Ontem fui derrotado mais uma vez pela gula. Ela aproveitou uma chance em que eu entrei num restaurante e logo os pensamentos de comprar alimentos chegaram com força e a intenção que eu tinha de manter um controle de peso se perde. A consciência observa esse movimento dos pensamentos e diagnostica que tudo acontece na mente como se lá fosse um campo de batalha, entre os interesses do corpo físico em oposição aos interesses espirituais.
Ao acordar pela manhã eu formo a convicção, que a meu ver é firme, para fazer o controle alimentar e manter um padrão de queda de peso. Nem bem chega a noite e já faço uma alimentação no apartamento antes de sair. Além disso ainda passo no açaí e faço compra no Mangai.
Vejo que os pensamentos de comprar comida chegam de forma intempestiva e assumem o controle da mente. Não vejo surgir nem um pensamento contrário, sintonizado com o que eu havia prometido logo cedo. Tenho que ficar atento com esse padrão, não posso deixar minha mente só com o controle dos pensamentos do corpo.
Hoje acordei pela manhã para fazer a hidro ginástica e notei que o peso do corpo estava a dificultar meus movimentos. Eu já sei que tenho duas alternativas para seguir em minha evolução: ou aprendo pelo amor, procurando colocar em prática aquilo que é conveniente; ou irei aprender pela dor, adquirindo doenças que fazem eu me comportar como deveria ser. Fiquei a refletir então, porque é difícil colocar em prática o que racionalmente consideramos necessário. Cheguei dessa forma a imaginar que tudo se passa dentro de uma espécie de campo de batalha que é a mente. Portanto, devo ficar atento nesse espaço privilegiado e estratégico que é a mente. Não posso deixar que os pensamentos do corpo prevaleçam sobre os pensamentos do espírito. Mesmo que esses pensamentos do corpo cheguem até a mente, pois isso faz parte da sua fisiologia, não posso deixar que eles prevaleçam, devo manter o foco nos pensamentos do espírito e favorecer para que eles sejam os mais fortes.
Assim estou atravessando o dia. Quando chegam os pensamentos de compra de alimentação, estou a postos para apresentar os pensamentos do espírito. Talvez devido a essa vigilância os pensamentos da gula ficaram bastante escassos.
Porém a prova de fogo foi à noite, após a reunião da AMA-PM, ocasião que sempre é servido um lanche. Por questão de educação e integração, não posso ignorar. Devo pelo menos tomar um copo de suco e pedaço de bolo, foi isso que pensei, mas vejo agora que não foi com muita convicção. Tenho que aprender mais essa lição, os pensamentos devem ser colocados no campo de combate, mas com convicção. Dessa forma, essa foi a chance da gula se impor. Após ter tomado o copo de suco e o pedaço de bolo, achei que não seria demais repetir. Não observei nenhuma resistência nos meus pensamentos. É como se o corpo tivesse feito um bloqueio e os pensamentos do espírito não pudessem mais vir à tona. Repeti a segunda e terceira vez, sem notar nenhuma resistência em contrário. Apenas uma leve sensação de culpa que não era suficiente para barrar o processo.
Quando voltei para o meu apartamento, percebi o quanto é perigoso comer quando estou em regime. É semelhante ao que acontece com o pessoal do AA, pois todos sabem que devem evitar o primeiro gole, senão não podem manter um controle sobre os pensamentos que devem entrar ou não no campo de batalha.
Deus sempre está em contato conosco das mais diversas formas, basta termos ouvidos para ouvir e olhos para ver. O próprio Jesus, o espírito mais perfeito que esteve entre nós, mostrou a intimidade que tinha com o Pai, e certamente absorveu nos seus estudos tudo que iria aplicar em sua vida para assim fazer a vontade de Deus. Dessa forma, Deus espera que cada um desperte da letargia que a vida material nos leva, e que é importante para manter a sobrevivência da carne, mas precisamos viver enquanto adultos principalmente em outra dimensão, com interesses diferentes da matéria e com o objetivo de fazer o Céu descer para a Terra. Somente quando acontecer esse despertar e a pessoa estiver disposta a seguir a Lei de Deus, é que verdadeiramente a vida começa.
Estou sempre preocupado com esse despertar, acredito que já não esteja em sono profundo e que devo aplicar na prática o que já aprendi na teoria. Apesar de já ter começado muitas coisas, ainda imagino que estou esperando dar o primeiro passo na vida. Ao ler a “Fontes Franciscanas e Clareanas” uma pequena frase me chama a atenção, pois se encaixa nessas reflexões: “Termina o prólogo. Começa a vida do bem-aventurado Francisco”.
Será que tudo que fiz até aqui nada mais é do que o prólogo daquilo que deverei realizar? Sei que devo submeter toda a ética divina a um controle experimental dentro do meu próprio comportamento, onde o juiz é a minha consciência, usando o mesmo método positivo da experimentação que a ciência usa para controlar a verdade das outras leis que irei descobrindo, e todas juntas, ao lado da ética divina, constituir a grande Lei de Deus que tudo rege.
O objetivo deste diário é oferecer essas condições de experimentação, onde o meu comportamento é dirigido para o aperfeiçoamento de acordo com a Lei de Deus e os ensinamentos do Cristo. Ofereço aos meus leitores as reflexões que justificam o meu comportamento para que eles possam me ajudar a corrigir os erros que minha pobre sabedoria não conseguir distinguir. Devo tirar as conclusões dos segredos da vida, dos relacionamentos, da formação de sociedades com base nos agrupamentos familiares, a partir daquilo que submeto à minha própria vida; que eu estude na minha vida e na vida alheia que comigo se relacione as tendências inatas que justificam o prevalecimento de tanto egoísmo que até hoje inferniza a vida humana.
Afinal, essas lições das leis divinas não são coisas novas, mas já foram ditas tanto no Evangelho quanto pelas religiões mais adiantadas que o mundo possui. De tudo isto devemos dar demonstração lógica e prova experimental. Explicar a necessidade de tomar a sério e viver o que o mundo está repetindo com palavras há milênios.
A ética divina não somente me orienta no imenso mundo dos fenômenos em que vivo, como pode dirigir a minha conduta. Explica o que está acontecendo, a razão dos fatos que me cerca e os justifica no caso de sofrimentos. Esta ética responde as minhas perguntas e oferece uma solução razoável aos problemas da vida, ilumina o caminho a percorrer, de modo que possamos vê-lo e nele avançar não de olhos fechados, mas com as vantagens oferecidas pelo conhecimento da Lei e a certeza da sua justiça e bondade.
Esta ética responde a uma necessidade do momento histórico atual. O Céu, contemplado, admirado e venerado na Terra, sempre de longe, como sonho praticamente irrealizável, não pode ser apenas teoria vivida por poucas exceções. Deve descer e realizar-se entre nós. Seria absurdo que os grandes ideais existissem para nada, como o homem preguiçoso e egoísta prefere. Apesar da indiferença, antipatia ou mesmo agressividade de muitos, ninguém pode paralisar as forças da evolução na realização do seu objetivo principal que é o progresso assentado numa sociedade justa e fraterna. Com o abrir-se da inteligência e o aumento do conhecimento por todos, vai aparecer também no terreno da ciência positiva, a verdadeira concepção de Deus e da Sua Lei. Ela sairá, então, das formas das religiões particulares em lutas entre si, da clausura das igrejas, do exclusivismo dos seus representantes. Então o homem, dessa forma mais consciente, perceberá a grande realidade que é Deus e, finalmente, para o bem de todos, se colocará, obediente, na ordem da Lei.
Assim, começa a vida... por enquanto para alguns, mas com certeza, logo mais, para todos! Devo sair do prólogo e começar a minha.
Jesus também gostava de ler. Como não existiam muitas opções de leituras, os livros do antigo testamento eram os mais disponíveis e incentivados pela comunidade, principalmente pelos sacerdotes. Imagino que ele ficava horas e horas absorto nessas leituras e imaginando, fantasiando como eu fazia com meus gibis, aventuras e mais aventuras, sozinho, eu e meus pensamentos. Eu criava heróis que digladiavam com os bandidos, e muitas vezes eu levava a pior nos meus brinquedos, mas ficava triste, porém não alterava o resultado. Procurava ser justo com o resultado que a sorte apontava.
Da mesma forma acredito que Jesus fazia quando criança que se envolvia com as leituras dos heróis do Antigo Testamento, dos profetas, juízes, reis, todos eles orquestrados pela vontade de Deus no meio da iniquidade. Jesus poderia assumir muito bem qualquer uma daquelas personalidades que eram informadas ou que eram indicadas pelos profetas, um dia surgir. Foi assim que ele assumiu logo cedo a condição de ser filho de Deus, e que estava na Terra para cumprir a Sua vontade. Com muita probabilidade, ao ler o texto de Isaias (53, 1-12), imagino que ele tenha encontrado a personalidade que iria assumir na vida adulta. Pois vejamos o que diz esse texto:
Eis uma situação que imagino, eu como adolescente, na condição de Jesus, teria também fantasiado assumir a personalidade dessa figura profética. Mesmo que muito provavelmente eu não teria a coragem e a persistência de manter essa convicção e coragem até o fim, como Jesus fez.
Mas hoje, com todos os recursos que a ciência e tecnologia me proporciona, com a pressão da sobrevivência frente a tantas opções de trabalho e de estudo, mesmo assim continuo, muito após a adolescência, a imaginar a corporificação de personalidades também identificadas com o Pai e que procuram intencionalmente fazer a Sua vontade.
A informação que Jesus deixou de que o Reino de Deus já estava próximo, sempre leva à primeira impressão que é um Reino construído externamente, como acontece com todos os outros reinos que conhecemos. Mas devemos lembrar que Ele deixou também a lição que tudo começaria por dentro, por nossos próprios corações.
A versão cristã preponderante que conhecemos quanto ao Reino de Deus, entende que Jesus apregoava um lugar alhures, no tempo e no espaço, apartado da intimidade humana, para onde o indivíduo irá ao futuro incerto, além da morte física. Isto se tiver a capacidade de, apenas em uma existência física, ter sido bom e correto o suficiente para merecer esse espaço paradisíaco.
Essa é uma ideia que não satisfaz a razão e ao bom-senso, tendo em vista que nós estamos cheios de erros e defeitos, que uma só existência não é capaz de corrigir. Se essa ideia prevalecesse, o Reino de Deus estaria fadado a ficar desabitado, talvez por toda a eternidade, já que os pecadores iriam pagar suas penas também de caráter eterno em outros lugares definitivos, como purgatório e inferno.
Mas, analisando a visão racional das lições do Cristo, e até interpretando com fidelidade o que Ele quis ensinar, entendo que esse ensinamento leva a uma introspecção do que eu sou, que leva ao conhecimento de mim mesmo. Isso faculta a realização do Reino de Deus dentro de minha intimidade, a qualquer tempo e situação, de maneira progressiva e contínua.
Assim, sou o construtor do Reino de Deus a partir da reforma do meu coração. Quando eu passo a sentir que os desejos do mundo já não me afetam tanto, é porque estou trilhando o caminho correto. Cada vez mais percebo uma harmonia interna na sintonia do que Deus deseja para mim.
O que ainda me deixa desconfortável é perceber que a maioria das pessoas não percebe essa dimensão espiritual, vivem quase que exclusivamente dentro dos interesses do mundo material, mesmo que algumas pessoas em alguns momentos, deixe entender que compreende os interesses do mundo espiritual e que vão se esforçar para vivenciá-lo, para construir dentro do coração delas também o Reino de Deus.
Com essa percepção e construção de paradigmas a minha intenção e atenção se volta completamente para a conquista cada vez mais ampla deste Reino de Deus dentro de mim, e o reflexo do meu comportamento frente ao próximo deve ser sempre de compreensão e ajuda, de fazer por ele o que eu gostaria que fizessem por mim. Isso implica que quem estiver perto de mim, e funcionar dentro dos interesses do mundo material, com a prevalência dos sentimentos egoístas, vai sempre se incomodar com os meus cuidados com terceiros em detrimento dos cuidados que eu poderia ter para com quem estivesse no momento distante.
Hoje, dia dos santos Santa Ana e São Joaquim, também é considerado dia dos avós, por eles serem os pais de Maria e avós de Jesus. Fiz uma reunião com os parentes ontem e cada um colocou sua opinião sobre a relação com os avós ou também a sua condição de avô ou avó para quem já tenha atingido essa situação.
Observei que os comentários feitos sobre a minha avó materna, aquela que me criou e educou, foram indiferentes ou negativos. Quando todos fizeram suas observações, fiz uma reflexão sobre essa avó específica.
Disse que todos nós que estamos encarnados na Terra sempre desempenhamos algum papel na vida das pessoas que estão ao nosso redor. Essa avó que me criou teve um papel fundamental em minha vida, que refletiu na vida de todos que se relacionam comigo na atualidade. Ela era uma pessoa rígida, agressiva, tinha dificuldade de expressar o amor, se preocupava excessivamente com a sobrevivência, morava e trabalhava em ambiente hostil, com muita bebida, violência e prostituição. Foi dentro desse ambiente que ela me criou e colocou em boas escolas, além de ter exigido com disciplina militar que eu trabalhasse nos afazeres domésticos, mesmo sendo trabalhos de natureza feminina, e que também colaborasse nos trabalhos comerciais de natureza masculina, mesmo com pouca idade. Dentro de tudo isso ela exigia que eu não me misturasse com as outras crianças que eram criadas e educadas nesse ambiente, para que eu não me perdesse com drogas, prostituição ou vadiagem. Chegava a me espancar com cordas que guardava com esse objetivo para que meus desejos de criança não prevalecessem sobre as necessidades do trabalho ou do estudo. Assim a minha vida de criança e adolescência foi transcorrida dentro desses limites rígidos que me obrigavam a ser uma criança isolada e tímida. O meu mundo era permeado pelos livros da escola e pelas revistas em quadrinhos das quais me tornei um grande fã. Trabalhava a noite e nos vesperais dos domingos com um carrinho de balas na frente do cinema, e de forma indireta, pois apenas via os cartazes, também me tornei um grande fã dos filmes. Durante o dia eu arrumava e varria a casa, ou trabalhava entregando água das cisternas às casas de quem me contratava, levando duas latas de 20 litros nos ombros. No pouco tempo que me restava, por ser sozinho, não conviver com meus irmãos, eu brincava sozinho com tampas de garrafas construindo castelos e condições onde o bem que eu sempre personificava, geralmente ganhava do mal, como eu lia nas revistas em quadrinhos. Tinha meus sonhos de adolescências, até garotas que eu simpatizava e chegava até a amar, desejando tanto namorar, mas o medo que fora introjetado dentro de mim impedia qualquer ação minha nesse sentido.
Esse foi o universo da minha infância/adolescência, tão cheio de trabalho e com tão pouco amor, que formou minha personalidade e cristalizou minhas intenções em direção ao bem e ao crescimento pessoal com sentimento de solidariedade ao próximo, de correção das injustiças que eu pudesse fazer. Quem capitaneava todo esse processo era a minha avó, mesmo sem nenhuma instrução, pois era uma pessoa rude, marcada pelo medo de não conseguir sobreviver na condição de mulher pobre, preta e analfabeta. Ela não conseguia expressar o amor, como a minha mãe sabia, pois talvez ela nunca tivesse tido a chance de aprender sobre isso. Ela pagou um preço altíssimo com relação a isso, pois eu, a criança que ela tanto investiu para eu ser “alguém” na vida, também não aprendeu a expressar o seu amor, principalmente com ela, a quem eu via mais como um comandante militar do que uma mãe, ou mesmo avó que na realidade ela era.
Foi assim que eu consegui ser “alguém” na vida, até mais do que ela esperava, mas, mesmo tendo o meu reconhecimento e sempre procurando lhe ajudar e ficar na sua companhia enquanto fosse possível, jamais fui capaz de lhe dar o amor com expressividade como eu chegava a fazer algumas vezes com minha mãe. Mas foi assim que eu consegui as condições de ajudar todos os meus parentes, e por isso eu tenho, por direito e por justiça, de resgatar esse trabalho que ela fez de proteção aos riscos que eu corria durante os meus primeiros momentos de formação, mesmo que de forma tão politicamente incorreta. Mas quem sou eu para a condenar? Que não sei a dimensão do seu sofrimento e da capacidade de sobrevivência? Sei apenas que devo destacar na sua vida as qualidades que ela tinha e que por isso me protegeu e fez-me chegar aonde estou. Por isso eu queria partilhar com todos, essa necessidade de reverenciar neste dia a esta avó, que de forma direta ou indireta todos nós tanto devemos.