que se sentem culpados, tem um alcance muito maior... atinge também a nós, que com toda a inteligência e condições materiais, com boas intenções, e mesmo assim não conseguimos fazer a contento o trabalho que o Pai espera de nós.
A segunda vertente comportamental, a externa, diz respeito a minha relação com os outros, formando a sociedade. É um prolongamento da vertente interna, do meu relacionamento íntimo e que necessariamente se prolonga pelo tecido social do qual deve fazer parte. Por mais diferente que seja do tecido social pré-existente, mas se tem condições de se mostrar superior, então deve com o tempo fazer a substituição. É preciso apenas ter a coragem de dizer a verdade e de praticá-la, rompendo com todas as amarras internas do egoísmo.
Para ensinar essa verdade, mostrar a corrupção existente no atual tecido social, e a melhor forma de correção, é que veio Jesus para nos ensinar a maior forma de amar. As suas lições presentes nos Evangelhos e em outros textos e livros derivados é ainda a melhor e mais eficiente forma de corrigir a doença da sociedade, desde que tenhamos a honestidade de ver a verdade que ela nos apresenta e a coragem de fazer o que é necessário e que está sob nossa responsabilidade.
Foi a coerência com esses pressupostos que fez com que eu desencadeasse projetos de Extensão Universitária, dentro de minha área de atuação, para que fosse possível a aplicação das lições de Jesus dentro da comunidade de forma imediata. Foram elaborados 2 projetos: um para a comunidade de Praia do Meio e outro para a comunidade de Caicó. Apesar da aparência diferente, ambos possuem a mesma filosofia, de aplicar as lições de Jesus de forma voluntária no meio social como maneira de construir o Reino de Deus, uma nova ordem social.
Sei que irá existir uma infinidade de barreiras para a concretização desses projetos, mas sei que eles estão de acordo com a vontade de Deus e, por conseguinte, estão sob a liderança direta do Mestre Jesus, o governador de todo o planeta. Do ponto de vista político, estou muito bem colocado e todas as barreiras que porventura se levantem contra esses projetos não prevalecerão sobre eles.
Sei que a essência de todas as barreiras que irão surgir será o egoísmo e suas derivações. Pessoas mais próximas ou mais distantes irão se mostrar afetadas por tal ou qual motivo. O orgulho e vaidade podem ser adversários poderosos que só a força da humildade poderá vencê-los.
Um grande fator motivacional para a minha ação e de todos aqueles que ficarem sensibilizados para a sua realização, é a luta para acabar com a miséria que existe na comunidade, no tecido social, e que permite atos atrozes de violência explícita e constante de irmãos contra irmãos. Acabar com o medo que invade o coração de todos, de lobos e cordeiros, e que precisam de pastores comprometidos com a lei de Deus. Pessoas dispostas a se doarem para corrigir as distorções sociais, que denunciem as injustiças e que se envolvam na sua correção.
Neste momento que os projetos iniciam é importante que todos os envolvidos estejam conscientes de suas responsabilidades de doadores do seu tempo e até valores materiais para viabilizar o projeto. Sei que sozinho não conseguirei alcançar os objetivos propostos nos projetos, que dependerei de cada um dos voluntários, por menor que seja a expressão de sua contribuição. É parecido com o óbolo da viúva para a qual Jesus chamou a atenção; a contribuição maior será sempre aquela que a pessoa sentirá mais a falta do que foi doado.
Com essas observações podemos verificar as primeiras normas de conduta que irá disciplinar esse voluntariado do bem. Primeiro, que aquele que desejar ser o maior, o mais importante de todos, deve se esforçar para servir a todos sem distinção; que aqueles que desejam ser registrados como os maiores contribuidores, devem sentir muito mais a falta daquilo que doaram; que devem fazer o bem sem olhar a quem e de forma anônima, sem que o beneficiário saiba que está sendo alvo de sua caridade, que à distancia da pessoa em foco, o voluntário consiga ressaltar os seus aspectos positivos, mesmo que o interesse pessoal exija o contrário.
Seguindo o raciocínio do texto anterior onde identifiquei duas vertentes comportamentais acopladas à vontade do Pai, as quais devo desenvolver neste meu atual período de vida, vou agora abordar com um pouco mais de profundidade a primeira vertente, sabendo que ainda será preciso mais investidas para deixar mais esclarecido tal forma de pensar e de agir.
A vertente interna diz respeito a minha relação mais íntima com pessoas, no meu caso com mulheres, que chegam a integração corporal, a diluição do corpo e da mente entre secreções, humores e afetos, chegando até o clímax do prazer na relação sexual.
Esta relação sexual, importante na vida material, mas desnecessária na vida espiritual, tem o importante objetivo de manter a vida biológica através dos instintos, um importante mecanismo desenvolvido pelo Criador e integrado às leis da Natureza.
Assim, somos naturalmente atraídos, homem-mulher, através dos instintos e hormônios, á conjunção carnal que visa a reprodução. A espécie humana, pertencente ao reino animal, divide com todas as espécies esse conjunto de instintos e motivações que levam à reprodução. Entre todos os animais não existe outra limitação que discipline esse comportamento que leva ao sucesso reprodutivo Impera a lei do mais forte associada a um egoísmo intrínseco e justificável pela perpetuação dos genes do animal mais apto.
Nós, humanos, que pertencemos ao reino animal, dividimos com eles toda maquinaria instintiva e motivacional associada a sucesso reprodutivo. Porém adquirimos com o progresso evolutivo condições de processar outra instância limitadora do comportamento, dessa vez não mais associada à evolução no mundo material, e sim a dimensão espiritual. É uma dimensão que só pode ser alcançada por um processamento psíquico superior que se projete além dos interesses imediatos. Um psiquismo que tenha condições de refletir sobre a nossa origem e destinação, que possa arquitetar um pensamento de humildade frente a condição de criatura de um poder que está muito além de nossa compreensão.
Com a compreensão das exigências do mundo espiritual e sabendo que o mundo material é apenas uma espécie de escola ou hospital para a nossa evolução enquanto espírito e não enquanto corpo, passo agora a dar prioridade aos valores espirituais.
Os instintos e motivações que fazem minha aproximação com as mulheres passam a sofrer limitações dos valores espirituais. A primeira conseqüência é assumir o Amor Incondicional como a lei prevalente do mundo espiritual e da qual nenhuma outra pode se sobrepor, sob pena de ficarmos parados na evolução do mundo principal. Então, a integração do homem com a mulher deve deixar de se orientar pelo egoísmo de considerar o outro como posse, de defender o exclusivismo da relação afetiva, de nutrir ciúmes, de formar um núcleo familiar refratário a outros afetos, muitas vezes que nem tem a conotação sexual.
Meu comportamento agora é formar relacionamentos abertos, inclusivos, com a perspectiva de uma família ampliada que sirva de protótipo da família universal característica do Reino de Deus.
Fui instado a fazer uma reflexão a respeito de minhas crenças, do trabalho que quero realizar no campo espiritual; será que estou tentando fazer mesmo a vontade de Deus? Será que não estou tentando criar uma nova religião?
Os projetos de extensão universitária que estou elaborando e desenvolvendo no momento estão todos envolvidos no campo espiritual. A minha formação acadêmica no campo da psicofarmacologia ficou em segundo plano. Todo foco de minha atenção está voltado para os princípios espirituais, da exigência evolutiva para o espírito e fazer a discriminação do que pertence à matéria, a carne, e o que pertence ao espírito, a alma.
Desenvolvi com profundidade a compreensão da filiação divina e o que Ele espera de mim enquanto Seu filho. Tendo encontrado essa resposta que passou a ser minha missão, procuro agora a desenvolver com toda intensidade e eficiência. Isso implica que tenho que me relacionar de forma ampla com o meu próximo, principalmente as mulheres que as circunstâncias trazidas pelo Pai me oferecem e trazem em si as condições afetivas suficientes para o aprofundamento na interação dos corpos, na forma de interação sexual.
Termino por compreender que existem duas fortes vertentes para direcionar as minhas ações práticas na aplicação do Amor Incondicional – que é a essência do meu plano de vida, dentro de todo relacionamento que eu tenha oportunidade de realizar.
A primeira e mais íntima, é a formação de um núcleo familiar mais apropriado a construção do Reino de Deus. Uma família que não coloque limites para o Amor; que pratique a inclusividade e não a exclusividade; que desenvolva a fraternidade e não o ciúme... uma família aberta a entrada de novos parceiros afetivos, tanto para homens quanto para mulheres, uma família ampliada que busca formar a família universal. Para que isso aconteça é necessário que se pratique a lição oferecida pela Bíblia, da mulher se integrar com o homem e serem carne da mesma carne. É preciso que haja aqui a hierarquia dos projetos de vida, cabendo ao homem que é naturalmente o “cabeça” do casal a prioridade no projeto coletivo e que a mulher se harmonize com ele para se tornarem viáveis enquanto companheiros de profundidade sexual, capazes de gerar filhos.
A segunda vertente de ação é mais externa, diz respeito ao amor ao próximo, qualquer que seja ele, amá-lo como se tivéssemos amando a nós mesmos, sentir as suas necessidades e tentar aliviá-las de forma fraterna, desinteressada, sem colocar barreiras preconceituosas de qualquer natureza e que impeçam a expressão e aplicação do Amor Incondicional.
Cada uma dessas vertentes exige que seja feita um aprofundamento teórico que capacite o leitor a compreender melhor o projeto final que se deseja alcançar com a realização desse modo de vida. Procurarei desenvolvê-las nos próximos dias.