O antropólogo e um dos principais pensadores contemporâneos, Edgar Morin, diz o seguinte sobre a crise das sociedades:
A própria civilização ocidental, que produz as crises da globalização, encontra-se em crise. Os efeitos egoístas do individualismo destroem as antigas solidariedades. Um mal estar psíquico e moral instala-se no coração do bem-estar material. As intoxicações consumistas das classes médias se desenvolvem, enquanto a situação das classes desvalidas se degrada e as desigualdades se agravam. A crise da modernidade ocidental torna derrisórias as soluções modernizadoras para as crises. (A via – para o futuro da humanidade, Ed. Bertrand Brasil, Rio de janeiro, 2013)
Essa visão pessimista de Morin, quanto a sociedade humana, referenda o que observamos séculos após séculos: o individualismo humano corroendo o potencial de fraternidade que possuímos. O contraponto que obtivemos com as lições do Mestre Jesus, se devidamente aplicadas, é o fator que pode tirar a humanidade dessa crise e construir o Reino de Deus como Ele previa.
Para que isso aconteça é necessário que façamos combate ao egoísmo que mora dentro de nós e consigamos reformular todas as nossas relações com base no amor incondicional, principalmente as relações afetivas que são estruturadas com base no amor romântico que constrói a base da família nuclear, ciumenta e exclusivista.
Apesar de a maioria conhecer o Evangelho de Jesus e reconhecer a importância de aplicá-lo como roteiro de vida que ele oferece, quase ninguém tem a preocupação de o colocar em prática. Até mesmo os sacerdotes e pastores, aqueles que se colocam como discípulos e propagadores do Evangelho, não conseguem aplicar os princípios do amor incondicional em suas vidas. Observamos a corrosão de o egoísmo ocorrer dentro dos próprios templos faraônicos. E quem se propõe a viver o Evangelho de Jesus com integridade, termina por se tornar isolado dentro da comunidade, longe dos conluios humanos que favorecem a grupos minoritários em detrimento da coletividade.
É assim que eu me sinto, solitário pelos caminhos do amor incondicional. Meus diversos amigos e companheiras, apesar de reconhecerem a prevalência do amor incondicional frente a qualquer uma outra derivação do amor, não conseguem aplicá-lo em suas vidas e dessa forma entram em conflito comigo, geram sofrimento, e me deixam sozinho dentro dos meus paradigmas.
Por mais que exista o amor nas relações, se o egoísmo não é erradicado dos corações, sempre haverá o ciúme e o exclusivismo a solapar o projeto de fraternidade para a construção do Reino de Deus que Jesus tanto nos ensinou.
O anúncio do Reino de Deus feito por Jesus leva em consideração o remanejamento das relações humanas em direção ao espírito de unidade, à família universal. Para isso acontecer é necessário que façamos a reformulação da atual base da sociedade humana, a família, pois esta é construída atualmente nos critérios do amor romântico que são exteriorizados no egoísmo, na exclusividade, tanto parental e principalmente conjugal, no ego pessoal.
Quando o Mestre exige: “Quem não renunciar a tudo que tem não pode ser meu discípulo”, visa Ele, em primeiro lugar, não a renúncia aos bens objetivos, mas ao bem subjetivo do nosso ego, que é o grande mal. Quem não renunciou ao seu ego pessoal não pode renunciar aos objetos impessoais ou pessoas significativas. E ainda que a estes renunciasse não seria uma renúncia perfeita, mas uma renúncia forçada e dolorosa. Uma renúncia feita com dolorosidade não é uma renúncia garantida. Renúncia perfeita é somente aquela que se faz com alegria e espontaneidade – e esta renúncia aos objetos impessoais e seres significativos só é possível na base de uma renúncia ao ego pessoal. Quem renunciou ao seu ego subjetivo não encontra nenhuma dificuldade na renúncia aos bens objetivos ou pessoas que ama, que é uma simples consequência direta daquela.
Nos relacionamentos de natureza egoísta uma simples pergunta que leva a uma resposta de envolvimento do ser amado com outra pessoa, já é suficiente para criar uma forte fonte de mal-estar; uma simples observação de uma situação que pareça sinalizar o envolvimento da pessoa amada com outra é uma forte fonte de sofrimento. Tudo isso acontece, pois a pessoa mantém o seu ego pessoal ativo e este não quer perder nada que considere seu, seja bens objetivos ou pessoas amadas. Isso antipatiza a todos que constituam uma ameaça aos seus interesses egóicos, que favorece a raiva e a inimizade, o ciúme e a exclusão. Com essa disposição jamais será alcançado o espírito de unidade necessário ao Reino de Deus.
É necessário que reconheçamos uma bipolaridade em nossas vidas, se queremos nos reformular para criar novos relacionamentos condizentes com o espírito de unidade, com a família universal, com o Reino de Deus. Somos pecadores somente no ego humano, mas também possuímos o Eu divino capaz de promover a nossa autorredenção.
Este é o esforço que o Mestre espera que possamos fazer com consciência e firmeza, a renúncia subjetiva do nosso ego pessoal para sermos capaz de renunciar com alegria a tudo que imaginamos possuir, bens materiais e pessoas amadas.
Então, volto a enfatizar a importância dessa condição se quisermos seguir a lição do Mestre: somos portadores de bipolaridade na nossa natureza humana, admitimos tanto o homem-pecador como o homem-redentor. Assim, podemos partir para o espírito de unidade, amando ao Pai acima de todas as coisas, e ao próximo como a nós mesmos!
Hoje ao entrar no segundo semestre de 2013, estou registrando a última devoção constante a Deus orientada pelo Bhagavad Gita. Devemos nos elevar a uma plataforma tal que possamos obter compreensão sobre a Suprema Personalidade de Deus e assim ocupar-se no serviço devocional, nos diversos aspectos como descritos antes. Esta é a perfeição do conhecimento.
Começando pela prática da humildade e indo até o ponto de compreensão acerca da Verdade Absoluta, a Absoluta Personalidade de Deus, este processo é exatamente como uma escada que começa no térreo e vai até o último andar. E nesta escada há muitas pessoas que alcançaram o primeiro andar, o segundo ou o terceiro, etc., mas quem não alcança o último andar, que é a compreensão acerca de Deus, está numa fase de conhecimento inferior. Se alguém quiser competir com Deus e ao mesmo tempo tentar progredir em conhecimento espiritual, ele se malogrará. Afirma-se claramente que, sem humildade, a compreensão realmente não é possível. Julgar-se Deus é muita pretensão. Embora esteja sempre sendo chutada pelas rigorosas leis da natureza material, mesmo assim, devido a ignorância, a entidade viva pensa: “Eu sou Deus”. O despontar da sabedoria, portanto, é humildade. Devemos ser humildes e saber que somos subordinados ao Senhor Supremo. Devido a rebeldia contra o Senhor Supremo, ficamos subordinados à natureza material. Todos devem saber esta verdade e estar convictos dela.
Esta lição do Bhagavad Gita é fundamental para quem deseja evoluir nos conhecimentos espirituais. Principalmente na colocação da humildade como a base em que está montada a escada de nosso crescimento. Sei que com a aquisição de muitos conhecimentos materiais, terminamos por desenvolver certa arrogância e assumindo o papel de um deus, determinar a inexistência de Deus. Sei disso, pois também passei por esse processo como tantos outros. O fato de eu não poder comprovar através dos meus cinco sentidos a existência dessa Absoluta Personalidade de Deus, fez com que eu desacreditasse nEla. Felizmente o meu racional terminou convencido pelos caminhos da lógica, que eu jamais iria encontrar essa Absoluta Personalidade de Deus antropomorfizada em qualquer aspecto humano ou limitada a qualquer aspecto da Natureza. O máximo que eu poderia entender dessa “Personalidade” é na forma de energia que toscamente posso explicar como inteligência suprema do Universo com base no Amor Incondicional. Isso é o máximo que a minha inteligência, que representa a doação de uma parcela ínfima dessa inteligência, pode argumentar e acreditar racionalmente, firmar uma convicção. Para acontecer isso tive que derrotar a minha arrogância, de querer destruir aquilo que eu não conhecia, e desenvolver a humildade de reconhecer a minha imensa ignorância frente à criação, quanto mais frente ao Criador.
Não tinha como eu negar a minha condição de criatura e comigo todos os demais aspectos da Natureza. Se eu nego o Criador fico na condição de um deus dentro da natureza e sofrendo todos os efeitos do que produzo e do que ela produz. Que deus é esse que não tem controle nem do que pode ou não pode fazer, quanto mais do que pode sofrer pelas ações ou reações da natureza? É por isso que o Bhagavad Gita diz que esse indivíduo está sempre sendo chutado pelas leis da natureza e na sua arrogância ainda se considera um deus. Quando passamos a ser humildes e aceitar a existência de Deus como Criador de tudo, não é devido a isso que deixaremos de sofrer as consequências de nossas limitações e das leis da natureza, elas continuarão a existir e a influenciar a todos, crentes ou não crentes, humildes ou arrogantes. A diferença é que passamos a saber dos limites de nossa inteligência, que somos um dos inumeráveis seres da criação, que existe uma inteligência bem maior e acima da nossa e que a vida não se resume apenas ao plano material onde nossa arrogância prospera.
Dentro dos preceitos da devoção constante, ensinados pelo Bhagavad-Gitã, é a auto-realização uma das mais importantes. Não deixa de ser assim uma das mais difíceis, que exige maior esforço. É um aperfeiçoamento que procuramos fazer e que exige muita vontade e determinação para vencer os adversários internos.
Tenho já bem claro na consciência quais são os meus principais adversários internos que impedem a realização dos meus intentos de evolução: a preguiça e a gula. Não é que não existam outros adversários reconhecidos e atuantes no meu comportamento, mas nenhum deles com a força que esses dois demonstram e que estão sempre a solapar as minhas boas intenções. A gula implica no prazer imediato com os alimentos que são necessários as necessidades do corpo, mas que se exagerados pela ação da gula, termina por acumular os excessos, favorecer o sobrepeso e obesidade e consequentemente diversas doenças metabólicas e oportunísticas. A preguiça é a mais sorrateira de todas e que recebe o apoio da gula. Com a justificativa do “justo repouso” necessário a recuperação do desgaste do corpo durante a faina diária, a preguiça sorrateiramente domina o comportamento e patrocina a procrastinação de tarefas importantes em todos os níveis da auto-realização, material e espiritual.
Fazer esse enfrentamento implica numa coragem talvez maior do que ir a uma guerra. No caso da guerra existem fatores externos como a convocação da pátria, os valores éticos e morais envolvidos e até a coerção jurídico/policial para a sua realização. No caso da auto-realização esses fatores externos não existem, quando o comportamento não é tão exagerado ou mesmo quando existe uma série de atividades que demonstram o contrário, que o indivíduo já faz tanto trabalho que jamais pode ser considerado vítima da preguiça. Realmente, esse é um jogo sutil. Eu mesmo chego a pensar dessa forma e quando isso acontece eu vejo um pouco adiante que o repouso justificado se transformou no ócio desnecessário, o que caracteriza a preguiça. Tanto com a gula como com a preguiça, tenho que encontrar o ponto de equilíbrio, pois tanto o alimento quanto o repouso são necessários para uma boa qualidade de vida, mas quando exagerados termina por comprometer essa mesma qualidade de vida que deveria ser o objetivo.
Devo aceitar que para aplicar essa auto-realização como devoção constante na minha vida, vou passar por sacrifícios corporais no que tange os desejos do corpo. Para isso tenho que ter disposição espiritual, uma vontade férrea e um corpo disciplinado e capacitado. Verei se serei capaz de aplicar em minha vida essa devoção constante, sabendo, como o Bhagavad Gita indica, que isso é o que Deus espera de mim.
Se Deus está presente em tudo, aqui e nos confins do Universo; se Deus é a sabedoria completa, a força onipotente... Claro que Ele nos vê e avalia, que nos sonda a cada instante. Acontece que essa capacidade que Ele tem de sondar e ver cada mínimo aspecto de Sua criação, nós, suas criaturas, por outro lado, temos a maior dificuldade em pensar na Sua existência, pelo menos duas vezes ao dia na forma de oração; e existem pessoas que nem ao menos reconhecem Ele como o Pai primordial.
Estou agora, neste exato momento, refletindo sobre esta perspectiva, que sou uma das inúmeras criaturas de Deus, dotado deste artifício consciencial de avaliar minha condição de vida, que não sei se meus irmãos dos diversos reinos da Natureza possuem de forma similar ou não; vejo passar abaixo de minha janela um desfilar de seres humanos como eu, cada um com seu interesse, algo a fazer pelo menos no plano imediato. Eu, como eles, também tenho os meus interesses, mais nobres ou não, mas de forma isonômica, todos observados pelo mesmo Pai Criador.
Como Deus tudo ver a cada momento, ninguém pode fugir à Sua justiça que tem como base o amor incondicional, motor de toda criação. Possuímos o livre arbítrio que Ele nos concedeu, um espaço onde nem mesmo Ele pode ter influência, pois senão perderíamos a característica de autonomia com responsabilidade que é o Seu grande propósito com relação à nos. Com a inteligência que me foi concedida faço essas considerações e posso até sentir Ele por trás dos meus ombros vendo o que estou escrevendo (uma forma de dizer, já que Ele não necessita desse recurso antropomórfico para ver minhas ações). Sei que, tal qual uma criança que ainda não compreende tudo que um dia virá a compreender, eu fico a me comportar na presença do Pai. Sei que faço muitas coisas erradas, a maioria inconsciente, e sei que o Pai está sempre a perdoar minha ignorância ou minha fraqueza. Mas também está sempre pronto a me corrigir quando isso se faz necessário, faz com que eu assuma as consequências dos meus atos.
Cada vez que eu estudo, que aprendo alguma coisa dos livros, professores ou diretamente da própria vida, eu assumo consequentemente responsabilidades. Tenho a sensação de que a nau da minha vida navega por mares desconhecidos em sua grande extensão, que sou submetido a tempestades e calmarias que não sei quando virão, mas sei que se alternarão. Sei que o sofrimento será sempre uma constante nesse navegar, mas que ele é o elemento sinalizador de oportunidades de crescimento, que devemos o entender e aproveitar as lições.
O Pai tudo vê e isso é uma garantia de segurança, pois com Ele está o amor e a justiça e se seguirmos a Lei como assim foi determinado, encontro o caminho da felicidade a cada instante da caminhada, no momento presente, em qualquer lugar, com quem eu estiver.